ENTRE OS EIXOS DO DF

Prioridades para a preservação do patrimônio da capital federal

Durante o debate promovido pelo Correio, o secretário da Seduh, Mateus Oliveira, e os presidentes da Terracap, Izidio Santos, e da CBIC, José Carlos Martins, abordaram questões como a mobilidade urbana e a ocupação de espaços tombados

Tainá Andrade
Raphael Felice
Pablo Giovanni
Mariana Saraiva
postado em 01/03/2023 06:00
 (crédito: Minervino Júnior/CB/D.A.Press)
(crédito: Minervino Júnior/CB/D.A.Press)

Mobilidade, densidade urbana e envelhecimento da capital. No Entre os Eixos do DF — promovido pelo Correio, o secretário de Desenvolvimento Urbano e Habitação, Mateus Oliveira, deu início ao terceiro painel. Aos jornalistas Ana Maria Campos e Carlos Alexandre de Souza, o titular da pasta detalhou que é mais do que necessária a preservação do tombamento de Brasília. Para isso, o secretário elencou três pilares: educação patrimonial, preservação dos prédios públicos (monumentos e palácios, entre outros) e o marco legal — referente a normas para ocupação de áreas tombadas.

Mateus Oliveira destacou especialmente o terceiro pilar e citou a necessidade de aprovação do Plano de Preservação do Conjunto Urbanístico de Brasília (PPCUB), na Câmara Legislativa do Distrito Federal (CLDF). Ele relembrou que o projeto do PPCUB é quase o mesmo do proposto na gestão do ex-governador Agnelo Queiroz (PT), quando o tema entrou em polêmica após esbarrar em portarias do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), que frearam o avanço do plano. Apresentado no fim de 2022, o texto foi aprimorado e passará por novos debates e audiências públicas, após pedido do Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (MPDFT).

O secretário fez um apelo ao MPDFT para não haver mais adiamentos na discussão da matéria. "Essa demora de dez anos na aprovação do PPCUB tem impedido a cidade de induzir mais investimentos, especialmente nas áreas comerciais. É importante que toda a sociedade, os órgãos de governo e o Ministério Público tenham um pacto pela preservação de Brasília. E esse pacto passa por uma conjugação de esforços para aprovação do PPCUB, no menor prazo possível", salientou.

O titular da pasta relembrou que houve um trabalho junto ao Conselho de Planejamento Territorial e Urbano do DF (Conplan) para que o projeto avançasse no atual governo, mas com duas exceções exigidas pelo Iphan. A primeira é que não poderia ter fiação elétrica exposta que alimentaria os vagões do Veículo Leve sobre Trilhos (VLT). A outra é que a quadra 901 Norte — área da Terracap — não tivesse a proibição de uso alterada.

"O PPCUB não é uma opção do governo. É uma obrigação do Estado e de toda a sociedade, junto com o Iphan e a Unesco — a Unesco é que mais cobra a aprovação do plano. O PPCUB é muito mais para consolidar aquilo que não pode, do que inovar aquilo que vai ser possível daqui para frente. Nesse sentido, adotamos uma postura muito pragmática: o PPCUB possível e obediente a portaria 166 do Iphan. Tenham discussões ou não (sobre a portaria), adotamos uma postura de respeitar, como se fosse um teto daquilo que é possível, dentro do tombamento definido pelo instituto", explicou.

Mateus destacou que Brasília é uma cidade excludente, porque existe uma série de espaços urbanos vazios e subutilizados. Ele também observou que a Seduh encontra dificuldades em aprovar projetos em áreas próximas ao Plano Piloto. Como exeplo, citou o projeto urbanístico do bairro Jóquei Clube, inspirado em Águas Claras, que sofreu negativas do Iphan para liberar a licença. "Precisamos enfrentar o debate sobre o crescimento da população. Não foi previsto inicialmente, não significa que não pode ser acrescido ao projeto original, com todas as suas ressalvas. Enquanto nós estamos cheios de áreas vazias no Plano Piloto, temos, ao mesmo tempo, pessoas morando a 30 km, tendo que se deslocar ao centro", ressaltou.

