De janeiro a dezembro de 2022, foram concedidas 10.665 medidas protetivas a mulheres que sofreram algum tipo de violência doméstica no DF, de acordo com informações do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios (TJDFT). Os números, consideravelmente altos, trazem preocupações quando analisados pela ótica da proteção às vítimas.
Um dos instrumentos para o combate ao ciclo da covardia de gênero disponibilizados pelo governo local é a tecnologia. Trata-se de uma ferramenta eficaz para monitorar as situações em que a Justiça determina medidas protetivas, especialmente em uma época em que tudo pode ser resolvido com um aparelho celular. Entretanto, poucas mulheres utilizam esse recurso que pode estar na palma da mão — seja por desconhecimento ou por opção.
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Na capital federal, são disponibilizados dois mecanismos às vítimas que estão sob medidas protetivas. Em um deles, o aplicativo Viva Flor é instalado no celular — ou em um smartphone cedido pelo governo — e tem um botão "do pânico" que permite que, com apenas um toque, a polícia seja acionada. Para que a ferramenta seja disponibilizada a uma mulher, após o boletim de ocorrência, o caso é encaminhado à Justiça, que tem o prazo de 48 horas para preencher o formulário de avaliação de risco relacionado ao fato.
A iniciativa é fruto de um acordo integral entre o TJDFT, Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (TJDFT), Secretaria da Mulher, Secretaria de Segurança Pública do Distrito Federal (TJDFT), além das forças de segurança. Atualmente, o programa conta com apenas 262 vítimas monitoradas no DF. Ou seja, mesmo com a medida autorizada, a vítima opta — na maioria das vezes — por não aderir ao aplicativo.
Já outro mecanismo disponibilizado pela SSP-DF é o Dispositivo Móvel de Proteção à Pessoa (DMPP) — um kit contendo um aparelho portátil entregue à vítima de violência e uma tornozeleira eletrônica que é instalada na perna do agressor. O dispositivo é acionado quando a distância estabelecida pela Justiça é ultrapassada. Nesse caso, a SSP entra em contato imediatamente com o agressor e determina a saída daquele local, dando instruções para que ele vá para um caminho distante da vítima. A mulher também é notificada. "A gente nunca envia viaturas de imediato. Há situações em que o agressor entra no mesmo local da vítima sem nem saber", explicou Andrea Boanova, diretora de Monitoramento de Pessoas Protegidas do órgão.
Dados da Secretaria de Segurança Pública do DF revelam que, apesar do alto número de medidas protetivas concedidas a mulheres que são vítimas de violência, apenas 25 fazem uso do dispositivo. O órgão tem condições de atender 700 mulheres ao mesmo tempo, mas a maioria das vítimas não aceita os mecanismos cedidos pelo governo local (veja quadro).
Questões complexas
A advogada especialista em direito da mulher Mariana Nery aponta críticas ao processo que ocorre até o momento em que a mulher que sofre agressão tenha acesso ao dispositivo. Primeiro, porque ela tem a opção de ir até a delegacia para denunciar dentro dos seis meses em qualquer das situações de violência — patrimonial, física ou psicológica. "No ato da denúncia, é perguntado se ela gostaria de uma medida protetiva e se ela também quer que o caso se torne uma investigação para que o agressor seja processado por algum crime. Mas a polícia tem 30 dias para fazer o relatório dizendo se acreditam ou não que este caso deva ter uma ação penal", completa.
De acordo com Mariana Nery, existem outras questões mais complexas envolvendo a utilização desses dispositivos oferecidos. "A tornozeleira é algo que trata de um cerceamento, do direito tanto de ir e vir daquele cidadão, quanto do direito à privacidade dele. Então, para que seja deferido o uso, demora muito, pois às vezes precisa que o agressor já tenha quebrado a protetiva. Já o botão de pânico também é raríssimo eles autorizarem, e isso é uma questão de discricionariedade do judiciário", detalha. A advogada comenta que, quando o TJDFT afirma que depende da vontade das vítimas, mas, uma vez que aquele inquérito chegou ao Ministério Público, as provas são analisadas e vão verificar se existe prova de materialidade, de autoria para imputação do crime. "Pode acontecer de ser solicitada uma quantidade de provas para poder mostrar essa materialidade e essa autoria, que muitas mulheres não tem. Especialmente quando falamos em violência psicológica, por exemplo. É difícil ter, pois estamos falando de um crime escondido, que acontece dentro de quatro paredes, como ela tem provas?", ela questiona. "Na minha opinião, a Justiça erra por não enxergar as peculiaridades desse tipo de crime, por não entender que a violência doméstica como o ciclo de abuso, teria que ser vista de uma forma diferente, menos machista", conclui.
