Jornal Correio Braziliense

Gestão

Moradores do Entorno recorrem a serviços do DF

Correio falou com pessoas que vivem em algumas das 12 cidades que fazem parte da Periferia Metropolitana de Brasília (PMB). Apesar de considerarem que o atendimento na capital é melhor, elas acreditam que melhorias são necessárias

Atualmente, é difícil falar do Distrito Federal sem lembrar das cidades que o circundam. São 12 municípios goianos vizinhos que formam a Periferia Metropolitana de Brasília (PMB), de acordo com a última Pesquisa Metropolitana por Amostra de Domicílios (PMAD), feita pelo Instituto de Pesquisa e Estatística do Distrito Federal (IPEDF). Somados, eles representam 826 mil pessoas. O levantamento aponta que 17,92% dos moradores dessas cidades, que buscam serviços de saúde, o fazem em unidades do DF. Além disso, 8,98% dos jovens da PMB estudam em instituições da capital do país e 36,14% dos trabalhadores têm emprego no DF.

Quem se encaixa nas estatísticas é o consultor de segurança da informação Pablo Henrique Alves, 28 anos, que mora na Cidade Ocidental há 22 anos. "Como morador do Entorno, frequento o Plano Piloto e as demais regiões administrativas desde criança", afirma. "Meus pais, ainda no dia de hoje, utilizam do transporte público para se deslocar até o trabalho, minha mãe principalmente. Diariamente ela faz o trajeto: Cidade Ocidental/Lago Sul", detalha. "Eu, no caso, trabalho no Setor Bancário Norte, então frequentemente deixo meu carro no terminal BRT de Santa Maria e pego a linha expressa em direção a rodoviária do Plano Piloto", complementa.

Segundo Pablo Henrique, a saúde é um dos serviços que ele mais utiliza no DF, muito pela questão da estrutura. "Quando são questões mais graves de saúde, não tem jeito. A única alternativa é recorrer ao Plano, Gama ou Santa Maria, locais que oferecem uma estrutura que o Entorno, infelizmente, ainda não dispõe", aponta. "Por aqui, tem algumas UPA's com boa infraestrutura, mas apenas para atendimentos casuais, sem gravidade", observa.

A doméstica Neves Martins, 55, mora em Valparaíso (GO) e também utiliza as unidades de saúde do DF. "Faço meus exames e consultas nos postos de saúde do Gama ou então no hospital da Santa Maria", destaca. "Onde eu moro, demora demais para chamar e, às vezes, isso nem acontece. A gente fica na fila durante horas", reclama.

Cansativo

Outro que também depende dos serviços do DF é o estudante de pedagogia Carlos Otávio Santos Silva, 27. Morando no Novo Gama desde 2014, ele conta que, desde àquela época, enfrenta situações desconfortáveis. "Fiz vestibular para uma faculdade particular e fui aprovado. Depois disso resolvi morar no Novo Gama e, junto ao início das aulas, comecei a ter problemas com o transporte público local", relata. "As aulas começavam às 19h e iam até às 22h40, todos os dias. Para que eu pudesse chegar na faculdade a tempo, era necessário que eu saísse de casa com, pelo menos, 2 horas de antecedência", detalha o estudante.

Mas isso, nem de longe, era o pior, segundo o estudante. Ele afirma que não tinha ônibus para voltar direto para casa, pois o último coletivo saía da rodoviária de Taguatinga, sentido ao Novo Gama, às 20h e, nesse horário, ainda estava em aula. Por este motivo, a opção era utilizar o sistema de transporte público do Distrito Federal. "Saía da faculdade às 22h40, corria para a parada de ônibus mais próxima, onde pegava uma condução para o Gama e de lá, pegava outra para o Novo Gama, que partia da rodoviária à meia noite, fazendo com que eu chegasse em casa por volta das 00h40. Essa foi a minha rotina durante muito tempo", destaca.

Neves Martins também sente na pele o descaso com o transporte público do Entorno. "É ruim demais! Às vezes, fico mais de hora na parada esperando um ônibus e acabo me atrasando para o serviço, por mais que saia cedo de casa", desabafa. "Em algumas oportunidades, vou para o trabalho de carro, com meu esposo, mas não é todos os dias que isso acontece", afirma a doméstica. Ela comenta ainda que, além da demora, os coletivos estão quase sempre lotados.

Melhorias

Quase nove anos depois de se mudar para o Entorno, de acordo com Carlo Otávio, pouca coisa avançou. "É verdade que as empresas que atendem a cidade de Novo Gama mudaram e, agora, têm ônibus bem mais novos, porém, ainda existe escassez de rotas e de horários para algumas regiões do Distrito Federal", aponta. "Os valores das passagens ainda são relativamente mais caras que as praticadas pelas empresas do Distrito Federal e os estudantes do Entorno ainda não contam com um sistema similar ao Passe Livre Estudantil", lamenta.

