Entre os Eixos

Tombamento não é estagnação

O papel crucial do cidadão e a educação na preservação do patrimônio público foram temas abordados por Cláudia Conceição Garcia, da UnB; Virginia Casado, da Unesco; e Andrey Rosenthal Schlee, do Iphan

Darcianne Diogo
Arthur de Souza
Pablo Giovanni
postado em 01/03/2023 06:00
 (crédito: Minervino Júnior/CB/D.A.Press)
(crédito: Minervino Júnior/CB/D.A.Press)

Mais do que o papel que envolve autoridades e entidades, preservar Brasília como patrimônio cultural é dever de toda a sociedade. A participação do cidadão em conversas sobre o assunto foi alvo de debate na segunda edição do Entre os Eixos do DF, encontro realizado pelo Correio Braziliense que teve como tema central "Quem ama preserva" e colocou em pauta o futuro arquitetônico da capital da República.

O diretor de Patrimônio Material do instituto, Andrey Rosenthal Schlee, discursou no primeiro painel, que trouxe como tema central o seguinte questionamento: "Por que é preciso preservar o tombamento de Brasília?". Em sua fala, o especialista defendeu uma integração em conjunto para que seja defendida a área de tombamento de Brasília. Projetada pelo urbanista Lucio Costa e pelo arquiteto Oscar Niemeyer, Brasília é detentora da maior área tombada do mundo.

"A gente não pode exigir do tombamento aquilo que é obrigação de toda cidade. Toda cidade tem que ter calçada de qualidade, espaços acessíveis para todas as cidades, lugares públicos cuidadosos, museus e teatros abertos e funcionando, entre outros. Isso é o que todo cidadão deve exigir de todas as cidades, incluindo a sua capital", pontuou.

O diretor do Iphan detalhou que, mesmo que seja de responsabilidade do Iphan em conceder permissões para usos de áreas de Brasília, o tombamento não engessou a cidade. "Em nenhum momento o tombamento impediu Brasília de progredir, de melhorar, de se construir edifícios novos — inclusive edifícios novos de gostos duvidosos. É necessário preservar Brasília e o tombamento também. Como se preserva ele? É identificando aqueles valores que justificaram o tombamento", disse.

Schlee enfatizou que pautas como essas precisam ser debatidas com a sociedade. "Não há sentido em falar de preservação de um todo sem considerar a população. É para ela que a gente preserva (o espaço). Se a população não questionar, não discutir e não conhecer, ela não vai preservar. Sem ela, a engrenagem não faz sentido", destacou. "Estou recebendo mensagens de moradores das superquadras apoiando ou questionando (o que foi dito no debate). Ou seja, existe uma consciência da população de Brasília e, particularmente do Plano (Piloto), pela importância da cidade", completou.

Inovação

Pensar em métodos que assegurem os direitos culturais da capital da República é um dos objetivos traçados pelos órgãos governamentais e instituições apoiadores da defesa do patrimônio tombado. Virginia Casado, oficial de projetos da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco) falou sobre o papel da Unesco no fortalecimento de políticas públicas e na ampliação delas. "Este momento é sensível, de reconstrução de políticas. Achamos que essas oportunidades de articulação entre as instâncias do Legislativo, Judiciário e sociedade, por exemplo, é fundamental para darmos continuidade aos trabalhos e programas que vêm sendo construídos", frisa.

Casado destacou a importância de se atentar aos novos referenciais para garantir a preservação do tombamento de Brasília. "Temos de pensar em inclusão, inovação, na necessidade de fortalecer nova agenda urbana, além de outros elementos que possam assegurar os direitos culturais e sair um pouco da caixa. Estamos falando da importância de assumir compromissos com essa lista e pensar em uma articulação mais efetiva e mais ampla", pontuou.

Questionada se as áreas tombadas estão sendo preservadas como deviam, a especialista avalia a situação como complexa. Para ela, é notório o esforço governamental e das entidades na garantia de ações voltadas para assegurar a preservação, mas há um desafio, principalmente no que se refere ao desconhecimento das pessoas nos equipamentos culturais. 

Educação

Segundo defendeu a professora do curso de arquitetura e urbanismo da Universidade de Brasília (UnB) Cláudia Conceição Garcia, preservar um patrimônio histórico vai além da questão estrutural. A fala ocorreu durante o primeiro painel e elencou ações primordiais para que esse papel seja bem sucedido. "É preciso começar a educação patrimonial nas escolas, ainda nos primeiros anos de formação. A gente só aprende a amar as coisas quando elas são construídas e solidificadas na infância", destacou. "A gente preserva aquilo que a gente conhece e gosta. Muitas escolas levam as crianças para conhecerem as nossas cidades originárias. Não existe essa política de valorização por aqui, pelo menos eu quase não vejo isso", lamentou.

