Jornal Correio Braziliense

Saúde mental

Saúde mental coloca o bloco na rua e mostra que a alegria é terapêutica

O bloco Lavabunda, formado pelos frequentadores do Caps do Riacho Fundo I, vai para as ruas da cidade administrativa, hoje (16/2), brincar, lutar contra o preconceito e promover a inclusão

Em janeiro, as mãos de Danuzia Rosa Maria cortaram as primeiras letras para formar o nome do bloco: Lavabunda, com a devida licença poética que a festa carnavalesca permite. No início de fevereiro, o adereço foi pintado e a purpurina salpicada pela foliã. O espaço começou a receber vida com as fitas amarradas em um cordão, para depois ganhar as ruas. Ontem, ela colou o último barbante e experimentou a fantasia. Tudo está pronto. Neste ano, o carnaval de Danuzia e dos demais pacientes do Centro de Atenção Psicossocial (Caps) do Riacho Fundo I será diferente.

Minervino Júnior/CB/D.A.Press - 15/02/2023. Crédito: Minervino Júnior/CB/D.A Press. Brasil. Brasilia - DF. Bloco do Caps Riacho Fundo 1 Lava a Bunda. Preparativos para o bloco que vai animar amanha a instituição de pessoas com problemas mentais. Luciana dos Anjos - Aluna Caps e Tiago Souza.
Minervino Júnior/CB/D.A.Press - 15/02/2023. Crédito: Minervino Júnior/CB/D.A Press. Brasil. Brasilia - DF. Bloco do Caps Riacho Fundo 1 Lava a Bunda. Preparativos para o bloco que vai animar amanha a instituição de pessoas com problemas mentais. Hélia Aparecida(cam azul) Danuzia Maria mãe de paciente(cam verde) e Fábio Nunes(coordenador).
Minervino Júnior/CB/D.A.Press - Animados, frequentadores, familiares e profissionais do Caps ajustam os últimos detalhes para a saída do bloco
Divulgação/Caps Riacho Fundo I - Dona Danuzia Rosa Maria, 69 anos, confecciona as decorações do bloco Lava Bunda
Divulgação/Caps Riacho Fundo I - Danuzia Rosa Maria confecciona a tiara que vai usar no desfile

Danuzia Rosa Maria se prepara para desfilar pela primeira vez no Lavabunda. O bloco, formado por frequentadores, familiares e profissionais do Caps está em sua segunda edição, agora, com o tema da preservação ambiental. A concentração começará a partir das 14h, no antigo Instituto de Saúde Mental. Além de um trio elétrico, o DJ Sá também tocará. Outra atração é o Tom Maior, coral criado durante as terapias.

Com expectativa de receber 400 pessoas, o nome é em homenagem à libélula, que segundo a mitologia japonesa, é responsável pela limpeza do ambiente — tema de uma das oficinas. O mito não é à toa. Quando estão crescendo na água, os filhotes do inseto se alimentam das larvas de moscas e mosquitos, inclusive da dengue. No Brasil, a libélula ganhou o apelido popular de lavabunda porque mergulha o "bumbum" na água para depositar seus ovos.

A ideia do bloco nasceu ainda em 2020, durante a oficina Metamorfose, na qual são feitos trabalhos manuais que buscam resgatar a autonomia e melhorar a sociabilidade dos atendidos. "A gente entende que metamorfose é quando as pessoas chegam ali (no tratamento) de um jeito e se transformam. Saem mais inteiras", conta Ricardo Lins, que além de médico psiquiátrico, também é um dos idealizadores do projeto.

Máscaras, tutus, fantasias, sombrinhas, tiaras e tantos outros adereços carnavalescos são produzidos pelos próprios frequentadores, na Oficina da Criatividade, onde os usuários colam, costuram, pintam e desenham. A comunicação, marketing, programação e aspectos financeiros também são pensados por eles. De acordo o médico, o objetivo é desenvolver a socialização, a atenção e a coordenação motora dos participantes. "A liberdade é terapêutica. Não são apenas aulas, os pacientes se encontram e fazem laços de amizade, um adota o outro", explica Lins.

Danuzia, de 69 anos, é uma das mais de 500 acolhidas na unidade. Há 15 anos ela faz o caminho entre sua casa e o Caps para fazer arteterapia. Em datas comemorativas como o Dia das Mães, dos pais, dos namorados, Natal e Réveillon são feitas lembrancinhas. "Aqui é um lugar maravilhoso, muito acolhedor. Eu não encontro isso aqui em nenhum lugar, nem se fosse particular", elogia, emocionada a paciente.

