Jornal Correio Braziliense

Mulheres que vão à luta

Elas mostram que lugar da mulher também é na segurança pública

Com elas, estamos seguros. Atuantes nas forças de segurança, as mulheres levam um olhar mais humanizado para as corporações e também muita empatia. Conheça algumas histórias

Nada mais antiquado do que o discurso de que certas profissões são para mulheres e outras não. O lugar delas é onde elas quiserem e elas têm quebrado estereótipos e ocupado cargos importantes em áreas que antes eram dominadas pelos homens. Um bom exemplo é a segurança pública.

Aos 43 anos, a tenente-coronel da Polícia Militar Kelly de Freitas Souza Cesário é a comandante do Batalhão dos Poderes, o 6º Batalhão de Polícia Militar, considerado pela corporação como um dos mais importantes da cidade e do país, pela localização no centro de poder do governo federal.

A conquista é um sonho antigo de Kelly, que não hesita em reafirmar que, se pudesse voltar no tempo, escolheria a mesma carreira e trajetória profissionais. Aos 10 anos, influenciada pelo pai — praça do Exército — ela pediu para estudar no Colégio Militar de Brasília. Na época em que fez a prova e passou, era apenas o segundo ano em que o colégio aceitava a matrícula de meninas, entre 150 vagas, apenas um terço era destinado para as estudantes. Entre os cerca de mil alunos, apenas 100 eram meninas. "Éramos 12 mulheres em uma turma de 80 alunos, desde meu início este mundo era tudo muito masculino", lembra.

A tenente-coronel passou na prova aos 17 anos e ingressou na corporação aos 18. Comentários machistas e desencorajadores eram frequentes desde o início da carreira e, embora hoje seja mais fácil denunciar situações de machismo, durante a trajetória de Kelly esse tipo de comportamento era mais aceito socialmente. "Além disso, sempre existiu muito daquele machismo velado, mais difícil de encontrar uma solução", comenta. Esse tipo de constrangimento poderia ser um obstáculo profissional, mas o apoio e o incentivo da família de Kelly nunca permitiram que ela cogitasse outro caminho. "Meu pai queria muito que eu seguisse carreira de oficial, queria que a filha fosse 'mais' do que ele e lutou muito para que eu chegasse onde estou. Devo muito ao meu pai", ressalta.

Ana Paula Habka, 48, é chefe do Departamento de Gestão de Pessoal da PM e serve à corporação desde 1994. O desejo de ingressar na carreira policial começou quando ela observava o vizinho que fazia parte da primeira turma da Academia da PM. "Daí, fiz o concurso e passei", conta. Naquela época, as mulheres ainda não podiam chegar a todos os cargos da corporação. O máximo que elas podiam alcançar era o posto de capitã.

Ana Paula é uma das quatro únicas mulheres que são coronéis na Polícia Militar do DF e ela se orgulha das transformações pelas quais a instituição passou desde a sua entrada. "Foram conquistas difíceis. Mas, hoje, temos mulheres em todas as funções, como na Rotam e no batalhão de cães. Foram duras conquistas, porque é um ambiente muito masculino e tenho orgulho de ser mulher na corporação", celebra. Apenas 10% do efetivo da PMDF é constituído por mulheres, atualmente. São 178 oficiais e 1.010 praças.

Segundo a coronel, o diferencial das mulheres é o olhar mais humano. "Hoje, vejo que superiores brigam para ter mulheres nos seus efetivos, porque trazemos uma percepção diferente para o trabalho, e isso tem contribuído até mesmo para que os homens também vejam o trabalho com um novo olhar, tanto em operações quanto nos atendimentos", observa. "Sou a única mulher no alto comando e me sinto muito respeitada pelos meus pares e por toda a tropa."

Para este mês especial das mulheres, Ana Paula deseja para elas o que a coronel fez para chegar onde ela está hoje: "Que busquem seu lugar, se posicionem, acreditem na sua capacidade, com muita coragem e determinação".

Trânsito

As mulheres também estão presentes na segurança das vias do DF. Ana Carolina Miranda, 45, coordena a maior Região Integrada de Segurança Pública (Risp) Leste, que abrange Planaltina, Sobradinho 1, Sobradinho 2, Fercal, Lago Norte, Varjão, Paranoá, Itapoã, Jardim Botânico e São Sebastião. No Departamento de Trânsito (Detran-DF) desde 2014, o que lhe chamou atenção para a área de segurança foi a ausência de monotonia. "Todo dia é uma nova aventura, acho desafiador", revela.

"As mulheres são fortes, mas é um outro tipo de força. Temos potencial emocional, mais empatia, poder de escuta e somos resolutivas. Sabemos administrar muito bem as situações dentro dos órgãos de segurança", constata Carol, que celebra a presença de mulheres no departamento, ao mesmo tempo que lamenta a pouca quantidade delas em cargos de chefia.

Ana Carolina sabe bem o quão duro é para uma mulher crescer dentro de ambientes dominados por homens. "Você é desafiada, contestada injustamente e testada para mostrar que é capaz. Cada desafio que aparece são mil olhos sobre você", diz a coordenadora. O desejo dela para as mulheres é que consigam sucesso no trabalho, principalmente para as que são mães. "Conciliar o trabalho com a família é uma rotina muito difícil, principalmente para as mulheres da Segurança Pública, que têm incertezas dos horários em que serão acionadas."

Pioneira

Há 30 anos no Corpo de Bombeiros do DF (CBMDF), a coronel Cristiane Simões, 47, fez parte da primeira turma de oficiais mulheres do Brasil. A ideia de prestar o concurso para os bombeiros veio da mãe, quando ela tinha apenas 16 anos. "Minha mãe era funcionária pública e sempre me falava que eu tinha que ser independente dos homens. Foi minha primeira influenciadora", lembra Cristiane, que entrou na Academia da CBMDF ainda aos 17 anos.

Apesar da conquista surpreendente, Cristiane ressalta que nada foi pensado estrategicamente. O concurso, a priori, era uma forma de atingir a sonhada estabilidade financeira. "Com a maturidade, eu fui vendo a relevância de ser uma mulher numa instituição militar", confessa a corregedora. "Foi muito desgastante psicológica e emocionalmente. Na época em que entrei, não havia referências femininas na corporação", relembra a coronel. "Isso me fez uma mulher mais forte, mas ninguém precisa passar por isso. Eu cheguei a adoecer, porque a carga é muito grande para nós."

Para Cristiane, a presença de mulheres no Corpo de Bombeiros é fundamental. Ela sustenta que, como instituição pública, a corporação tem que refletir a sociedade. Além disso, as mulheres trazem, segundo a bombeira, o olhar humanizado para a prática. "Nós desenvolvemos uma ética de diálogo e inclusão diferenciados."

Cristiane ingressou na instituição ao lado de Mônica Mesquita, a primeira comandante-geral mulher da história da CBMDF. No último 8 de março, Dia Internacional da Mulher, a militar assumiu o posto na Academia do Corpo de Bombeiros.

Colaborou Ailim Cabral  

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Marcelo Ferreira/CB/D.A Press - Ana Carolina Silva Miranda, 45, do Detran, coordena a maior Região Integrada de Segurança Pública do DF
Renato Alves/ Agência Brasília - A tenente-coronel Kelly de Freitas Souza Cesário é a comandante do Batalhão dos Poderes
Arquivo Pessoal - A coronel do Corpo de Bombeiros do DF Cristiane Simões fez parte da primeira turma de oficiais mulheres do Brasil