À espera da adoção /

Acolhimento que faz a diferença

Famílias do DF dão amor e carinho à crianças que perderam o vínculo com seus genitores e parentes, enquanto a Justiça define o futuro delas. Na capital, 36 lares passaram por capacitação para recebê-las

Amanda Sales
postado em 14/03/2023 06:00
 (crédito: Arquivo: Arquivo Pessoal)
(crédito: Arquivo: Arquivo Pessoal)

A perda do vínculo familiar pode ser traumática para crianças e adolescentes. Pensando em melhorar esse cenário, o programa Família Acolhedora visa acolher essas crianças em vulnerabilidade social. Na prática, elas são encaminhadas para casas de famílias capacitadas, até que a própria situação jurídica esteja resolvida. O programa, que funciona desde 2019 no Distrito Federal, é realizado desta forma: crianças que precisaram ser desvinculadas dos pais biológicos vão para lares provisórios, de outras famílias, onde permanecem até que a justiça decida se elas retornarão para a família biológica ou se seguirão para a adoção.

No DF, 36 famílias foram capacitadas e estão disponíveis para receber esses meninos e meninas. Atualmente, 20 crianças estão acolhidas divididas em 17 famílias do quadradinho. Entre elas está a empresária Beatriz Saraiva, 47, que participa do projeto desde seu início e já acolheu quatro crianças. A moradora de Planaltina conta que o interesse surgiu durante a procura de uma criança para apadrinhar e foi quando ela descobriu o projeto. "O que mais me chamou a atenção e me fez escolher esse projeto foi uma forma de estar mais perto das crianças e conhecer suas histórias."

De início, ela relata que sua família teve receio de que ela se apegasse às crianças e acabasse sofrendo. "Ninguém queria que eu participasse, como nunca tive um filho acharam que seria difícil para mim desapegar das crianças. Mas depois de um tempo, todos se apaixonaram pelo projeto e toda a minha família me ajuda com o que eu precisar." Beatriz conta que para toda a família, os acolhidos se transformam em sobrinhos, netos, primos e filhos. Ela ressalta que ter uma grande rede de apoio fez a diferença para sua experiência. "Conto com um grande apoio familiar, minha mãe e irmã são minhas vizinhas então estão sempre presentes. No dia a dia, os acolhidos fazem parte da nossa família como qualquer outro membro então vão em festas de família, viagens e tudo. É uma extensão da nossa família."

Processos

Beatriz recebeu um bebê de quatro meses, ficou com ela durante quatro meses, e hoje ele é seu afilhado. Depois, acolheu mais um menino com três meses, que deixou a casa dela após sete meses. O terceiro foi um bebê de 16 dias que ficou com ela por 22 dias. Atualmente, ela cuida de mais um menino, que chegou com sete meses e já está há dois anos. "Para mim, significa muito participar desse programa. Sinto que faço parte de um período complicado e tão importante da criança e sua família", conta. Dos seus acolhidos, o atual é o único que não irá retornar à família e passará pelo processo de adoção. A empresária explica que o menino já está realizando visitas à sua nova família. Sobre a despedida, ela afirma que o sentimento que prevalece é de dever cumprido. "É uma fase, sabe? O tempo que passam comigo é o momento de demonstrar carinho e cuidar-lós, enquanto não tem uma família para fazer isso. Eu passo na vida dessas crianças por puro amor. Tento sempre lembrar que o tempo comigo foi uma transição e quando vão embora eu penso sempre que eu dei o meu melhor para eles", relatou.

"forma de olhar o mundo"

O casal Ana Barbosa, 40, e Luciana Rafael, 48, está no projeto há um ano e meio e em seu segundo acolhimento. Atualmente, elas cuidam de um bebê de 40 dias. "As experiências têm sido enriquecedoras. Têm nos mostrado outra forma de olhar o mundo", destaca Ana. Luciana foi a que deu início à busca de formas de ajudar crianças, a bancária conta que em meio a pandemia começou a procurar formas diferentes de ajudar crianças do sistema. "Me interessei de cara quando vi a questão do acolhimento. Me inscrevi e em seguida já fiz a capacitação, depois técnicos visitaram aqui em casa. E então me tornei apta para começar a acolher as crianças."

"Começamos a conversar de como ajudar além de apenas as doações, sabe? Quando encontramos o programa, não teve jeito, me encantei e continuo cada vez mais encantada. A gente pensa que está fazendo algo pelas crianças, quando na verdade elas que nos transformam e fazem sermos pessoas melhores", se emociona a bancária.

Para elas, o maior ensinamento do programa é sobre o verdadeiro significado de amor. "Para nós, significa ser a ponte para essa criança, para que ela receba amor, futuramente, saiba dar e receber amor", diz Ana. Elas contam que mantêm um acompanhamento constante com as psicólogas do 'Aconchego' para trabalharem com a informação de quem um dia as crianças vão embora. "Penso que apesar do sofrimento da despedida, a criança ganha muito com esse acolhimento, por ser amado e cuidado individualmente. Para sofrer menos, costumo colocar em minha mente que a criança seria de uma vizinha que está doente e o bebê está com a gente até ela ficar boa. Mais é um mix de sensações", desabafa.

A família das duas as apoiaram completamente e como elas descreveram "se tornaram nossa rede de apoio com as crianças".

"Amor que cura as feridas"

"Participar desse programa para mim significa transformar, apoiar e amar uma criança. O amor cura as feridas que elas trazem. Essa experiência me traz uma alegria, poder contribuir com a sociedade", descreve a professora Daniela de Nascimento, 54.

Ela conheceu o projeto por meio de uma reportagem e de cara se interessou em acolher as crianças. A moradora da Asa Norte, está em seu terceiro acolhimento e para ela a experiência tem sido significativa. "Eu pude perceber que essas crianças ficam mais seguras. Elas recebem um tratamento tão individualizado dentro das famílias que se sentem seguras e protegidas, então depois que elas vão para o destino elas estão preparadas para isso."

Atualmente, Daniela acolhe uma criança de sete anos e um bebê de um ano. "Tem um ano que estou cuidando delas, pela primeira vez peguei uma criança assim mais velha e com ela percebi que começamos um grande trabalho de ressignificação. Ela agora entende mais o valor de uma família sem violência. Com novas vivências e, então, sinto que ela agora se sente segura dentro de uma vivência familiar", conta.

Ela diz que a menina chegou muito triste e com conflitos internos. "O convívio comigo e com a minha família e meus filhos está ajudando cada vez mais ela a se entender como parte importante desse mundo."

 

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