De acordo com a especialista, preservar é conhecer os conceitos que originaram a cidade enquanto proposta urbanística. "Quando a gente pensa nos elementos constituintes da formação urbanística de Brasília, como os edifícios residenciais sobre pilotis e a rodoviária ao centro, entendemos que ela celebra o cidadão como princípio fundamental da cidade", explicou. "Por isso, o princípio de preservação nasce, fundamentalmente, do entendimento do que vem a ser a constituição da nossa cidade", complementou a professora.

Em sua fala no evento, a arquiteta trouxe à tona o debate sobre o preconceito local com a área central. Na avaliação da especialista, muitos moradores do DF têm preconceito com o Plano Piloto, ou seja, com o conjunto urbanístico tombado. "Esse preconceito existe porque, de fato, as pessoas que moram nele têm um poder aquisitivo maior. Mas, quando a gente conhece a essência do que foi proposto por Lúcio Costa, compreendemos que o valor patrimonial que se estende para a humanidade vai muito além", esclareceu.

Segundo Cláudia Garcia, isso não ocorre da noite para o dia. "É um projeto de longo prazo, que precisa ser construído para que a gente consiga oferecer à população brasileira a compreensão dos detalhes que compõem os projetos de constituição da cidade. Se isso não ocorrer, a gente vai ver, daqui um tempo, a destruição do nosso patrimônio", alertou a painelista. Para completar, a professora destacou que a área tombada pela Unesco é o sítio urbano com maior extensão para se preservar. "É uma cidade viva, as pessoas moram e trabalham aqui. Então, é muito complexo entender como agir e o que temos que preservar. As pessoas não entendem o que significa o tombamento. Por isso, o princípio de tudo é entender esse significado", concluiu.

 

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  •   Virginia Casado, oficial de projetos da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco), durante participação do Seminário Entre os Eixos do DF - 2ª edição: Quem ama preserva.
    Virginia Casado, oficial de projetos da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco), durante participação do Seminário Entre os Eixos do DF - 2ª edição: Quem ama preserva. Foto: Minervino Júnior/CB/D.A.Press
  •  O diretor de Patrimônio Material do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), Andrey Rosenthal Schlee, durante participação do Seminário Entre os Eixos do DF - 2ª edição: Quem ama preserva.
    O diretor de Patrimônio Material do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), Andrey Rosenthal Schlee, durante participação do Seminário Entre os Eixos do DF - 2ª edição: Quem ama preserva. Foto: Minervino Júnior/CB/D.A.Press
  • Painel
    Painel "Por que é preciso preservar o tombamento de Brasília?" contou com especialistas da Unesco, UnB e Iphan Foto: Fotos: Minervino Júnior/CB/D.A.Press
  •  A professora do curso de arquitetura e urbanismo da Universidade de Brasília (UnB) Claudia Conceição Garcia e Virginia Casado, oficial de projetos da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco), durante participação do Seminário Entre os Eixos do DF - 2ª edição: Quem ama preserva.
    A professora do curso de arquitetura e urbanismo da Universidade de Brasília (UnB) Claudia Conceição Garcia e Virginia Casado, oficial de projetos da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco), durante participação do Seminário Entre os Eixos do DF - 2ª edição: Quem ama preserva. Foto: Minervino Júnior/CB/D.A.Press

Veja quais os bens tombados de Brasília

 (crédito: Fotos: Ed Alves/CB/DA.Press - Arquivo Pessoal)
crédito: Fotos: Ed Alves/CB/DA.Press - Arquivo Pessoal

Conjunto Urbanístico de Brasília
Catedral Metropolitana de Brasília
Placa de Ouro oferecida a Rui Barbosa
Catetinho e Coleção Arqueológica João Alfredo Rohr
Teatro Nacional
Capela Nossa Senhora de Fátima
Casa de Chá
Congresso Nacional
Conjunto Cultural da República
Conjunto Cultural Funarte
Edifício do Touring Club do Brasil
Espaço Lúcio Costa
Espaço Oscar Niemeyer
Memorial dos Povos Indígenas
Memorial JK
Conjunto dos Ministérios e anexos
Museu da Cidade
Conjunto do Palácio da Alvorada (incluindo a capela)
Palácio da Justiça
Palácio do Planalto
Palácio Itamaraty e anexos
Palácio Jaburu
Panteão da Liberdade e Democracia
Pombal
Praça dos Três Poderes
Quartel General do Exército
Supremo Tribunal Federal

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