Entrevista | Juliana de Andrade | Produtora cultural

Volta do carnaval da alegria

Carnavalesca fala sobre as expectativas para o retorno da folia mais desejada dos últimos tempos, dos desafios de se combater o assédio às mulheres nos blocos e a valorização dos profissionais que vivem de levar diversão aos brasilienses

Pedro Marra
postado em 14/02/2023 00:01 / atualizado em 15/02/2023 19:40
 (crédito: Carlos Vieira)
(crédito: Carlos Vieira)

Carnavalesca desde 2006, quando passou a organizar blocos na Asa Norte, a produtora cultural Juliana de Andrade foi a convidada, ontem, do Podcast do Correio. Após dois anos sem blocos na rua devido às restrições impostas pela pandemia da covid-19, Ju Pagul, como é conhecida, destacou a volta da festa do Rei Momo como sinônimo de alegria e alívio para os foliões, a geração de emprego direto e indireto e ainda detalhou as reuniões com o GDF para garantir a segurança. "Essa é a nossa cultura, e a alma do nosso povo, porque os nossos corpos tristes e cansados precisam dessa energia. É um momento importante para deixar a mensagem de retomada do Brasil pela alegria do carnaval", vibra Ju, durante conversa com as jornalistas Adriana Bernardes e Sibele Negromonte.

Como você espera o retorno do carnaval após esses dois anos de pandemia sem a festa na rua?

A capital está preparada para o carnaval. Estamos muito felizes e observamos isso nas ruas. Acho que desde a posse do presidente Lula, Brasília ficou muito mais alegre e feliz, tomada pelas pessoas que cantam, dançam e pulsam. Os assuntos e os temas são todos voltados para a alegria. A gente, na Praça dos Prazeres, está lançando este ano o Ministério do Namoro. Então, nessas brincadeiras, passamos a noite falando sobre a Secretaria da Paquera, Barraca do Beijo, para colocar o nosso imaginário à favor da alegria e dessa criatividade é muito do Brasil. Essa é a nossa cultura, e a alma do nosso povo, porque os nossos corpos tristes e cansados precisam dessa energia. É um momento importante para deixar a mensagem de retomada do Brasil pela alegria do carnaval.

Como está sendo o bastidor da organização do carnaval para que a festa ocorra com alegria e respeito à diversidade?

O que a gente enfrenta aqui é muito desafiador para poder colocar o carnaval na rua, principalmente neste contexto no qual a cidade é alvo de terrorismo. A gente tem uma questão de segurança pública muito forte e, ao mesmo tempo, precisamos fazer uma festa grande e maravilhosa. Os debates se iniciaram há um mês e são muito limitantes no sentido do que poderia ser a festa. Para nós, sempre acreditamos que poderia ser tão maior e melhor. Mas a gente trabalha com o que temos. Não só estamos em um momento de retomada do carnaval, mas também das políticas de cultura. Um dos temas que tratamos bastante com a Secretaria de Segurança Pública (SSP-DF) é que o policiamento durante o carnaval não seja ofensivo, porque infelizmente, é outra realidade que temos aqui, de um policiamento que usa cavalaria, máquina de choque, gás de pimenta, fuzil, um policiamento desproporcional para uma experiência criativa das pessoas, que não podem ser marcadas por violência nenhuma.

Com investimento de R$ 5 milhões do Fundo de Apoio à Cultura (FAC), a Secretaria de Cultura espera gerar 5,6 mil empregos diretos e 17 mil indiretos. O quão importante é a democratização do carnaval de rua para a economia criativa?

Há dois temas importantes, como o licenciamento de carnaval e o direito ao carnaval livre de quem não quiser. O outro é o financiamento de uma festa com estrutura enorme, com trabalho envolvido. Defendo que somos trabalhadores de carnaval. Sou carnavalesca. Sempre somos indagados porque fazemos cinco dias de carnaval, mas temos uma lei que prevê um calendário de carnaval e fazemos isso. A Secretaria de Cultura promove essa política de investimento, e aqui no DF temos o Fundo de Apoio à Cultura, o Orçamento da Cultura, mas não debatemos ainda onde deve estar o carnaval neste fomento, no qual a verba não pode ser usada somente para banheiro químico e alambrado. Essa verba tem que ser para garantir a vida econômica do artista, porque não está fácil. Temos artistas que estão ensaiando, pessoas montando a estrutura, e não temos como pagar. É uma responsabilidade que deveria ser do Estado. O Distrito Federal foi uma das poucas unidades que não apoiou o carnaval com verba de auxílio emergencial. Durante a pandemia, nós tentamos reinventar o carnaval de forma on-line para que as pessoas ficassem em casa. A gente da sociedade civil recria o carnaval, mas gostaríamos que o poder público começasse a fazer políticas públicas para o carnaval.

