Jornal Correio Braziliense

Wladimir Magalhães de Freitas, médico cardiologista

Demência pode ser evitada com cuidados na meia idade

Ao CB Saúde — parceria do Correio com a TV Brasília —, o médico destacou que, na meia idade, a atividade física, o controle de hipertensão e da diabetes são essenciais para combater a doença. "A prevenção começa desde a infância", afirmou

A demência foi tema do CB.Saúde — parceria entre Correio e TV Brasília — de ontem. À jornalista Carmen Souza, Wladimir Magalhães de Freitas, cardiologista do Biocardios Instituto de Cardiologia, comentou sobre como os hábitos, desde a infância, podem impactar em uma possível demência na velhice. Ele também falou que uma fase crítica da vida é a meia idade, que este é um momento importante para a prevenção de possíveis Alzheimer e doenças vasculares. "O diretor da OMS resumiu muito bem, quando disse que a demência é uma doença que tira a memória, que rouba a dignidade, e que rouba dos familiares aquela pessoa que a gente conhece", destacou.

A OMS tem dito que estamos diante de uma epidemia mundial de demência. Qual é esse cenário, que desafio, que ameaça é essa?

De 1996 a 2013 houve um aumento de 16% de casos de demência. Demência é um conjunto clínico que em medicina a gente chama de síndrome e envolve várias doenças. É um número alarmante e infelizmente é muito maior em países de renda baixa e média como o Brasil do que em países mais avançados. Então, a carga de doenças nesses países já fragilizados economicamente é absurda. E como todos sabem a gente tem pouca coisa pra fazer em termos de tratamento. Então, todos os esforços são em busca da prevenção, a demência é uma doença muito triste.

Acho que o diretor da OMS resumiu muito bem, quando disse que a demência é uma doença que tira a memória, que rouba a dignidade, e que rouba dos familiares aquela pessoa que a gente conhece. Então, eu costumo dizer para os familiares que têm pacientes com demência que vivem um luto antecipado e recorrente. Porque no fundo nós somos as memórias coletivas que a gente tem de nós mesmos e que você tem de quem você ama. Quando você perde isso, e a pessoa começa a mudar de comportamento, você já não reconhece mais o parente. Emocionalmente é como se ele já tivesse falecido. E no dia seguinte você novamente não reconhece. É um luto recorrente. É um custo emocional e financeiro, para as famílias, absurdo.

O que fazer diante desse aumento exponencial de demência?

O foco hoje é maior em cima da prevenção. Em 2020 a OMS lançou uns relatórios que eles chamam de Blueprints, que são tópicos de conduta para diversos países. E o primeiro foco é alertar as pessoas que a demência não é necessariamente a evolução de todo idoso. A demência tem causas e pode ser prevenida. E essa prevenção começa muito cedo, então começa em primeiro lugar na infância com uma ampla educação para todos. Está bem estabelecido que as pessoas com maior grau de escolaridade formal estão mais protegidas dos quadros demenciais. Em termos de prevenção começa-se desde a infância.

Depois tem uma fase muito crítica, que é a fase da meia idade. Indivíduos por volta dos 40,50 e até 65. Essa meia idade parece que tem uma importância muito grande no desenvolvimento da demência, esse é o ponto principal, porque esses indivíduos têm o controle da hipertensão, a OMS elenca 12 itens potencialmente modificáveis que seriam capazes de, uma vez tratados, reduzir a carga total de demência em 40%, prevê que de 2030 a 2050 a gente vai ter mais de 100 milhões de pessoas com demência no mundo. Você imagina que com uma prevenção você pode reduzir isso em 40%.

Em que medida a alimentação está relacionada à demência de Alzheimer?

Muito. Porque do ponto de vista e de prevenção cardiovascular e no caso também prevenção de demência, a alimentação mais próxima do ideal é já bem conhecida é o que eles chamam de alimentação mediterrânea. A alimentação em que ela é bastante diversa do que a gente normalmente se alimenta, então, a base dessa pirâmide é líquidos com água e não refrigerante. Em segundo lugar muitos legumes, castanhas, nozes e o uso de azeite. Em terceiro lugar, que para nós fica difícil pelo custo que são frutos do mar. Acima do fruto do mar, como proteína animal, pequenas quantidades de carne branca. E por último com menor quantidade possível de carne vermelha. Essa é a pirâmide da dieta mediterrânea. Então quando a gente vê isso com a nossa alimentação padrão ela está bem diferente do que o que a gente poderia chamar de alimentação ideal. Do ponto de vista de prevenção de doenças cardiovasculares e consequentemente de demência.

O senhor tem um importante trabalho nesse sentido, coordena um grande estudo voltado às questões da demência e envelhecimento.

Esse é um estudo que a gente começou já há muito tempo, em 2015, e que viemos agregando diversas áreas. Hoje nós temos instituições participantes, a Fundação Getúlio Vargas, a UnB, a USP e Unicamp e todo esse conjunto está sendo operacionalizado e sediado no Instituto BioCardios. A ideia é a gente definir de maneira mais específica na população brasileira quais são os preditores de demência. Então o que a gente quer saber, em última análise, é se a hipertensão, por exemplo, entre os brasileiros é mais relevante do que a obesidade no desenvolvimento da demência, se o colesterol alto é mais relevante do que a diabetes. É essa a ideia geral do estudo.

Algumas hipóteses?

A gente observa que nesses indivíduos a atividade física parece que tem um fator protetor muito grande. E uma outra que surgiu durante os nossos estudos são os níveis elevados de HDL que é o colesterol bom. Parece que os níveis elevados de HDL também têm um protetor cerebral muito grande. Mas isso são estudos preliminares e nada, ainda, de maneira definitiva. E o que mais chama atenção é que a gente conseguiu juntar diversos profissionais, a gente tem biólogos, educadores físicos, economistas, neuropsicólogos e cardiologistas de diversas subespecialidades, todos empenhados nesse projeto. Atualmente nós temos 400 octogenários catalogados e a partir deste ano a gente vai começar a convocar indivíduos acima de 75 anos esses indivíduos chegam, a gente faz os testes neuropsicológicos, avalia o nível de cognição desses indivíduos e os acompanha ao longo do tempo. Um acompanhamento mínimo de 10 anos. A gente vai acompanhando e a cada um ou dois anos a gente repete aqueles estudos e vê se houve declínio no nível cognitivo dele. Então é um estudo de longo prazo.

*Estagiário sob a supervisão de Suzano Almeida