CORREIO DEBATE

Há punição para os criminosos, mas como agir para prevenir o feminicídio?

Autoridades do direito, da segurança pública, do Judiciário e do Legislativo ampliam a discussão sobre os avanços na legislação e os desafios para implementação de novas medidas de enfrentamento à escalada dos crimes de gênero na capital do país

Darcianne Diogo
Raphael Felice
Pablo Giovanni
Mariana Albuquerque
Mariana Saraiva
postado em 08/03/2023 05:56 / atualizado em 08/03/2023 05:58
 (crédito: Marcelo Ferreira/CB/D.A.Press)
(crédito: Marcelo Ferreira/CB/D.A.Press)

Os avanços na legislação e os desafios da implementação das leis aprovadas para melhorar não somente a punição, mas a prevenção ao feminicídio pautaram o segundo painel do seminário "Combate ao feminicídio: responsabilidade de todos", promovido pelo Correio Braziliense. Os convidados desse momento foram a presidente da Comissão de Enfrentamento da Violência Doméstica da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-DF), Cristina Tubino; a delegada e deputada distrital Jane Klebia do Nascimento; e o titular da 2ª Promotoria de Violência Doméstica em Brasília e colaborador do Núcleo de Direitos Humanos do Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (MPDFT), Thiago Pierobom. 

De acordo com Cristina Tubino, existe uma gama de previsões e medidas legais sobre os casos de gênero. "Temos que ver a melhor forma de implementar e também procurar onde a lei tem falhado", disse. Segundo ela, é preciso identificar a origem do problema. "Não adianta só punir, tem que prevenir, antes de criar mais um projeto de lei. É um trabalho de pesquisa histórica e social", afirmou a representante da OAB-DF.

Mediadora do evento, a colunista do Correio Ana Maria Campos pontuou a importância de se verificar como o júri enxerga as causas de gênero no tribunal. Segundo a jornalista, muitos advogados destroem a imagem da vítima, como forma de justificar o crime cometido pelo réu. A presidente da comissão da OAB-DF afirma que a forma em como essas vítimas são tratadas na Justiça é uma causa pertinente na pasta. Cristina afirmou que cerca de 50% das mulheres que sofrem algum tipo de violência deixam de procurar o Judiciário. "Muitas não sabem dos seus direitos e acham que a Justiça não funciona", detalhou.

Por fim, a advogada alerta sobre a importância de se dar visibilidade à violência contra a mulher. "Os dados sobre feminicídio só começaram a ser contabilizados em 2015. Antes, eram somados juntos com o números totais de mortos e não se abordava sobre as mulheres estarem sendo mortas pelo simples fato de serem mulheres", concluiu Cristina.

Delegacias preparadas

A delegada da Polícia Civil (PCDF) e deputada distrital Doutora Jane Klebia (Agir) comemorou os resultados do trabalho policial na prevenção aos crimes de violência contra a mulher e, especialmente, ao feminicídio, mas ressaltou ações que podem ser promovidas para auxiliar na redução desses índices. "Em violência doméstica tento não ser a mais pessimista, porque sei que muitas iniciativas foram feitas. Mas ainda há muito o que trabalhar. Estive por 23 anos na PCDF, dos quais 16 atuando como delegado-chefe. De uma coisa nós sabemos: a delegacia é a porta do poder público mais próximo das pessoas", ressaltou.

Doutora Jane enalteceu o trabalho desenvolvido nos Núcleos Integrados de Atendimento à Mulher (Nuiams). Atualmente, o DF conta com cinco unidades, em que as vítimas recebem atendimento psicológico, psicossocial e jurídico. Dados levantados pela PCDF mostram que, desde a criação, em dezembro de 2019, os núcleos atenderam cerca de 2,7 mil pessoas. "Daquelas mulheres que receberam atendimento, entre 79% a 85% não retornaram para outras ocorrências. O índice é menor do que aquelas que só fizeram a ocorrência", afirmou.