Há sempre no Distrito Federal uma discussão sobre os recursos que não chegam ou chegam em cima da hora. Como você avalia essa condição?

Muito importante a gente tratar disso. Vamos começar nosso carnaval daqui dois dias e temos uma dívida de R$ 80 mil, só que a verba pactuada com o GDF ainda não foi empenhada. Temos artistas que estão ensaiando, pessoas que estão fotografando, montando estrutura e não teremos como pagar. Essa é uma responsabilidade que deveria ser do Estado. Os dados nos apresentados pelo secretário podem ser fidedignos, mas temos que fazer alguns recortes neles. Qual será o dado final? Onde estão as escolas de samba desfilando? Qual o efetivo carnaval teremos com essa verba? A gente tem uma política de carnaval que é ineficiente, inócua, que não garante o desfile das escolas de samba apesar de ter sido colocado o recurso. Se essa política pública não for construída com efetividade, com transparência e de forma republicana e amplo diálogo, a gente vai chegar no mês de fevereiro cansados e violados. Como a gente pactua com um governo que depois retrocede?

Existe algum tipo de forma para proteger os assédios sexuais no carnaval?

O decreto que regulamentou a lei de carnaval era uma política pública que previa uma campanha de respeito às mulheres, diversidade sexual, antirracista. Como o Estado nunca executou isso de forma eficiente, nós mesmas fizemos, e propomos a campanha Folia com Respeito. Os blocos se auto organizaram, assim como coletivos de mulheres autonomamente também fazem campanhas 'Não é Não'. Teve um ano que foi muito legal, quando a SSP distribuiu apito para as mulheres que estivessem sob violência. A gente faz uma orientação para que os banheiros fiquem melhor cobertos, para que as mulheres se sintam seguras para brincar o carnaval com segurança. O carnaval que a gente quer é o carnaval da paz, sobretudo muito amoroso e com muito prazer.

Com os investimentos e geração de emprego anunciados pelo GDF, o quão importante é a democratização do carnaval de rua para a economia criativa?

Há dois temas importantes, como o licenciamento de carnaval e o direito ao carnaval livre de quem não quiser. O outro é o financiamento de uma festa com estrutura enorme, com trabalho envolvido. Defendo que somos trabalhadores de carnaval. Sou carnavalesca. A Secretaria de Cultura promove essa política de investimento, e aqui no DF temos o Fundo de Apoio à Cultura, o Orçamento da Cultura, mas não debatemos ainda onde deve estar o carnaval neste fomento, a verba não pode ser usada somente para banheiro químico e alambrado. Essa verba tem que ser para garantir a vida econômica do artista, porque não está fácil. Temos artistas que estão ensaiando, pessoas montando a estrutura, e não temos como pagar. É uma responsabilidade que deveria ser do Estado.

Você acredita que o carnaval de Brasília se desenvolveu de que forma? E o crescimento vem desde quando?

Em 2012 o carnaval de Brasília teve esse boom. É interessante porque é um fenômeno nacional. Outras cidades que não tinham tradição de carnaval de rua com tanta força também passaram por isso, como São Paulo, Belo Horizonte e Porto Alegre. Atualmente, tem carnavais gigantescos e maravilhosos. Lembrando que aqui a gente sempre teve blocos como o Galinho de Brasília, Asé Dudu, com mais de 30 anos. Mas com essa diversidade e pluralidade é recente. Cada vez mais com os anos se passando, vamos sendo deslocados para lugares afastados de onde a cidade acontece, e os blocos não podem desfilar e têm que ficar parados. Temos tentado trazer o caráter de direito à cidade e direito à liberdade, para que os bloquinhos possam desfilar.

Como é o diálogo de representantes dos blocos de rua com moradores próximos do local que reclamam de barulho?

