Nada dá mais sentido à existência humana do que a memória. Como exemplo disso, uma das professoras pioneiras do Distrito Federal, Maria Aparecida Cardoso Emediato abriu as portas da casa onde mora na Vila Planalto ao Correio. Hoje, com 92 anos, a docente apresenta algumas limitações decorrentes da idade. Familiares e ex-alunos ajudaram a abrir o baú de recordações da professora que inspirou muitos que a acompanharam e que foram alfabetizados na primeira escola da cidade.
Natural de Bambuí, Minas Gerais, Aparecida veio para Brasília em 1958, com o marido e quatro filhos, para arrumar um trabalho na nova capital. Em 1961, a professora engravidou de Rosana e se dedicou a cuidar da criança até que ela completasse cinco anos. Após esse período, Aparecida começou a lecionar na escola Pery Rocha França, que possuía três pequenos cômodos de madeira, telhas de zinco e se localizava no acampamento da construtora Planalto. Ali, a professora trabalhou durante 25 anos, alfabetizando os filhos de operários, dos engenheiros e dos funcionários graduados das construtoras responsáveis pela montagem do acampamento que resultaram na Vila Planalto.
Ela morava em um barracão dividido em cinco residências, que possuía três quartos, banheiro, cozinha e uma sala, na rua Tamboril de baixo, na Vila Planalto, comenta a filha mais nova, Rosana Emediato, professora, 60 anos. "Era chamado 'de baixo' por serem casas mais humildes, um acampamento que alojava várias famílias," recorda.
Com o passar do tempo, Aparecida conseguiu uma casa perto da escola. Como as construções tinham cercas baixas de madeira, os alunos passavam boa parte do tempo sentados na grama ao redor da casa da professora. Rosana relata que os docentes utilizavam a área externa da residência como estacionamento, pois a escola não possuía garagem. "Era uma casa aberta a todos", diz Rosana, que logo emenda "principalmente para a família". A filha lembra que a mãe acolheu vários parentes que, assim como ela, vieram tentar a vida em Brasília.
A casa de Aparecida é uma das duas construções de madeira que sobreviveram ao tijolo e ao reboco na Vila Planalto. A sala e os quartos continuam como antes e a sensação é a de voltar aos anos da construção de Brasília. Quase todo o telhado permanece coberto com folha de zinco, o forro paulista mantido e o piso de tábua corrida da sala também.
Com o passar dos anos, a escola em que Aparecida dava aula se tornou a Escola Classe do Planalto, onde todos os filhos da docente estudaram até a 4ª série, o ano mais avançado da escola. Leilane conta que teve aulas com a docente na 3ª e 4ª séries, nas disciplinas de matemática e português. "Tinha oito anos quando tive aulas com ela pela primeira vez na Escola da Vila Planalto, e hoje, sou grata, pois ela me incentivou a ser escritora."
Querida pela família e alunos
As filhas Rosana e Tânia Emediato relatam que a mãe sempre foi rígida em relação à educação dos filhos. Rosana recorda que a característica mais marcante da mãe são os valores firmes que ela passou para a família. "Uma pessoa estudiosa, que sabia de tudo. Escolhi seguir a profissão da minha mãe, da qual me orgulho muito: ser professora na alfabetização de crianças." Tânia disse que pegou a fase mais rígida de Aparecida. "Mas, como sempre tive muito juízo, minha mãe confiava e dava total liberdade para fazer o que eu queria. Uma mente muito moderna para aquela época."
Aparecida é querida pela comunidade da Vila Planalto e sempre foi conhecida por ter uma postura austera e, ao mesmo tempo, ser uma pessoa doce. "Ao falar da dona Aparecida, tenho lembranças muito carinhosas, porque ela era meu lugar de conforto dentro da escola, sempre me acolheu do bullying que sofri durante a infância," relata Leiliane.
Amante da leitura e pintura, Aparecida Emediato, com a mão firme, costuma passar horas pintando livros. Todos os dias, a professora gosta de reposicionar os porta-retratos que decoram a casa, onde estão toda a família, composta por cinco filhos, doze netos e oito bisnetos.
Sempre muito caseira, Aparecida nunca gostou muito de sair e preferia reunir todas as gerações dentro de casa, revela a filha mais nova. "Ela é muito querida entre netos e bisnetos, sempre muito preocupada com os filhos e com um coração muito grande. Gosta muito de almoços em família e receber visita dos parentes", diz. Ela complementa que a professora também ama receber a visita de ex-alunos, como Leiliane, que está sempre presente na vida da mestra.
Aparecida trabalhou em dois turnos por uma boa época na vida, mas conseguia tempo para cuidar dos filhos, conta Rosana. "Ela trabalhava em um horário intermediário, e como muitas vezes passava o horário do almoço dando aula, ela então deixava toda comida preparada, o bife temperado, e a gente só fritava quando chegava da escola. Sempre preocupada, mesmo que não estivesse ali na hora da refeição", completa.
Por conta dessa rotina, a professora até hoje não tem o costume de almoçar, prefere as outras refeições do dia, como um café da manhã e um jantar reforçado, explica a filha mais nova.
O neto mais velho, Leandro Emediato, autônomo, 51, mudou-se para a Vila Planalto para ficar mais perto da avó. "Venho visitá-la pelo menos duas ou três vezes na semana. Ela me ensinou muito, eu quero poder retribuir um pouco desse carinho.Dona Aparecida é uma segunda mãe."
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