O Nuiam está presente na Delegacia Especializada de Atendimento à Mulher (Deam 2) da Asa Sul, na 6ª DP (Paranoá), na 11ª DP (Núcleo Bandeirante), na 29ª DP (Riacho Fundo) e na 38ª DP (Vicente Pires). No entanto, há ainda alguns desafios a serem encarados. Na Deam da Asa Sul, por exemplo, os postos de atendimento funcionam apenas por duas tardes na semana. De acordo com o levantamento citado por Doutora Jane, ao qual o Correio teve aceso, a causa é a falta de servidores para atuarem nos locais. O déficit se encontra em mais de 56%.

Além disso, a parlamentar acredita que a criação de um sistema informatizado compartilhado entre as secretarias de estado (Saúde, Educação, Segurança, Desenvolvimento Social), polícias Civil e Militar, Corpo de Bombeiros, MP, Defensoria Pública e Poder Judiciário facilitaria a comunicação entre os parceiros e auxiliaria no combate à revitimização das mulheres. "Acredito que seja importante criminalizar as condutas contra as mulheres, mas isso não tem o poder de fazer cessar o crime. Precisamos trabalhar com educação e respeito à mulher", frisou.

Integração em rede

Último a expor suas experiências sobre o tema no segundo painel, o promotor Thiago Pierobom é autor de pesquisas sobre a violência contra a mulher. Segundo ele, entre 2016 e 2017, em todos os casos de feminicídio, a vítima já havia sido alvo de violência, física, sexual ou psicológica pelo autor do crime. "Nunca acontece do nada. Ele é uma escalada de episódios anteriores de violência que tem o ápice no feminicídio. Cada um desses episódios é uma oportunidade de impedir a escalada dessa violência. Então, quando uma mulher sofre uma primeira violência e vai numa delegacia de polícia e registra uma ameaça, uma agressão física, seria muito importante que esses órgãos do sistema de justiça e segurança pública tivessem uma atuação integrada em rede para oferecer prevenção", disse o promotor.

Ao Correio, após o painel, Thiago ainda citou ações que podem ser adotadas para impedir a ocorrência desses crimes. "Primeiro, quanto ao atendimento acolhedor, a mulher é muitas vezes vitimizada no atendimento da polícia. Ela perde a confiança e não volta. Em segundo, sobre o efetivo deferimento da medida protetiva de urgência, existem, ainda, algumas interpretações e perspectivas que, em alguns casos, tem levado ao indeferimento de medidas em casos claramente elas precisavam da proteção. Em terceiro, é preciso haver uma efetiva integração dessa decisão das medidas protetivas de urgência com um conjunto de políticas públicas", concluiu.

 

