As injeções para emagrecimento viraram moda. Neste ano, com a aprovação no Brasil pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), o uso aumentou. Em entrevista ao CB.Saúde — parceria entre o Correio e a TV Brasília, a endocrinologista Marina Pasolini fez um alerta — o uso indiscriminado pode causar danos à saúde, como quadros graves de úlcera gástrica. A médica explicou, ainda, que o Ozempic, injeção que vem sendo usada para perder peso, é indicado apenas para diabetes. O produto aprovado pela Anvisa para emagrecimento é outro, o Wegovy. À jornalista Carmem Souza, a especialista destacou que tratamentos para emagrecer precisam ter orientação médica e envolver uma equipe multidisciplinar, composta por profissionais como endocrinologista, psicólogo e educador físico.
Para quem o ano vai começar agora, depois que o carnaval passou, tem alguma forma ou uma receita mágica para perder peso?
A receita mágica, infelizmente, eu queria falar aqui que tem, mas não tem receita mágica para o processo de perda de peso. É quando a pessoa quer perder peso, ela decide por isso. Perder peso é uma decisão. Então, esse é o ponto inicial desse processo todo.
Então, é um processo individual? Pergunto isso porque, às vezes, as pessoas cumprem a mesma dieta. Às vezes, até a mesma quantidade de exercício, e o efeito não é o mesmo.
A gente tem que ver que cada pessoa tem as suas particularidades. Tem um componente genético, tem a parte comportamental. Falo muito sobre padrão alimentar. Cada pessoa tem um padrão alimentar diferente do outro, tem a parte hormonal. Reforço, aqui, em relação a nós, mulheres. Quando a gente entra na menopausa, por exemplo, os nossos hormônios não são iguais. Então, têm várias questões que devem ser analisadas. Por isso, o tratamento, que abrange diversas áreas, é sempre individualizado.
Há toda uma discussão quanto a obesidade ser uma doença. E isso, geralmente, não é bem aceito ou compreendido. Esse entendimento também é um processo que ajuda no enfrentamento e na busca pela perda de peso?
Sem dúvida alguma. Quando você fala para a pessoa que ela tem uma doença — porque obesidade é crônica, as complicações vêm a longo prazo —, o tratamento fica muito mais fácil, porque quem tem obesidade não escolheu ter a obesidade. E que bom que a gente está falando desse tema aqui, porque, cada dia mais, a gente vê esse ganho de peso. A doença, cada vez mais, está se sobressaindo. Por ser uma doença, há indicação de tratamento multidisciplinar.
O seu público são mulheres, mas, imaginando esse fenômeno de uma forma mais global, a senhora percebe isso nas crianças?
Com certeza. Meu público é mais de mulheres, mas, quando converso com elas, sempre pergunto como está a situação em casa, como é o ambiente — porque o ambiente modifica muito... A forma como você coloca um alimento para a criança, por exemplo, a forma como você mostra o alimento. A gente percebe que a obesidade infantil vem crescendo. Atualmente, saiu um guideline falando que já se pensa em cirurgia bariátrica em crianças. Veja bem o quanto isso vem aumentando. Por isso, é uma questão de saúde pública e tem que ser vista como uma doença. Isso é super importante. Não como um desleixo. Muita gente diz: “você está assim, que desleixo”. Não, não é isso.
A injeção emagrecedora era muito usada e, este ano, com a aprovação da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), a procura aumentou ainda mais. Em que medida essa injeção funciona para a perda de peso?
O Ozempic não é aprovado para perda de peso. A Anvisa aprovou, é a mesma molécula, só que com uma dose maior. O nome vai ser até diferente, o Wegovy, em uma dose muito maior que o Ozempic. Mas muita gente está usando Ozempic, muitas vezes, sem necessidade. É um bom medicamento, com certeza, mas lembrando que é aprovado para diabetes. Como tem um resultado positivo, as pessoas estão usando. Entretanto, não tem como dizer que ele vai ser efetivo para todo mundo. Por quê? Porque existem as particularidades de cada um. O que serviu para Ana, talvez, não vai servir para Maria. Sempre individualizar. Esse é o foco no tratamento da perda de peso, sempre com uma equipe multidisciplinar: o endócrino, o nutricionista, o psicólogo, o educador físico.
Há limitações para o uso dessa injeção?
O que é legal nesse medicamento é que ele tem poucas contraindicações e os efeitos colaterais não são tão ruins. Mas, para quem está indicado, se a gente for no fio da questão? Para pessoas com sobrepeso. Então, a gente calcula o IMC (índice de massa corporal), que deve estar acima de 27, com alguma outra doença associada, como diabetes. Ou com IMC acima de 30, que daí classifica como obesidade. E a maioria está acima do peso, mas não é falado sobre isso.
