O juiz da 1ª Vara Criminal do Gama negou o pedido da defesa de Pedro Henrique Krambeck Lehmkuhl, 24 anos, para realizar um acordo judicial sobre um caso de grande repercussão no país em 2020: o da Naja. Caso fizesse o acordo, o processo criminal seria substituído por outra forma de reparação. Krambeck é réu por por tráfico de animais silvestres, associação criminosa, maus-tratos e exercício ilegal da profissão, podendo ser condenado a até 30 anos de prisão.
O caso veio à público após o dia 7 de junho de 2020, quando uma cobra da espécie Naja — considerada uma das mais venenosas do mundo — picou Pedro Krambeck. O reptil era criado dentro do próprio apartamento dele, no Guará. À época, doses de um soro antiofídico foram importadas dos Estados Unidos para o tratamento do estudante de veterinária. O jovem ficou entre a vida e a morte.
A defesa de Krambeck pediu ao juiz Manoel Franklin Fonseca Carneiro uma manifestação do Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (MPDFT) acerca da proposta de Acordo de Não Persecução Penal. No entanto, para o magistrado, essa possibilidade foi solicitada de forma tardia, logo que o processo se encontra na fase de alegações finais dos réus e, posteriormente, à prolação da sentença.
Carneiro ainda detalhou que o Ministério Público, ainda na fase de ação penal, considerou que o acordo não poderia ser firmado porque as acusações ultrapassam a pena mínima de acordos, que é quatro anos, “bem como também por entender não se mostrar suficiente à reprovação das condutas delituosas praticadas diversas vezes”, cita a decisão. O caso de Krambeck foi ponto de partida para uma investigação da Polícia Civil do Distrito Federal (PCDF) sobre tráfico de animais silvestres, que resultou na apreensão de, pelo menos, 16 cobras exóticas.
"Não trafiquei animais"
Por mais de 20 minutos, Pedro Henrique Krambeck Lehmkuhl, 24 anos, se defendeu e negou que nunca teve intenção de comercializar serpentes. As declarações foram dadas na última audiência de instrução, que ocorreu em 31 de maio. Ao juiz, Krambeck colocou sobre si todas as atribuições e responsabilidades com as cobras. Além de Pedro e Gabriel, são réus no processo a advogada Rose Meire dos Santos (mãe de Pedro) e o tenente-coronel da Polícia Militar do Distrito Federal (PMDF) Clóvis Eduardo Condi (padrasto de Pedro).
“Em determinados manejos, precisava de ajuda. E o Gabriel era essa minha ajuda, o amigo que eu confiava. Imagina se quero mexer numa naja? Eu preciso de alguém que saiba conter aquele animal e essa pessoa era o Gabriel. Por isso acredito que ele tenha me ajudado a retirar os animais, porque ficava implícito na nossa amizade que ele poderia me ajudar em qualquer circunstância acerca dos animais. Mas os animais eram meus, o sonho era meu, a responsabilidade era minha e quem quis ter foi eu”, pontuou. (veja outros trechos do interrogatório abaixo).
Incidente
A ajuda de retirar os animais que Gabriel teria oferecido, segundo Pedro, diz respeito ao dia em que o jovem foi picado pela naja. Na noite, Gabriel recolheu cobras que estavam no local e as distribuiu entre outros endereços, incluindo a naja. No dia seguinte, em 8 de julho, o rapaz deixou a cobra perto de um shopping no Lago Sul e o animal foi recolhido por uma equipe do Batalhão de Polícia Militar Ambiental. Ao longo das investigações, os policiais recolheram ao menos 22 serpentes, todas ligadas a Pedro.
Em sua fala, Pedro contou detalhes do dia do incidente. Krambeck relata que estava fazendo práticas rotineiras de limpeza com a naja, quando foi picado. “Até hoje não consegui entender por que ela me mordeu. Como conhecedor e pesquisador, eu sabia do risco que a naja tinha, e quando ela me mordeu, pensei: ‘Isso é um sonho, não é possível que eu fui mordido’. Ela me mordeu e eu soltei ela no chão e assim que vi ela no chão, guardei, tranquei, corri para o banheiro e disse para a minha mãe correr para a casa, que eu precisava de uma UTI. [...] Ainda pedi a ela que, se eu ficasse vegetal, era para desligar os aparelhos”, afirmou.
Com necrose no braço e lesões no coração, o estudante acordou do coma dois dias depois. O tratamento dele contou com um soro antiofídico produzido com o veneno da naja kaouthia, trazido ao Distrito Federal diretamente do Instituto Butantan, em São Paulo. Havia uma única dose disponível na instituição paulista. A criação dessa espécie no Brasil é proibida por lei. Após o caso, o laboratório importou 10 doses para estoque dos Estados Unidos.
Ao longo de dois anos, Pedro descreve a sensação em ser julgado pela sociedade como um traficante internacional e fala sobre como lida com a situação. “Não é prazeroso. As pessoas me olham torto. Já fui parado nas ruas muitas vezes, mas vejo algo benéfico no fim das contas. Tem gente que vem com duas facas na mão para me pegar, e quando ficam cinco minutos conversando comigo, podem ter suas próprias conclusões que não sou esse monstro que criaram”, disse, em depoimento.
Linha do tempo
7 de julho de 2020
» O então estudante de medicina veterinária Pedro Henrique Krambeck é picado por uma naja kaouthia, no apartamento onde morava, no Guará 2. Na mesma noite, o amigo dele Gabriel Ribeiro recolhe cobras que estavam no local e as distribui entre outros endereços
8 de julho de 2020
» Gabriel deixa a naja kaouthia perto de um shopping no Lago Sul. Uma equipe do Batalhão de Polícia Militar Ambiental recolhe o animal
9 de julho de 2020
» A Polícia Militar resgata mais 16 cobras de Pedro Henrique, em um Núcleo Rural de Planaltina
22 de julho de 2020
» Gabriel Ribeiro é preso, acusado de atrapalhar as investigações
29 de julho de 2020
» Pedro Henrique Krambeck é preso pelo mesmo motivo
31 de julho de 2020
» Gabriel Ribeiro e Pedro são liberados da prisão
13 de agosto de 2020
» Polícia Civil conclui inquérito e envia provas ao Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (MPDFT)
28 de agosto de 2020
» MPDFT denuncia envolvidos
3 de setembro de 2020
Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios (TJDFT) acata a denúncia
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