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  •  O titular da 2ª Promotoria de Violência Doméstica em Brasília e colaborador do Núcleo de Direitos Humanos do MPDFT, Thiago Pierobom, participa do evento 'Correio Debate ? Combate ao Feminicídio: uma responsabilidade de todos', com moderação das jornalistas Adriana Bernardes e Ana Maria Campos.
    O titular da 2ª Promotoria de Violência Doméstica em Brasília e colaborador do Núcleo de Direitos Humanos do MPDFT, Thiago Pierobom, participa do evento 'Correio Debate ? Combate ao Feminicídio: uma responsabilidade de todos', com moderação das jornalistas Adriana Bernardes e Ana Maria Campos. Foto: Marcelo Ferreira/CB/D.A.Press
  •  A presidente da Comissão de Enfrentamento da Violência Doméstica da OAB/DF, Cristina Tubino, participa do evento 'Correio Debate ? Combate ao Feminicídio: uma responsabilidade de todos', com moderação das jornalistas Adriana Bernardes e Ana Maria Campos.
    A presidente da Comissão de Enfrentamento da Violência Doméstica da OAB/DF, Cristina Tubino, participa do evento 'Correio Debate ? Combate ao Feminicídio: uma responsabilidade de todos', com moderação das jornalistas Adriana Bernardes e Ana Maria Campos. Foto: Marcelo Ferreira/CB/D.A.Press
  •  A delegada e deputada distrital, Jane Klebia do Nascimento, participa do evento 'Correio Debate ? Combate ao Feminicídio: uma responsabilidade de todos', com moderação das jornalistas Adriana Bernardes e Ana Maria Campos.
    A delegada e deputada distrital, Jane Klebia do Nascimento, participa do evento 'Correio Debate ? Combate ao Feminicídio: uma responsabilidade de todos', com moderação das jornalistas Adriana Bernardes e Ana Maria Campos. Foto: Marcelo Ferreira/CB/D.A.Press
  •  A presidente da Comissão de Enfrentamento da Violência Doméstica da OAB/DF, Cristina Tubino, participa do evento 'Correio Debate ? Combate ao Feminicídio: uma responsabilidade de todos', com moderação das jornalistas Adriana Bernardes e Ana Maria Campos.
    A presidente da Comissão de Enfrentamento da Violência Doméstica da OAB/DF, Cristina Tubino, participa do evento 'Correio Debate ? Combate ao Feminicídio: uma responsabilidade de todos', com moderação das jornalistas Adriana Bernardes e Ana Maria Campos. Foto: Marcelo Ferreira/CB/D.A.Press

"Na hora do crime, eles não pensam na pena"

Durante o debate, os convidados apontaram pontos onde existe a necessidade de melhorias no trabalho de enfrentamento ao ciclo de violência doméstica. O promotor Thiago Pierobom definiu como "escárnio" a indenização concedida às vítimas — tabelada pela jurisprudência do TJDFT em R$ 500 nesses casos. "O homem dá uma surra na mulher, espanca a mulher todinha, a gente ajuíza, denuncia, ele é condenado pelo crime e o juiz fixa R$ 500. Isso, para mim é um escárnio. É uma falta de respeito profunda à dignidade daquela mulher que está sofrendo violência. Não paga nem o advogado", criticou. 

O debate abordou, ainda, a proposta que tramita na Câmara dos Deputados, requerendo a inclusão da misoginia na Lei 7.716/1989 — que trata dos crimes de racismo, homofobia e transfobia. Para a presidente da Comissão de Enfrentamento da Violência Doméstica da OAB/DF, Cristina Tubino, a alteração é necessária, mas ressaltou que o problema é enraizado desde a juventude. "Da mesma forma que eu tenho dito do papel do Judiciário, que é punir e aplicar uma pena, a gente tem uma previsão de um PL que vem criminalizar a misoginia. Estamos, novamente, indo lá no final, no problema que já existe, para tentar enxugar o gelo, criando mais um tipo penal", contesta. Segundo a advogada, não se está indo na origem do problema, que, segundo ela, é algo mais complexo. "Às vezes, a ideia que se passa é que é mais fácil encarcerar, criminalizar e punir, não resolvendo o problema. Com isso, voltamos a uma discussão filosófica do direito, que é se a pena serve ou funciona, não tentando mudar o problema de lá atrás, que é a forma de pensar e a forma de ver, que são pequenos valores colocados na juventude", debateu.

A deputada distrital Doutora Jane fez uma avaliação na mesma linha e acrescentou que apenas a educação pode mudar o cenário atual, por entender que a criminalização não é o suficiente. "Na hora do crime, o feminicida não pensa na pena. Eu acredito que seja importante criminalizar todo e qualquer conteúdo que seja muito nocivo às mulheres. Mas a criminalização das condutas, infelizmente, não tem o poder de fazer cessar. As pessoas falam que feminicidas devem ser presos o resto da vida. Os autores afirmam que a última coisa que passa na cabeça deles é que ele vai matar e vai ficar preso 30 anos. Isso não passa. Pois eles estão tomados de raiva. Em um surto", afirma a delegada da PCDF.

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