As forças de segurança do Distrito Federal têm números positivos para comprovar a eficácia no combate à violência. Ao mesmo tempo, enfrentam situações que precisam ser corrigidas, como a politização e a radicalização cada vez mais acentuadas nas corporações. Esses são as principais conclusões de Arthur Trindade, ex-secretário de segurança do DF e professor da Universidade de Brasília (UnB).
Ele foi um dos participantes do painel O Desafio para melhorar a saúde e a segurança no Distrito Federal, durante o evento Correio Debate: Entre os Eixos do DF. Juntaram-se ao debate a secretária de Saúde do DF, Lucilene Florêncio, e a promotora Fabiana Costa, ex-procuradora-chefe do Ministério Público do DF e Territórios.
Na avaliação de Trindade, o baixo índice nas taxas de criminalidade no Distrito Federal é resultado de um esforço coletivo das forças de segurança e do governo local. Ele lembrou que desde 2014 o Distrito Federal apresenta queda nos crimes de homicídios, roubos, furtos, entre outros. Um decréscimo de 25.3 pontos (em 2014) para 10.0 (em 2021).
"Hoje, o DF tem a 3ª menor taxa de homicídios do Brasil, ficando atrás de São Paulo e Santa Catarina. Os resultados positivos também estão ligados a outras iniciativas, como a criação da Câmara Técnica de Homicídios e Feminicídios, por exemplo", pontuou, afirmando que a cidade trilha bons caminhos na área da segurança.
Apesar dos índices positivos, o ex-secretário afirmou que a sensação de insegurança na sociedade permanece. E promove gatilhos negativos, que precisam ser trabalhados com cautela. Para Trindade, a insegurança tem efeito real no ser humano e é capaz de impedir, por exemplo, a sociabilidade. "Se as pessoas têm medo, elas não vão sair de casa. Então, para que os investimentos em turismo? A insegurança afeta, também, a saúde mental. É necessário primeiro tratar esse problema para pensar futuramente", comentou.
Politização
Trindade vê também problemas internos nas forças de segurança. E considerou a politização das polícias um dos mais graves. Ele alertou particularmente para a radicalização, com a adesão de policiais e militares a pautas antissistema, negacionismo científico, intolerância religiosa, intolerância política. "O que aconteceu em 8 de janeiro ainda será motivo de debate ao longo de décadas. A gente já sabe que houve negligência e omissão, mas isso também não teria acontecido se as polícias no Brasil não estivessem altamente politizadas, cooptadas e radicalizadas", pontuou.
O especialista mencionou uma pesquisa segundo a qual cerca de 30% dos policiais brasileiros interagem ativamente com sites radicais de extrema direita. O maior percentual está no DF, onde a taxa é acima dos 45%, revelou Trindade. "Essa pauta da extrema direita tem penetrado em vários setores e no setor policial e militar mais ainda, isso acontece no Brasil como um todo. Radicalização é um desafio mundial e aqui agora a gente vai ter que lidar com isso", advertiu Trindade.
O professor e ex-secretário de Segurança citou como exemplo de cooptação o caso do ex-ministro da Justiça e ex-secretário de Segurança Pública do DF, Anderson Torres. Trindade observou que, em 20 anos de carreira policial, Torres passou 12 anos fora da polícia. "É incrível como no DF o número de policiais cedidos é impressionantemente grande. Eles vão para gabinetes parlamentares, de desembargadores, Ministério Público", criticou.
O especialista disse que a politização é um desafio mundial e apontou as falhas na legislação brasileira. "A nossa legislação eleitoral é muito permissiva com os policiais e militares para lançamento de candidatura. É só no Brasil que um policial ou um militar pode se lançar candidato, perde a eleição e volta. Essa dinâmica não é permitida em outros lugares", avaliou.
Trindade defende que policiais abram mão da carreira na segurança pública caso tenham interesse em ingressar na política. "Eu sei que alguns policiais dizem que o policial é cidadão, que não permitir a candidatura é ter um direito político subtraído. Isso é verdade, mas é preciso entender que a carreira policial e a carreira militar tem ônus e bônus. É um ônus não poder se candidatar, mas é um bônus ter uma aposentadoria especial que permite que se aposente mais cedo", ponderou.
Perfil constitucional
O trabalho das forças de segurança no Distrito Federal poderia apresentar resultados ainda melhores se houvesse uma mudança na estrutura do Estado para conter a violência.
O Distrito Federal é a única unidade da Federação que não dispõe de uma Central de Alternativas Penais, braço da segurança pública responsável por lidar com questões sociais, como por exemplo, a saúde mental.
