Jornal Correio Braziliense

Correio Debate

É necessário e urgente dar um basta nas ocorrências de feminicídio

Correio Debate reúne autoridades e especialistas em busca de ações contra a violência doméstica. No DF, nove mulheres foram mortas este ano. Entre os temas abordados, estão a educação e mecanismos de apoio às vítimas e aos órfãos

Com o objetivo de promover um ambiente de discussão que amplie ações de enfrentamento à violência doméstica, o Correio promoveu mais uma edição do Correio Debate, que trouxe o tema "Combate ao feminicídio: uma responsabilidade de todos".

Participaram da abertura do evento a governadora em exercício do Distrito Federal, Celina Leão (PP), que afirmou que ainda há muito o que se mudar na sociedade, quando se fala nesse assunto; e a ministra da Igualdade Racial, Anielle Franco, que classificou o feminicídio como o "mal do século", pois atinge todas as mulheres e, por isso, deve ser debatido de forma coletiva.

Dados alarmantes

Celina Leão lembrou que o Correio nunca se furtou de fazer os grandes debates que a cidade precisava. "Isso aconteceu há cerca de um mês, quando discutimos a importância do Fundo Constitucional. Agora, não poderia ser diferente. Vivemos um momento que precisamos não só falar de índices (de violência, simplesmente), mas mobilizar toda a sociedade (contra o feminicídio)", destacou. Ela também enfatizou que as mulheres morrem pelo simples fato de ser mulher e calculou que a quantidade de feminicídios é ainda maior do que está sendo divulgado oficialmente.

De acordo com Celina Leão, são nove tragédias no DF este ano. "Dessas, quatro nunca registraram boletim de ocorrência contra o autor, e as cinco que fizeram não tinham à disposição o botão do pânico", lamentou. A governadora também ressaltou que o feminicídio é um crime continuado, que não acaba com a morte da mulher. "Temos, atualmente, 297 órfãos desse crime. Por isso, determinamos a criação de uma bolsa para que as crianças, até os 18 anos, recebam auxílio do Estado", revelou. "Algumas delas presenciaram os crimes e precisam de um acolhimento psicológico especial até o fim da sua formação (como pessoa)", enfatizou.

Para ela, é necessário falar sobre a violência contra a mulher e estimular as mulheres a fazerem o mesmo. "Precisamos de um acolhimento no Estado, dentro da rede de proteção, para que a mulher tenha coragem suficiente para isso. Temos que dar condição patrimonial para que as vítimas de violência possam sair dessa situação", apontou Celina Leão. "No ano passado, tivemos 19 mil denúncias de violência contra a mulher no DF. Isso mostra que ainda temos muito o que mudar na sociedade", observou a governadora em exercício.

Marcelo Ferreira/CB/D.A.Press - Celina Leão: "Temos, atualmente, 297 órfãos desse crime. Por isso, criamos uma bolsa para essas crianças"

Protagonismo necessário

A ministra Anielle Franco alertou para o fato de que, mesmo com uma lei que pune a morte de mulheres pelo gênero, os casos de feminicídio seguem em crescimento ano a ano. Para ela, o tema deve ser debatido junto a propostas de melhoria no acolhimento para as mulheres denunciarem. "(O feminicídio) É o ápice (de violências seguidas). Para chegar a esse ponto, passamos por outras situações bem complicadas", explicou.

Para a ministra, essa violência coloca, recorrentemente, as mulheres negras no topo da pirâmide dos casos e elas devem tomar para si a própria história. "No nosso ministério a gente tem tentado, cada vez mais, fazer com que todas as mulheres, principalmente as mulheres negras sejam ouvidas, acolhidas, mas que elas sejam protagonistas de suas histórias, para que nós, mulheres, adentremos nos espaços de protagonismo que historicamente são negados. Mas isso tem que acontecer enquanto estivermos vivas", ressaltou Anielle Franco.

Segundo a ministra, o CadÚnico é um mecanismo importante de acesso à população preta (principal vítima de feminicídio), por isso a pasta irá se debruçar em ações específicas para ampliar a participação desse perfil dentro do programa. Para incentivar a procura, Anielle Franco participará, até o final da semana, de uma ação simbólica, no Rio de Janeiro, com o ministro do Desenvolvimento Social, Wellington Dias, e a primeira-dama, Rosangela Lula da Silva, a Janja, em que farão o cadastramento de uma família ativa, com a presença de uma assistente social, para desenhar o passo a passo para a população.

