Angústia. Esse é o sentimento que tem acompanhado Daiane Oliveira, mãe de uma criança de 10 anos com paralisia cerebral severa de grau 4 e dependente de uma dieta feita por meio de sonda, desde que a Secretaria de Saúde do Distrito Federal (SESDF) interrompeu, em setembro de 2022, o fornecimento da fórmula padrão destinada a pessoas com esse tipo de necessidade especial.
Agora, Daiane, que desde então tem sustentado a alimentação da filha, Alice Oliveira, por meio de doações, se vê em um beco sem saída por ver na despensa uma quantidade de leite suficiente apenas para os próximos 12 dias (saiba como fazer uma doação para a família no intertítulo Doe, ao fim da matéria).
“Eu fico aflita e angustiada. Eu tenho andado assim, porque eu fico contando os dias que a minha filha ainda tem alimentação e penso no que será depois, o que eu vou fazer e para onde vou correr para conseguir a única coisa que ela consegue comer”, desabafa a mãe. Ela e o marido estão desempregados por não conseguirem conciliar um trabalho com os cuidados de Alice e de outra filha, de 8 anos, que também tem paralisia cerebral.
Após o Correio entrar em contato com a Secretaria de Saúde do DF, a pasta informou ao Hospital da Criança de Brasília (HCB), que acompanha clinicamente Alice, sobre a falta do suplemento e solicitou uma nova prescrição, com outra fórmula, para a substituição do produto. De acordo com o HCB, por volta das 17h49 desta quarta-feira (15/2), a prescrição já foi enviada e a nova fórmula já pode ser retirada no centro de distribuição da SESDF.
Daiane afirma que uma nutricionista da HCB entrou em contato com ela no fim da tarde desta quarta-feira, mas informou que, para receber a nova fórmula, deverá ligar no centro de distribuição na manhã desta quinta-feira (16/2) para agendar um dia em que deverá buscar o produto. Com o feriado de Carnaval, a mãe teme que tenha a fórmula apenas após as festividades.
Outra preocupação de Daiane é se o novo leite dará certo com a filha, já que foi informada que o produto não tem a mesma composição do Trophic Fiber, utilizado por Alice. “Minha única preocupação é ela distender o intestino e não evacuar todo dia, porque ela é cadeirante. O Trophic é o que atendeu todas as necessidades dela e essa nova fórmula não tem a mesma composição”, diz preocupada.
“Eu perguntei para ela se era a mesma coisa, e ela disse que não, que é um outro tipo de dieta e eu estou preocupada com a adaptação dela. A nutricionista disse que agendará uma consulta para acompanhar a adaptação da Alice com o leite até a chegada do Trophic nos estoques da Secretaria. Mas eu tenho medo se ela irá se adequar, porque até então nenhum outro deu certo com ela”, acrescenta.
Única fonte de alimentação
Alice foi diagnosticada com paralisia cerebral severa, de grau 4, quando ainda era bebê. A condição ocorreu após a menina não obter o cuidado necessário no momento do parto, que foi prematuro, e ficar sem oxigenação no cérebro. “Ela vive na cadeira de rodas e na cama, porque ela não tem o mínimo de controle do corpo”, explica a genitora.
Por não ter mobilidade no corpo, Alice também tem dificuldades em receber qualquer tipo de alimento por via oral. Antes de ser introduzida na fórmula, dada por meio de sonda, a menina tinha quadro grave de refluxo e rotineiramente vomitava até mesmo o suco gástrico por também ter limitações gastrointestinais. A solução, então, dada pelos médicos, foi a alimentação por meio de sonda e com o uso de uma fórmula nutritiva.