É uma aplicação semanal e, às vezes, até pelo uso sem acompanhamento clínico, tem gente aplicando diariamente ou mais de uma vez por dia. Quais são os riscos do uso assim tão exagerado ou sem nenhum tipo de orientação?
O Ozempic é aprovado uma vez na semana. O que a gente tem de aplicação diária é o Saxenda, que é aprovado para perda de peso. Os dois são bons medicamentos, têm praticamente o mesmo efeito colateral. Quais são os principais? Náuseas e vômitos. Entretanto, se alguém que já tem, por exemplo, uma doença de refluxo, aquela azia exacerbada, ele pode piorar, pode levar o paciente para uma úlcera, já tem paciente internado por conta de úlcera gástrica. Aquela feridinha no estômago, por conta do uso inadequado, das doses inadequadas e da forma da aplicação também. Tratamento medicamentoso tem que ser indicado pelo médico e tem que ser acompanhado.
Um dos efeitos que está muito nas redes, principalmente porque é a injeção da moda, é o rosto envelhecido. O que o rosto tem a ver com a medicação?
Provavelmente, aquela pessoa iniciou o tratamento, teve uma perda de peso bacana. E o que acontece? Geralmente, a gente tende a ficar um pouco mais envelhecida, o colágeno não é o mesmo. Por isso, quando você faz o tratamento para perda de peso, o orientado é você iniciar uma musculação. Na verdade, qualquer atividade de resistência. Mas a musculação é a melhor, porque a gente tende a perder massa muscular, quando a gente inicia o processo de perda de peso. Então, a flacidez vai aparecendo, o rosto envelhecido vai aparecendo. Como evitar isso? Atividade física com foco em exercícios de força, para criar músculo e evitar esses efeitos que, na verdade, não são ruins, porque perder peso é sempre benéfico.
Como é a combinação entre Ozempic e álcool?
Não é muito boa… Pode tomar um vinhozinho, uma cervejinha, mas não pode exagerar, porque há uma tendência enorme de a pessoa chegar a vomitar por conta do excesso do álcool e não pelo efeito colateral da medicação. Então, pode tomar seu vinhozinho? Pode, mas com moderação.
O efeito é a saciedade? É isso que essas medicações dão?
Com certeza.
Imagino que tem um momento em que é preciso largar a injeção emagrecedora. Como é que acontece esse processo de desmame? Há um risco de aumentar o peso de novo?
Quando eu falo que a obesidade é uma doença crônica, o tratamento é a longo prazo, nunca vai ser a curto prazo. Geralmente, quando inicio um tratamento, sempre falo que é a longo prazo. Por quê? Há uma grande chance de eu parar o tratamento e você reganhar peso. A obesidade, além de ser crônica, é recorrente. O problema não é da medicação, nunca foi. Porque, se você perdeu peso, ela foi efetiva. Mas a gente tem que lembrar que estamos tratando de uma doença que é recorrente. Então, há uma tendência do reganho. Por isso, o tratamento é a longo prazo e com acompanhamento. O desmame pode sim, ele é possível, mas com orientação. Porque se você desistir, provavelmente vai ter o reganho de peso e isso é muito frustrante.
Às vezes, a pessoa abandona em razão do preço, porque não é uma injeção barata. Estamos falando de R$ 1 mil. Para quem não tem esse dinheiro, de que outras formas é possível perder peso sem desembolsar um valor tão alto?
A gente tem outros medicamentos, que são aprovados para perda de peso, não é só Ozempic e o Saxenda, que são os dois são mais caros, que a gente tem no mercado. E está para chegar no Brasil o outro, que é mais caro ainda. Mas a gente tem outras opções com preços mais acessíveis e o paciente pode aderir ao tratamento para ter uma melhor qualidade de vida, uma melhor saúde, ver os filhos crescendo com saúde. Então, a gente tem outras opções, com certeza.
O Brasil enfrenta uma epidemia de obesidade, mas, também, temos uma epidemia de ansiedade. De que forma essas duas complicações estão relacionadas?
Elas andam muito juntas. Por isso, quando a gente pensa na pessoa que tem obesidade, que tem sobrepeso, a gente sempre tem que avaliar a parte comportamental. Reforço a importância da equipe multidisciplinar, o psicólogo junto, uma terapia, porque a ansiedade é algo que vem assolando a gente, temos pessoas mais ansiosas, que têm um padrão comportamental mais beliscador. Ou seja, sempre está comendo. Isso dificulta muito o processo de perda de peso. Então, o tratamento tem que ser olhado nas duas vias. Tem o tratamento medicamentoso, mas tem essa parte da ansiedade, e tem que ser falada também e conversada com o paciente. Por que ele faz isso? Qual a raiz do problema? Muitas vezes, a gente acha que a raiz do problema é a comida. Estou um pouquinho ansiosa, vou lá e belisco a comida. E a raiz do problema não é essa. É só uma fuga que a gente coloca na comida. Entender o porquê que a gente tem isso é importante para o processo e para o resultado positivo da perda de peso.