Marcelo Ferreira/CB/D.A.Press - Anielle Franco: "As mulheres, principalmente as mulheres negras, precisam ser ouvidas"

Compromisso pelas mulheres

Vice-presidente executivo do Correio Braziliense, Guilherme Machado destacou que o jornal assume o compromisso de defesa da mulher e dos direitos da mulher e contra o feminicídio. "Essa realidade está cada dia mais presente, não só no Distrito Federal, mas no Brasil e no mundo", pontuou. O seminário ocorreu na data que antecede o Dia Internacional da Mulher, celebrado em 8 de março.

Durante o discurso, Machado também leu uma Carta Compromisso em nome do Correio (confira abaixo). Na fala, o vice-presidente ressaltou que, além de celebrar as mulheres, a data é um momento de expor as violências e os crimes que tiram direito da mulher de existir e que precisam ser combatidos. "As estatísticas são assustadoras", comentou. Somente em 2023, nove mulheres foram vítimas de feminicídio do DF. "É urgente a criação, adoção e monitoramento de políticas transversais que impulsionem a mudança cultural necessária para o enfrentamento à violência de gênero", enfatizou.

Além do Correio, as entidades Universidade de Brasília (UnB), Núcleo de Estudos e Pesquisa sobre a Mulher (NEPeM/UnB), Núcleo de Pesquisa Flora Tristán (Ipol/UnB), Grupo de Pesquisa GECOMS/CNPq (Gênero, Comunicação e Sociabilidade)e Movielas (Mulheres do Som e da Imagem do Audiovisual do DF) assinam a carta-compromisso.

 

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Carta-compromisso do Correio Braziliense

combate ao feminicídio:
Uma responsabilidade de todos

O mês de março marca a luta pelos direitos das mulheres e tem peso simbólico numa caminhada para vencer barreiras e preconceitos que é diária. A data vai além de celebrar a existência das mulheres e se tornou também o momento de expor violências e crimes que, em direção oposta, sequestram delas o direito de existir e que precisam ser combatidos.

Vivemos uma mudança de paradigma. As mulheres ganham mais espaço nas decisões de poder, mas há ainda muito o que conquistar. Elas, hoje, têm o direito de dizer não. Talvez por isso sejam alvos de violência de quem não aceita ou não entendeu a nova realidade. A violência tem, muitas vezes, início na frustração de homens que não conseguem subjugá-las, submetê-las a seus desejos e interesses. Por isso, essa é uma luta que envolve o reconhecimento da igualdade de gênero.

O mais drástico fim para uma história flagelada por diversas violências é a prática do feminicídio. Apesar de recentes — uma vez que a Lei nº 13.104, que tipifica o crime e o difere do homicídio foi sancionada em 2015 —, as estatísticas são assustadoras. Desde então, segundo dados do Anuário Brasileiro de Segurança Pública 2022, mais de 7,2 mil mulheres foram assassinadas simplesmente por serem mulheres. Em 2022, o DF registrou o maior índice de processos por violência doméstica, com 2.243 ações a cada 100 mil mulheres residentes.

É urgente a criação, adoção e monitoramento de políticas transversais que impulsionem a mudança cultural necessária para o enfrentamento à violência de gênero. Conforme ressaltou o Núcleo de Estudos e Pesquisas sobre Mulher (NEPeM)/UnB em artigo publicado neste jornal, elas devem ser de responsabilidade de todos os setores do Estado, incluindo as políticas econômicas, de promoção do trabalho decente, da assistência social, do acesso à saúde e à moradia digna.

Diante desse cenário, o Correio Braziliense propõe um compromisso conjunto de todos os atores para conclamar um basta à violência contra a mulher.

Aos poderes Executivo, Legislativo, Judiciário e o Ministério Público, que persigam incansavelmente a justiça, trabalhando em consonância, e ofereçam alternativas e acolhimento para permitir um convívio social pacífico;

À sociedade civil, à imprensa, às escolas, às universidades, às famílias. aos sindicatos, aos coletivos e às instituições religiosas, que encarem a missão de ensinar e informar com olhar para a diversidade, de maneira a garantir a formação de cidadãos conscientes de direitos e de deveres, e exijam o respeito de direitos básicos garantidos pela Constituição às mulheres.

E, principalmente, na cobrança social do papel de cada homem, que assumam suas responsabilidades e se empenhem, decididamente, em ouvir, acolher e fazer parte efetiva para um novo mundo no qual a vida das mulheres, de cada mulher, seja respeitada. Conclamamos por um pacto de respeito às mulheres do Distrito Federal. Basta de violência.