“Por ser zero lactose e sem glúten, alimentos que ela é intolerante, o leite também não provoca reações no estômago dela e permite a nutrição completa. O leite auxilia até mesmo a evacuar sem dor, por ter intestino muito preso por ser cadeirante. Não é só um tipo de alimentação, mas é a única alimentação que a contemplou em todos os aspectos de saúde”, resume Daiane. Em vídeo feito por ela na terça-feira (15/2) para denunciar a falta do alimento, Daiane explica o impacto da fórmula na vida da filha, veja:
A família recebe o benefício da Secretária de Saúde do DF por estarem desempregados — os custos dos quatro membros da família são supridos, com esforço, por meio dos benefícios de prestação continuada (BPC). Alice é acompanhada clinicamente pelo Hospital da Criança de Brasília (HCB), que a cada consulta trimestral, encaminha um relatório à SESDF e registra que há necessidade da fórmula para a nutrição da garota.
Em tempos regulares, a pasta distribui caixas de leite a cada dois ou três meses — com quantidade suficiente para o mesmo período. O produto é retirado pelos responsáveis no centro de distribuição da Secretaria de Saúde do SIA.
A última vez que os pais de Alice receberam o alimento foi em setembro de 2022. Em novembro, data para receberem a reposição da fórmula, Daiane voltou para casa de mãos vazias. “Eles falaram que não tinha no estoque e que não tinha previsão para chegar”, lembra a mulher.
Desde então, todos os meses ela e o marido vão até o local para verificar se o produto foi renovado, mas recebem a informação de que a fórmula ainda não foi recebida pela pasta. A mãe critica o Governo do Distrito Federal (GDF) pela falta de planejamento e de resposta às reclamações feitas. “O governo não tem dado a atenção devida a uma coisa que ela tem direito. Eu fico chateada porque a criança depende do leite e somente dele para viver”, protesta.
Ao Correio, a SESDF informou que, em decorrência da falta da fórmula no estoque da pasta, um novo processo de compra foi iniciado, com a dispensa da licitação. Assim, o processo passa por uma análise de preço e segue para empenho da nota fiscal. Em seguida, "a empresa vencedora do certame passa a ter um prazo de entrega do medicamento". A pasta acrescenta, ainda, que dois pregões para compra do produto não foram concluídos porque as empresas candidatas ofertaram a fórmula por um valor acima do vendido do mercado.
Nesses meses sem recebimento do leite, Daiane conta que fez vaquinha, entrou em grupos de pais e mães com o mesmo problema ao redor do Brasil para captar doações e chegou a ir ao Goiás para recolher alguns galões da fórmula doados por uma família que o ente querido, usuário do leite, veio a falecer.
“Agora não tem mais nenhuma doação. Já faz um mês que não recebo nada e estou com apenas uma caixa em casa, o que dá para 13 dias. O leite é caro e aumentou nos últimos meses, acho que eles sabem que tá tendo muita procura. Antes era R$ 90 a R$ 100, agora custa R$ 130”, lamenta.
Além do leite, os dois também recebem equipos e frascos, objetos necessários para a alimentação de Daiane. De acordo com a mulher, esses produtos também estão escassos. Da última vez que receberam, em janeiro, os objetos não eram suficientes nem para um mês. “Eu estou lavando e reutilizando, o que não é recomendado. O certo é usar na dieta (refeição) e descartar”, revela.
Para não ver a filha sem alimentação, Daiane considera reduzir o número de refeições da filha, de cinco vezes por dia passaria para três. A atitude pode levar Alice a um quadro de desnutrição, mas é, para a mãe, uma alternativa para alargar o tempo de espera e esperança de que o cenário mudará.
Pais de Alice deixaram os empregos para cuidar das filhas com paralisia
A condição de Alice fez com que Daiane deixasse o mercado de trabalho para auxiliar a filha, e lida com as despesas da casa apenas com o valor recebido pelo Benefício de Prestação Continuada (BPC). A família recebe a fórmula do governo por meio de um benefício social que promove a alimentação para famílias vulneráveis.