Enquanto faz a decoração, sua filha e neta recebem acompanhamento. Desde que foram diagnosticadas, elas são acolhidas no Caps. "Ela (minha filha) não tem mais crise. Vem para cá e volta para casa sozinha. Melhorou bastante", comemora.

A família de Danuzia representa uma história que não é única. Dados da Secretaria de Saúde mostram uma epidemia de adoecimento mental que vem piorando em Brasília. No ano passado, 179 mil pessoas buscaram tratamento nos Caps do Distrito Federal. Um crescimento de 1,3% em comparação a 2021, quando 176,6 mil pessoas foram atendidas. No mesmo ano, o Boletim Epidemiológico mostrou que 2.648 brasilienses tentaram tirar a própria vida. Outros 1.840 se mutilaram.

Além da unidade do Riacho do Fundo I, outros 17 centros espalhados por todo DF acolhem gratuitamente pessoas com qualquer adoecimento psíquico, como ansiedade, depressão, bipolaridade, transtorno de dupla personalidade, esquizofrenia e aqueles causados por álcool e drogas.

"Erga essa cabeça…

...Mete o pé, vai na fé. Manda essa tristeza embora", cantarola Gisela da Silva, enquanto ensaia alguns versos do grupo Revelação. Quando procurou o Caps pela primeira vez há dois anos, ela não imaginava que seria uma das principais produtoras do Lavabunda. Hoje, o pagode preferido dela, que tem 47 anos, será um dos hits tocados no bloco. "Essa é nossa música do ano. O intuito do evento é para mandar a tristeza embora", revela a mulher que diz adorar sambar.

Por duas vezes na semana, Gisela caminha por uma hora até chegar ao Caps. Foi durante essa sina que ela decidiu se fantasiar de "Lady Gaga brasileira". Foram R$ 600 pagos em um vestido prateado para fazer a alegria dos amigos e vizinhos que ela convidou para o bloco. "O Lavabunda é para acabar com todos preconceitos, com a intolerância. Tem que ter toda a inclusão no carnaval. A indiferença é o que mais mata", finaliza Gisela, parafraseando a Zezé di Camargo & Luciano.

Para preservar os pacientes, o Correio não revela os transtornos mentais dos entrevistados na reportagem

*Estagiário sob a supervisão de Márcia Machado

Entre na folia

Bloco Lavabunda

Onde: Caps Riacho Fundo I

Horário:14h

 

Busque ajuda

Centro de Valorização da Vida (24h, inclusive feriados)

Ligue: 188

Acesso: cvv.org.br

Centros De Atenção Psicossocial (Caps)

Endereços disponíveis em: www.saude.df.gov.br/carta-de-servicos-caps

Hospital São Vicente de Paulo HSVP (antigo HPAP)

Ligue: 2017-1093 - ramais 3623, 3622 e 3619.

Endereço: QSC 01, Setor C Sul, Taguatinga Sul

 

Ativismo na folia

Créditos: Isabelle Araújo/Bloco do Rivotrio - Os foliões do Rivotrio sairão no sábado pós-carnaval, na Asa Norte

Há 12 anos, o ativismo pela saúde mental se faz presente no carnaval de Brasília. É nessa vibe que o Bloco do Rivotrio sai às ruas para lutar contra as práticas manicomiais (isolamento de pessoas com sofrimentos mentais). A festa surgiu dentro da Ong Inverso, que organizou o primeiro cortejo em 2011. Desde então, o bloquinho não para de crescer. Na última edição, cerca de 5.000 foliões compareceram. O nome do bloco faz alusão ao remédio Rivotril (clonazepam), indicado contra ansiedade e depressão.

Neste ano, o Bloco do Rivotrio preparou uma programação especial depois da interrupção de dois anos por causa da pandemia. A psiquiatra Nise da Silveira, que revolucionou o tratamento mental no Brasil, e a cantora Dona Ivone Lara, a primeira mulher a assinar um samba-enredo, serão homenageadas.

O cortejo sairá da Asa Norte (a quadra será revelada apenas no dia, como de tradição), às 14h, rumo ao Pardim, famoso bar do Plano Piloto. O festejo ocorrerá no dia 25 de fevereiro, no sábado pós-carnaval.