O carnaval de 2023 vai deixar saudade nos corações de milhares de foliões que foram às ruas de todo o Distrito Federal espantar seus fantasmas, após dois anos sem soltar o grito na época mais feliz do ano, por conta da pandemia da covid-19. Por todos os lados, cores, música e a euforia tomaram conta da cidade, que agora segura a ansiedade para o ano que vem.
O Pacotão fechou o carnaval deste ano em grande estilo. Sempre crítico ao que acontece no país, o bloco mais tradicional do Distrito Federal, fundado por jornalistas em 1979, teve o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), como maior alvo, e, também, figuras internacionais.
Natural da Rússia, a foliã Ana "Russa", 26, aproveitou o carnaval no Pacotão. Crítica ao presidente Vladimir Putin, ela se fantasiou de "foice", em alusão à guerra entre Rússia e Ucrânia, que dura mais de 300 dias na Europa. "Sou totalmente contra a guerra. O carnaval é um evento onde podemos nos expressar vestindo todo tipo de acessório. É um recado que o mundo não aguenta mais a destruição desses dois países", disse.
Junto ao bloco Medida Provisória, o Pacotão atravessou o Centro de Brasília, da Asa Norte até a Asa Sul, embalado por tradicionais machinhas de carnaval.
Comemorando seu 14º ano de folia, o Bloco do Seu Júlio não se intimidou com as chuvas e sacudiu 2 mil pessoas nas ruas de Planaltina. Conhecido pela alegria, segurança e limpeza, em 2019, ele foi bronze no Troféu Correio Braziliense, que premia os melhores blocos carnavalescos do DF. A votação ocorre todo ano por meio do site do jornal.
O evento é destino de foliões do Distrito Federal e Entorno, como a esteticista Mônica Veiga, 54 anos, e o advogado Armando Fernandes, 65. O casal de cariocas mora em Planaltina de Goiás há quatro anos. "Estamos curtindo tudo desde o começo e está sendo o carnaval da paz mesmo, mais organizado e com segurança reforçada, tendo revista na entrada, como deve ser", opina a foliã.
O bloco saiu pela primeira vez em 2010 com oito pessoas e seu público veio crescendo ao longo dos anos seguintes, atraindo gente de todas as idades.
Quadradinho da Folia
O Quadradinho da Folia reuniu DJs e grupos de samba que animaram o público de mais de cinco mil pessoas, segundo estimativa da produção. Mesmo com a agitação e aglomeração de pessoas, a servidora pública Bruna Luíza, 28, saiu do Guará 2, onde mora, para curtir a folia com os amigos e com o filho Bento, de nove meses, ainda na barriga. Ela brinca que curtiu o primeiro e último dia de carnaval na rua, porque resolvia questões do enxoval da criança.
Amigas de trabalho, a publicitária Aline Rodrigues, 29, e a barista Isabela Stacciarini, 19, foram curtir o último dia de carnaval na pista do Quadradim da Folia. Para a mais nova, este carnaval lhe deu mais tranquilidade para se vestir do jeito que quisesse e andar com tranquilidade. "Em relação a assalto, não me sinto tão segura, mas percebo menos assédio sexual. Talvez porque depois que cortei o cabelo, há um ano, percebi que o assédio diminuiu", conta Stacciarini.
Desde sábado, Isabela percebeu que o Carnaval da Paz — nome dado pelo GDF à festa deste ano —, de fato, ocorreu na capital, mas faz ressalva. "Achei a segurança bem organizada desta vez, tirando o Bloco dos Raparigueiros, que teve muita violência com facadas, pelo que vi na mídia. Mas onde fomos, foi bem mais tranquilo", opina a foliã.
Para Aline, a festa sempre é especial porque ela faz aniversário em 19 de fevereiro. Neste ano, ela completou 29 anos, no Bloco das Montadas, no Setor Bancário Norte (SBN), onde reclamou do uso de gás de pimenta. "Por isso que eu não frequento mais blocos, como o dos Raparigueiros, há uns cinco anos, por medo da violência. Nunca tive problema com gás de pimenta, mas, no Bloco das Montadas, toda hora tinha gás. Era horrível porque até quem estava longe, passava mal", relembra a publicitária.
Vai deixar saudade
O casal de psicólogos Emílio Silva, 28, e Renata Silva, 25, estiveram em 26 blocos pelas ruas da capital. Em cada um deles foram muitas as lembranças adquiridas e que ficarão na memória. "Vivemos inúmeras histórias marcantes, novas amizades, curtimos frevo, samba, axé e muitas outras coisas. Fizemos muitas amizades novas e estamos muito felizes. A maior saudade do carnaval serão as amizades que não fizemos", brinca Renata.
Com bagagem extensa, os dois também apontaram o que deu certo e o que pode melhorar para os próximos anos. "No nosso ponto de vista (o que deu certo) foi a quantidade de blocos que respeitaram a diversidade. O que deu errado foi a falta de divulgação. Brasília tem ótimos espaços para termos uma festa linda e com segurança, então acredito que é preciso, junto ao apoio oferecido pelo setor cultural, procurar a iniciativa privada", completa a psicóloga.
O carnaval é poder sair às ruas, curtir e ficar despreocupado, não importa a idade. O aposentado João Lima Bastos, 78, acordou disposto a aproveitar um dos blocos mais longevos do DF: o Pacotão. "Sou um veterano do bloco. Estar aqui sempre é a junção de sentimentos inimagináveis. Quando disse que ia para o bloco, meus filhos me ligaram e me perguntaram: 'você está decidido em ir?'. Na hora, eu disse que sim. Não importa como, mas eu tinha que estar aqui. Esse ambiente inspira, porque foge dos blocos tradicionais. Até aguentar o próximo ano vai ser difícil", disse.
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Boas vendas (nem tanto)
A ambulante Dayane Souza, 29 anos, mora em Águas Lindas (GO), mas desde de 2018 vende espuminha nos carnavais do DF. Mesmo com o valor a R$ 10, ela sentiu que as vendas estavam fracas. "Me parece que o povo está sem dinheiro. Antigamente eu vendia mais de R$ 1mil por dia, durante o carnaval, hoje está muito longe disso."
Vestido de homem-aranha, o estudante e morador de Sobradinho, Pedro Henrique, 21, usou uma tática para poder vender no carnaval: a criatividade. Como um bom brasileiro, a estratégia de vender água por um valor menor que os demais ambulantes foi o diferencial. "A gente tem que saber vender bem. O carnaval reúne pessoas de todos os tipos, gêneros, etnias. Nesse calor, vi a possibilidade de vender água para fazer um extra. Enquanto eles vendem a R$ 3, eu faço a R$ 2", se vangloriou.
Inclusão
A presidente da Associação Brasiliense de Portadores de Deficiência Visual, Denise Braga, conta que poder estar com a associação no Bloco Portadores da Alegria foi a oportunidade de "prestigiar e ser prestigiado". Ela lembra que já viveu muitos carnavais antes de começar a perder a visão, aos 18 anos, e por completo aos 24, em decorrência da diabetes. No início, ela lembra que caiu em depressão e se isolou, mas, depois, por conta própria, procurou maneiras de continuar a vida. "Viver esse momento não tem preço, estar aqui me lembra da época que eu enxergava."
Ao chegarem no local, pessoas com deficiência visual estavam rodeadas por uma corda, na qual, todos seguravam para se guiar e delimitar o espaço, até que chegassem no espaço reservado para eles no evento.
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