“Não tem como deixá-la sozinha. Além da fisioterapia que ela faz, as rotinas médicas, ela tem muitas condições de risco. Ela fez uma operação muito delicada há cerca de dois meses por ter luxação no quadril, ainda se recupera, ainda sente dor e faltar alimentação só piora”, conta.
Daiane é mãe de outra menina, de 8 anos, que também tem paralisia cerebral. Mesmo com grau menos severo, a condição da filha fez com que o marido da mulher também deixasse o emprego para cuidar das filhas.
“Todos os dias estamos em algum local, ou na fisioterapia ou em alguma consulta de rotina ou até emergencial. Nossa vida é sempre assim, cuidando delas. Não temos condições de trabalhar fora porque queremos a qualidade de vida delas, que elas desenvolvam mais autonomia, o que for possível”, desabafa.
Mesmo se estivesse no mercado de trabalho, Daiane afirma que precisaria pagar uma enfermeira para as filhas, “o que não custa menos que um salário mínimo”. “É melhor eu estar perto dela porque cuido com cuidado e sei do que ela precisa”, afirma.
Doe!
Interessados em ajudar a família de Alice de alguma forma podem entrar em contato com a mãe da menina, Daiane, por meio do número (61) 99190-7465.
A fórmula utilizada pela família é a Trophic Fiber, da Prodiet Medical Nutrition.
O que diz a Secretária de Saúde do DF e o HCB
O Correio entrou em contato com a Secretária de Saúde do DF para ter explicações sobre a falta de distribuição do alimento e o que poderia ser feito para suprir a necessidade básica de alimentação de Alice.
Em resposta, a SESDF informou que é recomendação da Gerência da Nutrição da pasta que os nutricionistas que acompanham a criança prescrevam, em caso de desabastecimento temporário, "outros suplementos alimentares, no intuito de complementar a dieta artesanal, preparada com alimentos". A pasta garantiu que "a equipe da UBS de referência entrará em contato para a atualização do formulário e prescrição de uma fórmula em substituição àquela que está em falta".
Sobre a compra do produto em falta, a SESDF afirmou que a aquisição da fórmula tem sido feita em dois processos: um regular e outro emergencial, cuja dispensa de licitação já foi aberta. O próximo passo é uma análise de preço e o empenho da nota fiscal. "A partir desta etapa, a empresa vencedora do certame passa a ter um prazo de entrega do medicamento", diz a pasta em nota enviada ao Correio.
A SESDF explicou, ainda, que o processo de aquisição de um produto é composto por várias diretrizes e regras internas, definidas em lei, além de ser influenciado por fatores externos, como indisponibilidade do produto no mercado e atrasos de entrega. Só dentro da pasta, "o processo de aquisição compreende ações realizadas em diferentes áreas, relacionadas com a ordenação de despesas, instrução de processos licitatórios, pesquisa de preços, alocação de recursos, autorização de fornecimento, emissão de notas de empenho, entre outras".
Por isso, segundo a pasta, quando o estoque de um produto está baixo, mas ainda sem risco de acabar, é iniciado um processo de aquisição — geralmente o período de abertura do processo é de três meses e meio do prazo previsto para o reabastecimento.
No caso da fórmula usada por Alice, a SESDF informou que "houve fracasso em dois pregões na compra da fórmula, pois as empresas ofertaram valores maiores do que a pesquisa de preço". "Por essa razão, o pedido foi inserido em um novo processo regular e em processo de aquisição emergencial", escreveu.
Ao Correio, o Hospital da Criança de Brasília disse que foi informado da falta do suplemento e "imediatamente a equipe de nutrição realizou e já enviou às Secretaria de Saúde, um relatório com uma nova fórmula nutricional de alimentação enteral". "Essa fórmula supre as necessidades nutricionais da criança. A mãe já está ciente e foi orientada a fazer a retirada do suplemento alimentar na unidade de referência, onde faz a retirada desse alimento, na SES-DF", declarou a assessoria do hospital em nota à redação.
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