Na semana passada, a Federação Mundial da Obesidade divulgou um levantamento e uma projeção do aumento da obesidade no Brasil, nos próximos meses. Estamos com 22% da população adulta obesa. Estima-se que, até 2030, chegue-se a 30%, um aumento considerável. As mulheres têm uma taxa maior de obesidade. Falamos aqui também das crianças, mas vamos tentar traçar um perfil? Quem é que está engordando mais no Brasil? E isso está relacionado a que?
Tem que lembrar que tem o componente genético — quase 70% são relacionados ao componente genético. Então, se na família já tem alguém que está acima do peso, isso já é um facilitador. Claro que ninguém está fadado a isso. E não só em relação à obesidade, mas outras doenças crônicas, como diabetes, ninguém está fadado. Tem gente que fala “minha mãe tem, meu pai tem, será que eu terei?”. Não, você não está fadado a isso, só tem um degrauzinho a mais. Por isso, o cuidado vai ter que ser um pouquinho maior. O que a gente vê é uma tendência das crianças, que antes não existia. Mas o público maior é entre 40, 50 anos, que vem acima do peso. E também teve um dado recente: até 2035, mais da metade da população mundial estará acima do peso, se nada for feito, dentro de uma saúde pública.
É muita gente, até porque a gente começa a pensar nos desdobramentos da obesidade. É uma doença associada a uma série de outras doenças complicadoras.
Com certeza. É uma doença que não está só atrelada ao peso. Eu sei que nós, mulheres, olhamos muito a parte da estética. E não estou falando que isso não é importante. É super importante, mas não é só isso. Aumenta muito o risco de diabetes, problemas de pressão, cânceres. A obesidade está muito atrelada a vários tipos de cânceres, por exemplo, câncer de mama na mulher e câncer de endométrio, aumento do risco cardiovascular e diminuição da sobrevida. Por isso, reforço, cada vez mais, a importância de a gente olhar com mais carinho e com mais respeito para essa doença (obesidade).
Já falamos de componente genético, de exercício, de dieta, de medicação. Fica muito claro que é uma combinação de fatores, mas podemos identificar, pensando na perda de peso, o que mais funciona é a dieta, é o exercício, é o remédio… Nesse combinado tem algum fator que tem um efeito mais significativo?
É uma junção de tudo. Mas, se a gente quer perder peso, a gente tem que focar na dieta. O que faz a gente perder peso é a dieta, porque a gente tem que comer menos do que o nosso corpo precisa — é o déficit calórico. A atividade física é super importante também, não necessariamente para perda de peso, mas para que? Para uma melhora da composição corporal, ou seja, para eu ganhar mais massa muscular e reduzir o percentual de gordura e, também, para a manutenção do peso perdido. Então, lá na frente, o que vai manter o peso que você perdeu é a atividade física. Então, uma coisa complementa a outra. E, também, a parte comportamental. Esse olhar psicológico que temos que ter. A ansiedade é uma coisa que vem gradativamente aumentando, mas não é só ela. Também a compulsão alimentar vem aumentando. Por isso, a equipe multidisciplinar é fundamental para um olhar para cada particularidade.
Pensando nesse posto tão estratégico da dieta e dos hábitos alimentares, existe uma dieta que é mais recomendada para perda de peso, imaginando que vínhamos também com uma mudança de consumo de ultraprocessados muito acima do recomendado?
Na verdade, não existe uma dieta que serve para todo mundo, e não existe a melhor dieta. Existe a dieta que faz sentido para cada pessoa. Não gosto de dietas muito restritivas, porque não damos conta. Vai chegar uma hora em que vamos ficar mais estressados do que quando começamos. Então, a dieta tem que fazer sentido na sua vida. Também não gosto muito do termo dieta, porque dá uma sensação de que “nossa, a restrição é muito importante”. Não. Mas uma reeducação alimentar, que você consiga levá-la por longo tempo, sim. Uma dieta que seja boa para todo mundo não existe.
É possível perder peso e comer bem gastando pouco? Quais são os alimentos que podem ajudar nesse processo para uma população que tem engordado muito, mas não tem acesso a essas facilidades mais caras?
Temos que focar na comida de verdade. O que é comida de verdade? Todo tipo de carne — que é proteína —, o ovo, o leite, o queijo. É o básico. O básico funciona. A gente tem em mente que precisa ser coisa cara para perder peso. Longe disso. O básico bem feito funciona.
Para quem quer emagrecer, qual o seu recado para 2023?
Perder peso é uma decisão, e a pessoa não está sozinha nessa. O processo não é fácil, é mais trabalhoso, mas, com uma equipe multidisciplinar acompanhando, tenho certeza de que o resultado vai ser positivo e duradouro.
*Estagiário sob a supervisão de Malcia Afonso
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