Acredito que isso passa por uma questão estruturante da nossa sociedade, que é da intolerância, de pessoas que não querem ver pobre, se aproximar de determinado grupo social, e isso se reflete nesse debate. Brasília tem uma gestão autointitulada de Conselho Comunitário da Asa Norte e da Asa Sul. E mesmo que sejam representantes, não são donas da cidade, porque ela é de todo mundo. O carnaval é muito conectado com os direitos da cidade. Então, se a cidade é um patrimônio, o carnaval também é. Temos o frevo, maracatu, capoeira, que são patrimônios nacionais, e o carnaval ainda não. Mas percebemos que a cidade é feita para as pessoas, não só para os carros. Não é uma cidade dormitório porque Brasília tem uma economia criativa efervescente maravilhosa. A gente percebe um aumento da intolerância à cultura, boemia e ao afeto no carnaval. Com certeza vamos defender uma sociedade mais tolerante, alegre e humanizada.

Como você avalia a manifestação cultural e política do carnaval de Brasília?

Quando o pastor Marcos Feliciano presidiu a Comissão dos Direitos Humanos (na Câmara dos Deputados), em 2013, não admitimos de maneira alguma nos entregar para o fundamentalismo religioso os nossos destinos, e montamos o Bloco das Perseguidas. Fui atacada por um ex-sócio muito violento, que colocou uns cartazes escrito perseguida na rua do Balaio Café, e montei o bloco junto da Martinha do Coco, Tatiana Lionço, que é um dos que faz parte do movimento das mulheres construindo blocos. É o carnaval na política pela vida das mulheres, que se apropriam de protagonizar a festa a favor da vida das mulheres, de combater os feminicídios e a violência. E é interessante como o carnaval propicia essa liberdade às mulheres, e coloca para a sociedade esse debate.

 

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  •  13/02/2023  Carlos Vieira/CB/DA Press. Brasília, DF. Podcast do Correio com a carnavalesca Juliana de Andrade, JU PAGUL. Na bancada: Adriana Bernardes e Sibele Negromonte.
    13/02/2023 Carlos Vieira/CB/DA Press. Brasília, DF. Podcast do Correio com a carnavalesca Juliana de Andrade, JU PAGUL. Na bancada: Adriana Bernardes e Sibele Negromonte. Foto: Carlos Vieira
  •  13/02/2023  Carlos Vieira/CB/DA Press. Bras..lia, DF. Podcast do Correio com a carnavalesca Juliana de Andrade, JU PAGUL. Na bancada: Adriana Bernardes e Sibele Negromonte.
    13/02/2023 Carlos Vieira/CB/DA Press. Bras..lia, DF. Podcast do Correio com a carnavalesca Juliana de Andrade, JU PAGUL. Na bancada: Adriana Bernardes e Sibele Negromonte. Foto: Carlos Vieira
  •  13/02/2023  Carlos Vieira/CB/DA Press. Brasília, DF. Podcast do Correio com a carnavalesca Juliana de Andrade, JU PAGUL. Na bancada: Adriana Bernardes e Sibele Negromonte.
    13/02/2023 Carlos Vieira/CB/DA Press. Brasília, DF. Podcast do Correio com a carnavalesca Juliana de Andrade, JU PAGUL. Na bancada: Adriana Bernardes e Sibele Negromonte. Foto: Carlos Vieira
  •  13/02/2023  Carlos Vieira/CB/DA Press. Brasília, DF. Podcast do Correio com a carnavalesca Juliana de Andrade, JU PAGUL. Na bancada: Adriana Bernardes e Sibele Negromonte.
    13/02/2023 Carlos Vieira/CB/DA Press. Brasília, DF. Podcast do Correio com a carnavalesca Juliana de Andrade, JU PAGUL. Na bancada: Adriana Bernardes e Sibele Negromonte. Foto: Carlos Vieira
  •  13/02/2023  Carlos Vieira/CB/DA Press. Brasília, DF. Podcast do Correio com a carnavalesca Juliana de Andrade, JU PAGUL. Na bancada: Adriana Bernardes e Sibele Negromonte.
    13/02/2023 Carlos Vieira/CB/DA Press. Brasília, DF. Podcast do Correio com a carnavalesca Juliana de Andrade, JU PAGUL. Na bancada: Adriana Bernardes e Sibele Negromonte. Foto: Carlos Vieira
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