Precursor do "Estilo Rap do DF", Jefferson da Silva Alves, mais conhecido como DJ Jamaika, morreu ontem, aos 55 anos, devido a um câncer na coluna que estava tratando, mas se agravou com uma metástase. O rapper foi um dos pioneiros a dar voz à cultura da quebrada brasiliense.
Ele começou a carreira nos anos 1980, junto ao irmão Rivas Alves, no grupo BSBoys. Jamaika ficou conhecido por ter participado do início do icônico grupo Câmbio Negro, e seguiu a carreira ao lado do irmão com o grupo Alibi. Logo depois tornou-se evangélico e recomeçou sua trajetória artística cantando e compondo no segmento de hip-hop cristão.
Amante dos carros clássicos, Jefferson tinha um carinho especial pelo Galaxie V8, que era o carro xodó da família. Morador do Sol Nascente, era conhecido pelos hits Tô só observando e Do pó ao pó, deixará saudades em familiares, conhecidos e fãs. Era conhecido por ser uma pessoa autêntica e alegre com a vida. "Ele certamente deixou para nós a mensagem de seguir nossos sonhos, e dar uma chance para nós mesmos. Seu legado musical será eterno", disse a família, em nota nas redes sociais.
Rivas Alves, irmão do artista, emocionou-se ao se lembrar dele. "Foi um cara muito verdadeiro. Deixo aqui a importância de se viver uma verdade, como ele fazia. É o legado dele que está por aí", destacou. Os companheiros de música de Jamaika estavam com a passagem do rapper, como Rafael Santoro, produtor do DJ. "Ele criou uma identidade para o rap do cerrado copiado por muitos em todo Brasil, que depois continuou a evoluir em diversos estilos diferentes, mas que marcam o típico som do DF. O seu legado é impressionante. Tive a honra de trabalhar lado a lado com ele em diversos projetos que viraram hits nacionais", declarou.
Saiba Mais
Pioneiro
Emocionado com a perda do amigo de geração, o rapper Japão, do Viela 17, destacou a grandeza de Jamaika. "Ele foi um dos principais pioneiros do hip-hop brasileiro e do Distrito Federal. É sempre triste quando perdemos alguém que contribuiu tanto para a cultura e a arte em nosso país", ressaltou.
Japão também acrescentou a militância musical do colega. "É importante lembrar de sua luta pela valorização e reconhecimento do hip-hop como uma forma de arte e cultura legítima, e de sua contribuição para a cena musical brasileira. Eu acredito que o legado que o Jefferson nos deixou servirá para velha guarda e também de material para conscientização da juventude que está chegando agora no rap. Que ele tenha o descanso merecido e que sua família tenha o melhor conforto abençoado por Deus. Que a memória e o legado de DJ Jamaika continuem inspirando novas gerações de artistas e amantes da música no Brasil e no mundo", enfatizou.
Proprietário de uma tradicional loja de vinil em Ceilândia, Givaldo Nunes de Sousa era amigo próximo do DJ Jamaika. "Ele era um palhaço, sempre estava rindo. Se você estivesse precisando de alguém, ele sempre estava ali para conversar", lembra. "Falei com ele pela última vez em fevereiro, no aniversário de um amigo em comum. Estava debilitado e acredito que ele tenha ido até lá para se despedir mesmo", revelou o amigo.
Para Givaldo, foi um baque quando recebeu a notícia da morte do cantor. Mesmo assim, ressalta o conforto por conta do legado que o DJ deixa. "Ele se foi, mas ficou um legado enorme para a garotada que está começando no rap, assim como para os que estão a mais tempo na estrada", afirma Givaldo. "Dá para dizer que a tristeza pela morte dele está sendo substituída pela alegria, por conta do legado que deixou. Ele cumpriu seu papel", apontou.
A Secretaria de Cultura também lamentou a morte de um artista tão importante e marcante para o DF, como foi Jefferson. "DJ Jamaika cantou a periferia, a Ceilândia e o rap como poucos. Com isso, deu voz a uma cultura considerada até então marginal. Perde a cultura brasileira, perde o DF, perde a Ceilândia", disse Sol Montes, subsecretária de difusão e diversidade cultural.