O secretário mencionou ainda a ideia de abrir 30% do Setor Comercial Sul (SCS) para moradias. Segundo ele, a medida não tiraria o caráter de setorização implementado por Lucio Costa, pois a preponderância do SCS continuaria sendo o comércio. "É preciso que a sociedade como um todo evolua num pensamento de que é possível, sim, aliar preservação dos conceitos fundamentais do Plano Piloto sem violação do tombamento, mas inserindo pequenas transformações que vão gerar um ganho para sociedade muito importante", concluiu.

Novos bairros

O presidente da Agência de Desenvolvimento do Distrito Federal (Terracap), Izidio Santos, detalhou que todos os investimentos da agência passam por etapas. No Entre os Eixos do DF, ele explicou que existe um processo inverso das regularizações das cidades, e citou Vicente Pires e Arniqueira como exemplos de ocupações que atrasam um processo de regulamentação, respeitando áreas destinadas a equipamentos públicos. "Se pegarmos uma região que foi ocupada irregularmente e sem planejamento, temos que desenvolver um projeto em uma área já ocupada. Para esse desenvolvimento, a gente tem as premissas urbanísticas e ambientais que têm que ser respeitadas. Entre elas, a principal é equipamento público", destacou.

"Dificilmente encontramos nessas cidades (Vicente Pires e Arniqueira, por exemplo) esses 10% (para equipamentos públicos) para que sejam construídos. Na área ambiental, a mesma coisa. Como não teve planejamento algum, você precisa de algumas intervenções para que se aprove o projeto, como retiradas de moradias. É muito danoso e penoso fazer isso. Regularização é sempre bem complicado", completou.

Santos entende que é preciso desenvolver novos bairros na capital federal, entre eles, o Parque Tecnológico de Brasília (Biotic) e o Jóquei Clube — inspirado em Águas Claras. O presidente da Terracap afirmou que o novo bairro Biotic, que compõe um espaço de 958 mil metros quadrados, na Granja do Torto, pode proporcionar emprego, universidades, comércio, espaços públicos e moradia para 20 mil pessoas. "O Biotic é ambientalmente viável, com áreas verdes. Tudo muito moderno, ligado à área da tecnologia. Dá para proporcionar tudo para a população", garantiu. "Precisamos ter esse equilíbrio entre manutenção do que está tombado na cidade e novos bairros. Para isso, precisamos equilibrar essas ações", argumentou.

"Cidade para as pessoas"

O presidente da Câmara Brasileira da Indústria da Construção (CBIC), José Carlos Martins, fez considerações sobre urbanismo e moradia no Entre os Eixos do DF. Martins defendeu que os gestores devem observar com mais atenção as causas que levam as pessoas a ocuparem áreas de forma irregular. Segundo ele, quando há excesso de rigor em algo que é necessário às pessoas acaba se instalando um problema.

“Quando se cria uma dificuldade extrema, se cria uma irregularidade. Claro que se eu for extremamente rigoroso na hora de fazer uma concessão, as pessoas vão dar um jeito, nem que seja morando embaixo do morro. Ou seja, cada vez que se endurece o jogo, as pessoas vão continuar vivendo. Elas vão arranjar uma fórmula que, certamente, não é a melhor nem para as cidades, nem para as famílias, nem para a sociedade como um todo", alertou.

Outro fator levantado pelo presidente da CBIC é calcular o tamanho do impacto sustentável ao permitir que, em uma cidade com a dinâmica do Distrito Federal, em que as pessoas têm que se deslocar para o Plano Piloto diariamente para trabalhar, morem a longas distâncias do centro. Martins questiona se uma nova solução para essa questão não seria uma melhor escolha, inclusive para ajudar na preservação.

“Quando manda para longe, a conta da sustentabilidade não justifica ter outra solução? Qualidade de vida, um horror; sustentabilidade, um horror. O não fazer para muita gente tem cara de preservar e não é verdade. Preservar é inteligência, preservar é fazer com que seja bom para todo mundo e fazer com que gere valor para que as pessoas cuidem”, salientou.

A defesa de Martins é que o foco deve estar no conceito de “cidade para as pessoas”. De acordo com ele, no caso de Brasília, o Plano Piloto continuaria sendo uma cidade vitrine e as regras de ocupação de seu entorno seriam flexibilizadas. O dirigente lembrou que esse trabalho tem sido feito por meio do Conselho de Desenvolvimento Econômico (Codese/DF), cujo objetivo é chamar a população que vive nesses locais para aprofundar o debate no curto, médio e longo prazo para construírem soluções juntos.

