Violência contra a mulher

Educação para ensinar homens a respeitar as mulheres e frear feminicídios

Mulheres demoram até oito anos para conseguir fazer a denúncia contra autores de violência doméstica. Conhecimento e investimento em políticas de prevenção, especialmente voltada para os homens, é caminho para por fim à violência

Adriana Bernardes
postado em 13/03/2023 06:00 / atualizado em 13/03/2023 10:29

Se reconhecer como vítima de violência doméstica ainda é um desafio para grande parte das mulheres. Quando os ataques evoluem para agressões físicas, elas ainda demoram até oito anos para denunciar o agressor. Os motivos são muitos: vergonha, sentimento de fracasso, dependência financeira, falta de apoio da rede familiar e de amigos. Entretanto, as estatísticas comprovam que a denúncia salva vidas. De 2015 para cá, 49% das mulheres assassinadas não prestaram queixa contra o agressor. 

No DF, o ano de 2013 começou com o pior índice de feminicídios por 100 mil habitantes. De janeiro até agora, nove mulheres foram assassinadas. Tanto aqui, quanto em outras unidades da federação, a pandemia contribuiu para o aumento de casos de violência doméstica pela restrição de circulação e descontinuidade de alguns serviços de denúncia.

Em 2022, houve um corte drástico no orçamento de políticas públicas de enfrentamento às violências domésticas. Além disso, o crescimento de movimentos de ultra-direita na última década, especialmente nos últimos quatro anos, além do armamento da população, são fatores apontados pela advogada Cristiana Tubino, presidente da Comissão de Enfrentamento da Violência Doméstica da OAB-DF, como causas para o aumento da violência contra a mulher. Na capital do país, em 44% dos feminicídios o assassino tinha porte de arma de fogo, ou seja, o Estado brasileiro avaliou que o criminoso tinha condições psicológicas para comprar e manter em casa o meio de destruição de vidas. 

Especialistas ouvidos pelo Correio estão convictos de que a prevenção para esse crime passa pela conscientização de que toda a sociedade tem um papel relevante. Às vezes, alertar a mulher sobre o relacionamento abusivo; acolher as vítimas; e denunciar o agressor são cruciais para interromper ciclos de violência e salvar vidas.

Maria Lúcia (nome fictício) tem 49 anos e, há 15, cria os dois filhos adolescentes sozinha, depois de fugir do marido que ameaçou matá-la. "Minha amiga vivia dizendo que não era normal ele gritar comigo e proibir minhas amizades. Eu achava que a culpa pelo que ele fazia era minha. No dia em que apontou uma arma para minha cabeça, dei queixa e fugi", relata. Maria Lúcia procurou um defensor público e levou a denúncia até o fim. Depois de finalizado o processo, jamais soube do ex-marido.

A justificativa mais usada pelos homens que assassinam mulheres é o sentimento de posse, respondendo por 64% dos feminicídios. Os que mataram mulheres depois de elas terminarem o relacionamento são 22% dos casos. Titular da 2ª promotoria de violência doméstica em Brasília e colaborador do Núcleo de Direitos Humanos do MPDFT, Thiago Pierobom alerta que todos os feminicídios têm o machismo por trás. "Precisamos de educação, de campanhas de conscientização social e não apenas direcionadas às mulheres, mas também aos homens, para desconstruir comportamentos machistas e violentos."

Estudante de enfermagem, Ana (nome fictício) entrou para as estatísticas de tentativas de feminicídio quando tinha 23 anos. Durante uma briga, o então namorado abriu a porta do carro e a empurrou para fora do veículo. Ela ficou dois meses na UTI. "Hoje sei que ciúme não é sinônimo de amor. E quando alguém diz que a qualquer hora vai perder a cabeça, acredite: ele vai te machucar. Não dê segunda chance para quem lhe fere com palavras, gestos ou agressões físicas. Procure ajuda", aconselha Ana.

 

*Colaborou Arthur de Souza

 

 

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O que é ser vítima de violência doméstica?

Segundo a Lei Maria da Penha, a violência contra a mulher pode ser física, psicológica, sexual, patrimonial e moral. Há crimes no Código Penal para a proteção específica da dignidade sexual, cujas vítimas são, majoritariamente, mulheres (cis e trans). Desde 2015, nomeamos o feminicídio para marcar, institucionalmente, a diferença entre matar "alguém" e matar "alguém por ser mulher".

Porém, de acordo com o Fórum Brasileiro de Segurança Pública, os registros criminais de todas as formas de violência contra mulheres aumentaram em 2022. As causas são a redução no orçamento destinado a políticas públicas de prevenção à violência; a pandemia de covid-19 e a propagação de discursos de ódio, em redes sociais, que promovem racismo e misoginia.

Considerando-se a complexidade e a gravidade desse cenário, retomo a pergunta: o que é ser vítima de violência contra a mulher? Podemos pensar em duas respostas: a primeira, ser vítima é estar no mundo como uma mulher. Significa suportar microviolências no ambiente de trabalho, como o "manterrupting" (a irritante interrupção, por homens, de falas e raciocínios); violências simbólicas, como posts que usam imagens de mulheres feridas para satirizar situações; violências concretas, como as agressões verbais, morais ou físicas. A lista, infelizmente, é longa. Quando uma mulher tem acesso a informações sobre os tipos de violência, se dá conta de que já viveu, pelo menos, um deles. Esse processo de reconhecimento é muito importante para que o ciclo de violência se interrompa.

A segunda forma de se identificar uma vítima de violência deve partir de um compromisso público de grupos, como família, igreja, escola, chegando a instituições como polícias, Ministério Público, Judiciário, Legislativo e Executivo, no sentido de não aceitar ações ou projetos que excluam mulheres (cis ou trans). Para além da punição criminal, precisamos reconhecer a importância da igualdade de gênero em todos os espaços pelos quais passamos. O reconhecimento de uma mulher em situação de violência passa pelo enfrentamento do espaço que ela ocupa, e essa tarefa é coletiva.

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