A questão foi trazida à tona pela ex-procuradora-chefe do Ministério Público do DF e Territórios (MPDFT), Fabiana Costa. Ela lembrou que, por determinação constitucional, o DF tem características peculiares, que não podem ser comparadas às de estados ou de municípios. "O DF não pode se dividir em municípios, não temos uma constituição estadual, temos uma lei orgânica que se equipara à forma de organização de municípios", complementou.
"O DF não tem um Poder Judiciário próprio nem Ministério Público próprio. Quem custeia e disciplina tanto Judiciário quanto MP é a União. Da mesma forma, as polícias Militar, Civil e Corpo de Bombeiros são custeadas pela União", destacou Fabiana. "O DF utiliza essas forças com diretrizes de uma lei, que é federal. O DF tem uma autonomia que não é plena, é parcialmente tutelada", acrescentou.
Cooperação com ministério
Diminuir a fila de cirurgias eletivas e concentrar esforços na Atenção Primária à Saúde (APS) estão entre os desafios e metas traçadas pela Secretaria de Saúde do Distrito Federal (SES-DF). Mas a carência de servidores e as restrições orçamentárias configuram como impasses, apesar dos recursos repassados pela União ao Distrito Federal.
Convidada do painel temático no evento Entre os Eixos do DF, Durante o debate, a secretária de Saúde, Lucilene Florêncio, listou problemas da pasta e apresentou soluções.
Como todos os participantes do encontro, a secretária defendeu a manutenção do Fundo Constitucional do DF. "Ele é fundamental, porque compõe a folha de pagamento dos 34 mil servidores da Saúde", detalha. "É um pilar fundamental para a manutenção de uma saúde [pública] de excelência. Precisamos estar unidos nessa causa, uma vez que o DF é uma sede administrativa que comporta os Três Poderes da República. Não podemos, de maneira alguma, abrir mão dessa vocação", reforçou a gestora.
Sobre a situação da rede pública de saúde, que tem recebido muitas reclamações por parte da população, Lucilene explicou que a pandemia causou uma queda de arrecadação de impostos, ao mesmo tempo que a demanda por serviços médicos aumentou. A secretária de Saúde também destacou o tamanho da população que a rede atende, que não se limita apenas às fronteiras do DF, que tem cerca de 3 milhões de habitantes. Os moradores dos municípios integrantes da Região Integrada de Desenvolvimento Econômico (Ride) buscam a rede da capital quando precisam de atendimentos mais complexos, o que totalizaria uma população de cerca de 7 milhões de pessoas atendidas pelo DF.
Segundo a titular da pasta, 30.418 pessoas aguardam na fila de cirurgias eletivas, incluindo residentes da capital e da Região Integrada de Desenvolvimento do DF (Ride). "A pandemia nos deixou um legado de uma fila de cirurgias eletivas, que hoje constrange falar, mas tenho certeza que vamos conseguir resolver o problema", disse Florêncio.
Ela contou o esforço conjunto articulado para superar essa dificuldade. "Na terça-feira, fomos conversar com a ministra da Saúde (Nísia Trindade). Por ser Brasília a sede do Conselho Nacional de Secretários de Saúde, o Conass, todos os secretários vieram para cá. E a dra. Nísia propôs uma agenda de resposta rápida por parte de todos os estados, para que pudéssemos estar enfrentando a fila de cirurgias", relatou a secretária.
O acordo, que contou com o apoio do Ministério Público, do Controle Social e Segurança Jurídica, é um contrato firmado com sete hospitais particulares da cidade, para a estipulação de um tempo mais rápido para a realização de cirurgias. A proposição, segundo a secretária, é realizar 3.233 procedimentos cirúrgicos de hérnia inguinal, hérnia umbilical, vesícula e retiradas de úteros. "Vem para nós um fundo de apoio no valor de R$ 600 milhões para o Brasil. que vai ser rateado para todos os estados e o DF", frisou Lucilene. No entanto, o déficit na mão de obra da rede pública segue sendo o principal problema para o avanço.
Os dados da SES-DF mostram que há 5 mil cirurgias classificadas em vermelho. Dessas, as principais demandas são por procedimentos oftalmológicos, ortopédicos, urológicos e proctológicos.
Há, ainda, uma outra demanda reprimida, que, segundo a secretária, é resultado da pandemia. "Estamos falando do tratamento da saúde mental, que é cara e importante para nós. A pandemia nos trouxe comprometimento psíquico com pacientes sequelados por AVC, por exemplo, ou aqueles com doenças pulmonares e mentais, que adoeceram por perda de emprego, por questões financeiras", finalizou.
Apesar dos desafios, a secretária disse ser possível encontrar soluções. E disse contar com a experiência de 32 anos como servidora pública para entender e enfrentar as dificuldades.