De acordo com Pablo Henrique, citado no início da reportagem, o transporte precisa de melhorias, tanto no Entorno quanto no próprio DF. "Atualmente, não comporta a quantidade de habitantes. Faltam ônibus para a população, principalmente no horário de pico", avalia. "Entre 6h e 8h30 e das 17h às 19h30, os ônibus estão extremamente lotados e alguns ainda não apresentam boas condições internas e nem mecânicas", acrescenta. "No terminal de Santa Maria e Gama, por exemplo, tanto na ida quanto na volta, existem filas gigantescas, grande parte disso é por conta da pouca quantidade de ônibus disponibilizados nos horários de maior fluxo", acredita.

Para ele, o processo de acolhimento pode ser melhorado, por parte do DF, com a criação de políticas públicas de integração. "Principalmente na parte de infraestrutura no transporte e criação de linhas integradas entre DF e Entorno. Creio que a integração na saúde pública também é um item que pode vir a melhorar", conclui.

Respostas

A gestão do transporte público entre o Entorno e o DF sofreu alterações, em dezembro do ano passado, após um imbróglio envolvendo a tarifa dos coletivos. O GDF, que até então era o responsável, reajustou as passagens em 4 de dezembro. Mas uma decisão do ministro André Mendonça, do Supremo Tribunal Federal (STF), suspendeu o reajuste. Dois dias depois, o secretário de Transporte e Mobilidade, Valter Casemiro, afirmou que o governo local iria devolver a gestão para a Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT), durante uma entrevista ao CB.Poder. A reportagem procurou a agência, questionando o que a ANTT pretende fazer para melhorar as situações reclamadas pelos entrevistados.

Em nota, a ANTT disse que a gestão do serviço rodoviário semiurbano entre o DF e as cidades do Entorno está em fase de transferência e, nessa etapa, a agência está "tomando conhecimento" da atual situação do serviço para adotar medidas futuras. "A partir de 15 de fevereiro, a gestão voltará por completo para a Agência, que reforçará a fiscalização do transporte, a fim de garantir a qualidade do serviço oferecido à população. Em breve, a ANTT anunciará um plano para a melhoria do serviço", destacou o texto.

O Correio também pediu respostas ao GDF sobre como é o trabalho para atender as demandas das cidades do Entorno, se o Fundo Constitucional (FCDF) pode ser importante para isso e se existe alguma política pública específica para os moradores da PMB. A Secretaria de Saúde informou que não tem nenhuma política voltada para os moradores do Entorno, mas que existem algumas parcerias pontuais, para o combate à dengue, entre a SES-DF e algumas prefeituras. Já a Secretaria de Educação disse que, durante o ano de 2022, 8.124 alunos do Entorno estavam matriculados na rede pública do DF, mas não pontuou se há alguma estratégia voltada a eles.

Sobre o FCDF, a Secretaria de Planejamento ressaltou que os recursos são usados para execução de serviços públicos de saúde, educação e forças de segurança. O GDF programa suas despesas levando em consideração o cenário de utilização dos serviços públicos, de forma a garantir o melhor atendimento possível à população usuária do serviço dentro de seu território, incluindo moradores de outros estados, por caracterizar-se como unidade central da federação desde sua concepção. "O GDF age conforme os princípios federativos e a Carta Magna, de forma que o atendimento indiscriminado à população é garantia constitucional. O Fundo é fundamental para cobrir esta maior demanda pelos serviços públicos no DF. Em 2023, 40% do orçamento do GDF é proveniente dele", apontou a nota enviada pelo órgão.

*Estagiária sob a supervisão de Michel Medeiros

 

Olhar humanizado

A relação entre o DF e o Entorno sempre foi um desafio para as gestões da capital do país e do estado de Goiás. É inegável a necessidade de se aprimorar a qualidade de vida nos municípios que integram a região. Mas as demandas parecem nunca serem atendidas, e a atenção dispensada está sempre aquém da necessidade, revelando problemas crônicos, que impedem o seu desenvolvimento.

Em janeiro, o Governador Ronaldo Caiado (GO) sancionou a criação da Região Metropolitana do Entorno (RME) do DF, que propõe a cooperação interfederativa entre o governo de Goiás, do DF e a União. Esperamos que o afastamento do Governador do DF, Ibaneis Rocha, três dias depois desta sanção, por conta da intervenção federal na capital, não impeça o andamento das buscas por soluções definitivas aos problemas históricos. Assim, será possível planejar e executar as políticas públicas de interesse comum de forma eficiente e integrada.

Até porque essa foi a promessa de campanha do Governador reeleito, "integração de todos os serviços públicos entre o DF e o Entorno", por meio de parcerias com as prefeituras do Goiás. Inclusive, seria interessante levar à cabo as propostas que surgiram durante a campanha, mesmo que pelos adversários: integração do transporte público, com bilhete único, novos ônibus e melhores tarifas; financiamento federal para a construção do Hospital Geral Regional; e a instituição do Comitê Gestor do Complexo Industrial de Saúde. Um olhar humanizado e estratégico para a região é ganho para todos.

Noemi Araújo, especialista em políticas públicas e gestão governamental