Saiba mais

Codese/DF

Atuando em parceria com organizações do setor produtivo e da sociedade civil para participar ativamente do planejamento econômico sustentável de Brasília, o Conselho de Desenvolvimento Econômico (Codese/DF) surgiu em 2017, com o envolvimento de mais de 50 entidades. De caráter propositivo e consultivo, é organizado em seis eixos de desenvolvimento, formados por 18 câmaras técnicas setoriais — compostas por especialistas, acadêmicos, entidades, associações, sindicatos, técnicos, servidores públicos, profissionais liberais, empresários e, também, membros voluntários da comunidade.

PPCUB

O Plano de Preservação do Conjunto Urbanístico de Brasília (PPCUB é o instrumento que deixará claras as regras de uso e ocupação da área tombada na capital federal, esclarecendo diretrizes e regulamentação da preservação de Brasília (DF) como Patrimônio Cultural da Humanidade.

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"Cidade para as pessoas"

OLHO

O não fazer para muita gente tem cara de preservar e não é verdade"

José Carlos Martins, presidente da CBIC

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Codese/DF

Atuando em parceria com organizações do setor produtivo e da sociedade civil para participar ativamente do planejamento econômico sustentável de Brasília, o Conselho de Desenvolvimento Econômico (Codese/DF) surgiu em 2017, com o envolvimento de mais de 50 entidades. De caráter propositivo e consultivo, é organizado em seis eixos de desenvolvimento, formados por 18 câmaras técnicas setoriais — compostas por especialistas, acadêmicos, entidades, associações, sindicatos, técnicos, servidores públicos, profissionais liberais, empresários e, também, membros voluntários da comunidade.

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O presidente da Câmara Brasileira da Indústria da Construção (CBIC), José Carlos Martins, fez considerações sobre urbanismo e moradia no Entre os Eixos do DF. Martins defendeu que os gestores devem observar com mais atenção as causas que levam as pessoas a ocuparem áreas de forma irregular. Segundo ele, quando há excesso de rigor em algo que é necessário às pessoas acaba se instalando um problema.

“Quando se cria uma dificuldade extrema, se cria uma irregularidade. Claro que se eu for extremamente rigoroso na hora de fazer uma concessão, as pessoas vão dar um jeito, nem que seja morando embaixo do morro. Ou seja, cada vez que se endurece o jogo, as pessoas vão continuar vivendo. Elas vão arranjar uma fórmula que, certamente, não é a melhor nem para as cidades, nem para as famílias, nem para a sociedade como um todo", alertou.

Outro fator levantado pelo presidente da CBIC é calcular o tamanho do impacto sustentável ao permitir que, em uma cidade com a dinâmica do Distrito Federal, em que as pessoas têm que se deslocar para o Plano Piloto diariamente para trabalhar, morem a longas distâncias do centro. Martins questiona se uma nova solução para essa questão não seria uma melhor escolha, inclusive para ajudar na preservação.

“Quando manda para longe, a conta da sustentabilidade não justifica ter outra solução? Qualidade de vida, um horror; sustentabilidade, um horror. O não fazer para muita gente tem cara de preservar e não é verdade. Preservar é inteligência, preservar é fazer com que seja bom para todo mundo e fazer com que gere valor para que as pessoas cuidem”, salientou.

A defesa de Martins é que o foco deve estar no conceito de “cidade para as pessoas”. De acordo com ele, no caso de Brasília, o Plano Piloto continuaria sendo uma cidade vitrine e as regras de ocupação de seu entorno seriam flexibilizadas. O dirigente lembrou que esse trabalho tem sido feito por meio do Conselho de Desenvolvimento Econômico (Codese/DF), cujo objetivo é chamar a população que vive nesses locais para aprofundar o debate no curto, médio e longo prazo para construírem soluções juntos.

PPCUB

O Plano de Preservação do Conjunto Urbanístico de Brasília (PPCUB é o instrumento que deixará claras as regras de uso e ocupação da área tombada na capital federal, esclarecendo diretrizes e regulamentação da preservação de Brasília (DF) como Patrimônio Cultural da Humanidade.

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