Para o secretário de Segurança Pública do DF, Sandro Avelar, o acompanhamento da Diretoria de Monitoramento de Pessoas Protegidas — setor responsável pelo monitoramento dos dois programas — têm sido bastante eficazes pela SSP-DF. No ano de 2022, dentre as 16.738 ocorrências de violações de medidas protetivas por agressores, apenas em seis delas foi necessária a prisão do violador. Dados disponibilizados pelo departamento informam que, em 2023, até agora, são 685 ocorrências de violações, e uma prisão. "Fortalecer o trabalho entre os órgãos de governo e a sociedade civil é essencial para o enfrentamento da violência contra a mulher. Esta é uma questão prioritária. Na Segurança Pública, temos um programa específico sobre essa temática, o Mulher Mais Segura, que une diferentes ações para coibir esse tipo de violência. Um dos eixos do programa é o investimento e o uso da tecnologia para ampliar a rede de proteção às vítimas e integrar, cada vez mais, os canais de denúncia", afirma o secretário.
Ao Correio, a secretária da Mulher, Giselle Ferreira, ressaltou que a pasta trabalha para que haja uma ampla divulgação e, quando houver medidas protetivas, as vítimas aceitem o que o governo local oferece. "Nossa rede está preparada para dar segurança e combater todo tipo de violência contra as nossas mulheres. Em cerca de 70% dos feminicídios no DF, as mulheres não denunciaram. Quem denunciou tem muito mais chance de sobreviver. Precisamos dar um basta nessa violência", afirmou.
Onde buscar mais ajuda
O Correio selecionou mecanismos onde mulheres vítimas de violência podem pedir ajuda, além das forças de segurança. Criado pelo governo federal, o botão de pânico é um dispositivo de emergência que, via QR code, leva a usuária a um formulário do projeto Justiceiras. Para ler o código, basta apontar a câmera do celular e clicar no link que aparecerá na tela do aparelho. Após o preenchimento dos dados requisitados, a vítima será direcionada à uma equipe voluntária, profissional e multidisciplinar.
O aplicativo Todas por Uma é um tipo de inteligência artificial. Ao entrar no app, surge uma tela com uma propaganda, de modo que esconde a real função do aplicativo. Quando simplesmente balançar o celular ou clicar no botão "cupons", no canto superior esquerdo da tela, um pedido de socorro será enviado aos intitulados "anjos" da vítima, pessoas de confiança que concordaram em serem contatadas diante de situações de emergência. Assim, os anjos recebem a localização da amiga ou parente em perigo. A solicitação é feita de uma maneira discreta.
Já o aplicativo IsaRobô oferece orientações gratuitas sobre o que fazer em casos de violência doméstica ou de maneira online. O app foi desenvolvido com o apoio do Facebook e do Google pelo Conexões que Salvam, da ONG Think Olga, e pelo Mapa do Acolhimento, do Nossas.org, projetos que apoiam mulheres que sofrem ou sofreram violência de gênero na internet. A ferramenta está disponível para todos que precisam de acolhimento e de informações sobre violência contra as mulheres na internet e sobre como tornar o meio tecnológico um ambiente mais seguro.
O aplicativo PenhaS é um aplicativo de enfrentamento à violência doméstica, e foi desenvolvido pela equipe da Revista AzMina, veículo jornalístico que oferece de forma gratuita a cobertura de diversos temas com foco no recorte de gênero desde 2015.
Ligue 180
Coordenado pelo governo federal, o Ligue 180 é um serviço de utilidade pública essencial para o enfrentamento à violência contra a mulher. Além de receber denúncias de violações contra as mulheres, a central encaminha o conteúdo dos relatos aos órgãos competentes e monitora o andamento dos processos. O serviço também tem a atribuição de orientar mulheres em situação de violência, direcionando-as para os serviços especializados da rede de atendimento.
Além do número de telefone, é possível realizar denúncias de violência contra a mulher pelo aplicativo Direitos Humanos Brasil e na página da Ouvidoria Nacional de Diretos Humanos (ONDH). No site está disponível o atendimento por chat e com acessibilidade para Libras. Também é possível receber atendimento pelo Telegram. Basta acessar o aplicativo, digitar na busca "DireitosHumanosBrasil" e mandar mensagem para a equipe da Central de Atendimento à Mulher — Ligue 180.
*Estagiária sob a supervisão de Patrick Selvatti
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