Estigmatizado durante muitos anos, sobretudo pelo abandono e a falta de conservação, o Centro Educacional 04 (CED 04), no Guará, experimenta, agora, um verdadeiro fenômeno: o ingresso crescente de seus alunos na Universidade de Brasília (UnB), a maioria por meio do vestibular tradicional. Nos dois últimos dois concursos foram sete aprovações, quatro neste ano. A expectativa é que haja mais nomes do colégio na segunda chamada. A unidade educacional abriga, em sua maioria, estudantes de baixa renda da Cidade Estrutural.
Concebida para ser uma Escola Classe, há 50 anos, a unidade passou a ser denominada Centro Educacional um ano depois. Segundo a vice-diretora, Ana Patrícia dos Santos, que assumiu a gestão da unidade há 25 anos, o prédio estava em estado deplorável, necessitando de reformas urgentes. "Até os banheiros estavam lacrados, sem condição de uso", lembra.
Junto com as reformas, a direção começou a investir em novas metodologias de ensino. Laboratórios foram reativados e salas de informática e multimídia implantadas. "Passamos também a promover palestras motivacionais, sempre em prol do desenvolvimento de indivíduos mais críticos e conscientes do seu papel na sociedade", diz Ana Patrícia, observando que essas ações resultaram em estreitamento histórico com a comunidade. "Hoje os alunos se sentem muito mais acolhidos, nos aspectos cognitivo, afetivo e motor."
O CED 04 atende hoje a 1.200 alunos, em três turnos, dos ensinos médio, fundamental e Educação de Jovens e Adultos (EJA). Dos 119 funcionários, 67 compõem o quadro de docentes, que atuam em 36 turmas. Ana Patrícia destaca, ainda, uma ação que vem gerando ótimos resultados e contribui, efetivamente, para o sucesso no ingresso de alunos no curso superior: o projeto Hora da Leitura, voltado ao ensino fundamental. Uma vez por semana a unidade de ensino oferece aos estudantes opções diversas de leitura, com títulos variados que vão desde histórias em quadrinho a autores consagrados. A ação complementa as aulas de redação, um dos pontos fortes da escola.
Conquistas
Aprovada em química no câmpus Darcy Ribeiro no vestibular tradicional, embora tenha também feito opção pelo Programa de Avaliação Seriada (PAS), a estudante Maria Eduarda Rodrigues Cunha, 18 anos, cursou todo o ensino médio no CED 04, os dois primeiros anos de forma remota, em função do isolamento imposto pela pandemia de covid-19. Para ela, que estudou por conta própria para o vestibular, foi fundamental a atenção dispensada pelos professores, assim como as atividades extra-classe oferecidas pela escola.
"Estava em dúvida entre matemática ou alguma outra profissão ligada a exatas, mas esse impasse foi solucionado graças à minha professora de química, que foi fundamental em minha formação", conta Maria Eduarda, revelando que pretende se aprofundar na área, fazer licenciatura e seguir os passos da mestra. "Essa escola foi o grande diferencial em minha vida e pretendo retribuir da mesma forma, ajudando gerações futuras, quem sabe, lecionando nela", projeta a ex-aluna.
A professora em questão, Daniela Bazuchi, retribui a deferência e reafirma o empenho de toda a equipe na busca por um ensino de excelência. "Maria Eduarda sempre foi muito presente em sala de aula, atenta e disciplinada, comportamento que, de alguma forma, incentivou os colegas a também darem o melhor de si. Nos empenhamos, toda a equipe da escola, nesse esforço de superar essa cultura de aprovação, mostrar que o importante é ir além, sonhar mais alto. Esse relacionamento aberto faz com que o cognitivo se desenvolva", diz a educadora.
Também aprovada neste ano em história no câmpus Darcy Ribeiro da UnB, sem ter feito cursinho preparatório, a estudante Ellen Santos Machado, 21, valeu-se do sistema de cotas. Ela é outro exemplo de aluna do CED 04 a estudar por conta própria para o vestibular, além de contar com o apoio dos professores, segundo ela, fundamental para atingir seu objetivo. "Os professores do CED 04 me inspiraram muito, pela atenção dispensada — especialmente a minha professora de história, Márcia Diniz, com seu método inspirador, que me abriu os olhos para muitas coisas —, e a forma como me ensinaram cada detalhe de cada matéria. Realmente fugiram à regra. Fiquei tão grata que agora também penso em lecionar. Há muito tempo dou aulas de reforço, tenho prazer, muita alegria em ensinar, principalmente estudantes menos favorecidos, que não têm perspectivas nem contam com nenhum tipo de assistência", afirma.
Melhor escola
Acostumada a acompanhar o pai, o motorista de ônibus Marcelo Fernandes da Silva, 39, nas frequentes viagens pelo câmpus Darcy Ribeiro, a estudante Maria Vitória, 19, viu, enfim, neste ano, seu sonho se realizar. Aprovada no PAS, ela vai agora estudar arquivologia no local que aprendeu a admirar desde menina. Mesmo com a opção de ingressar na universidade pelo sistema de cotas, ela optou por disputar "de igual para igual" com os demais candidatos.
"Me aprofundei nos estudos, com o apoio e a dedicação dos professores do CED 04, que são nota mil e, mesmo fora de suas cargas horárias, sempre estavam prontos a esclarecer qualquer dúvida. Foi a melhor escola que estudei em minha vida. Cada momento vai estar sempre presenta nas minhas lembranças. Agora, com meu sonho realizado, pretendo me aprimorar e retribuir cada aprendizado à sociedade", diz a adolescente, criada em Brazlândia.
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