O amigo e grafiteiro Carlos Astro, também morador da Ceilândia, expressou com pesar e saudosismo a marca que o cantor deixou para várias gerações. Ele contou ao Correio que Jefferson trouxe para a capital o verdadeiro rap. "O rap saudável, o que vem no sentido de direcionar o jovem, diferente da ostentação. Para nós, é diferente ouvir as músicas do Jamaika, é uma orientação verbal. Ele era um grande professor do mundo, que Deus pôs nas comunidades e nas quebradas para ser ouvido", ressaltou.
Max Maciel, deputado distrital, considerou o artista uma referência do rap nacional. "O DJ Jamaika é um dos nomes que fizeram do DF uma referência do rap nacional. Marcou uma geração. Marcou a minha geração! Meus sentimentos a toda família e amigos!", disse.
No cinema
Ao lado da música, a expressividade de DJ Jamaika alcançou as telas de cinema, em dois momentos de intenso brilho na história do Cine Brasília (e numa consagrada trajetória de festivais no exterior). Vencedor dos prêmios de melhor filme, pelo público e júri do Festival de Brasília de 2005, o curta Rap, o canto da Ceilândia marcou o despontar da carreira do amigo Adirley Queirós. Alinhando ainda os rappers X, Japão (Viela 17) e Marquim (Tropa de Elite), o curta trouxe debates sobre a gênese comunitária da cidade e tratava da contribuição de muitos para a autossuficiência do cotidiano.
"Jamaika e a geração de rappers da qual ele era contemporâneo mudaram a Ceilândia para sempre. O som do Jamaika, juntamente com todos os parceiros musicais que ele teve na sua jornada, mobilizou vidas, e eles tocaram o coração de muitas pessoas, formaram imagens, nos deram identidade. Antes dos filmes, Jamaika tocou meu coração com a sua música. Mesmo antes que eu pensasse em realizar cinema, sentia e me emocionava com as suas performances musicais", explicou o internacionalmente premiado diretor Adirley.
Entre agradecimentos e desejos de descanso pacífico voltados ao amigo, Adirley conta que ouvia Jamaika nos bares, "na solidão das segundas-feiras noturnas do desemprego" e em festas da Ceilândia. "Eu me sentia vivo, pertencente a um lugar e despertava sentimento ouvir seus graves", disse Adirley.
Contando com discursos e diálogos que "saíram naturalmente", pelo que contou, à época ao Correio, Jamaika integrou também o elenco do clássico Branco sai, preto fica, filme de 2014, feito ao lado do atleta paraolímpico Shokito e de Marquim do Tropa (melhor ator no Festival de Brasília). O longa de Adirley ainda saiu do evento com o Troféu Saruê (oferecido pelo Correio) e os prêmios de melhor filme e direção de arte.
Adirley Queirós conta que o tipo de filmes que busca realizar são tributários a Jamaika e a toda uma geração de rappers. "Jamaika é um grande artista. Ele é presente e será futuro. Jamaika não é passado, porque sua música, sua memória, sua criatividade e capacidade narrativa estarão para sempre à disposição da gente por meio das músicas, impregnados nos becos, nas ruas, nos bailes, na vida em Ceilândia. Que viva para sempre em nós a memória-futuro do Jamaika", concluiu.
Jamaika deixa a esposa, Adriana Pereira e a filha Safira, de 22 anos. O velório do artista será hoje, no auditório da Administração Central da Ceilândia, das 13h às 15h. O sepultamento será às 16h, no Cemitério de Taguatinga.
*Estagiária sob supervisão de José Carlos Vieira
Notícias pelo celular
Receba direto no celular as notícias mais recentes publicadas pelo Correio Braziliense. É de graça. Clique aqui e participe da comunidade do Correio, uma das inovações lançadas pelo WhatsApp.
Dê a sua opinião
O Correio tem um espaço na edição impressa para publicar a opinião dos leitores. As mensagens devem ter, no máximo, 10 linhas e incluir nome, endereço e telefone para o e-mail sredat.df@dabr.com.br.