Cartões, documentos pessoais, certidões e cadernetas apreendidos na casa alugada por Horácio Carlos Ferreira, 49 anos, — preso por participar da chacina familiar — corroboram para a hipótese de que os crimes ocorreram por motivo financeiro. O material estava no cativeiro onde os criminosos mantiveram como reféns a sogra da cabeleireira Elizamar da Silva, 39 anos, Renata Juliene Belchior, 52; a filha dela, Gabriela Belchior; a ex-mulher de Marcos Antônio Lopes, 54, Cláudia Regina, e a filha do casal, Ana Beatriz. Nesta segunda-feira (23/1), sob o clima de comoção e revolta, familiares e amigos clamaram por Justiça durante o sepultamento de Elizamar e das crianças. O velório ocorreu no Cemitério de Planaltina de Goiás.
O imóvel onde as vítimas ficaram em cárcere está localizado no Vale do Sol, entre o Vale do Amanhecer e o Arapoanga. Lá, as quatro mulheres foram vendadas, amordaçadas, amarradas e colocadas em cômodos diferentes. Em depoimento prestado à polícia, Horácio contou que a intenção era fazer o máximo de transações financeiras das vítimas para a conta dos criminosos. Nesta segunda-feira, a Polícia Civil (PCDF) divulgou as fotos dos itens apreendidos: são ao menos oito cartões (crédito e débito), documentos pessoais (CNH e RG) e talões de cheque.
O que chama a atenção dos policiais são as anotações financeiras das vítimas. Em um caderno amarelo, os sequestradores escreveram os nomes de Gabriela, Renata e Ana Beatriz. Abaixo, indicações de quanto cada uma teria nas contas, as senhas dos cartões, bem como dados pessoais, como o CPF, nome completo e agência bancária.
A tese de que o dinheiro teria sido motivo para o plano macabro ganha mais força com o dinheiro encontrado na conta de um dos suspeitos, um montante no valor de R$ 40 mil. Além disso, durante as buscas na semana passada, os investigadores da 6ª Delegacia de Polícia (Paranoá) encontraram R$ 15 mil em espécie na casa de um dos envolvidos. No próprio interrogatório, Horácio assumiu que a intenção era auferir o dinheiro de Renata, um total de R$ 400 mil referente à suposta venda de uma casa em Santa Maria. As investigações descobriram, ainda, que, em dezembro, Cláudia também lucrou R$ 200 mil com a negociação de um imóvel no Paranoá.
Presos
Além de Horácio, foram presos Gideon Batista, 55, e Fabrício Silva Canhedo, 34, por participação nos crimes. Gideon foi capturado no Recanto das Emas, na semana passada. Embora mantivesse o silêncio ao ser questionado sobre os fatos, o carro dele, um Renault Scenic, foi capturado por câmeras de segurança de um posto de combustível do Paranoá, horas antes de o automóvel da cabeleireira ter sido encontrado carbonizado em uma via de Cristalina (GO). Nas imagens, Gideon chega ao estabelecimento e, em 10 minutos, compra um galão de gasolina, o que, para a polícia, seria usado posteriormente para queimar Elizamar e os filhos dela, Gabriel, 7, e os gêmeos Rafael e Rafaela, 6, dentro do veículo.
Fabrício, por sua vez, atuou na vigilância da casa onde as quatro mulheres foram mantidas em cárcere. Era ele quem ficava responsável por observar qualquer movimento suspeito e alimentar as vítimas. No quintal da mesma casa, cães farejadores do Corpo de Bombeiros encontraram o cadáver de Marcos enterrado em uma cova de 50cm de profundidade. O corpo estava esquartejado e degolado. Os sequestradores utilizaram, ainda, cal ao redor da cova, para disfarçar o odor, mas sem sucesso.
A identificação do quarto suspeito, Carlomam dos Santos Nogueira, 26, veio após peritos papiloscopistas da PCDF identificarem impressões digitais dele deixadas no cativeiro e no carro de Gideon. Ao longo do dia de ontem, os policiais estiveram na rua para capturá-lo, mas, até o fechamento desta edição, o homem não havia sido localizado. Carlomam é integrante da facção paulista Primeiro Comando da Capital (PCC) e acumula antecedentes criminais por porte ilegal de arma de fogo, roubo, receptação e corrupção de menores. Em 2018, ele foi alvo de uma operação por atuar de dentro do Complexo Penitenciário da Papuda para a organização criminosa, com a transmissão de bilhetes para outros internos e batismo de novos membros.
O delegado-chefe da 6ª DP, Ricardo Viana, informou que aguarda o laudo dos dois corpos do sexo feminino encontrados carbonizados em uma via de Unaí (MG). O carro onde estavam os cadáveres pertencia a Marcos Antônio. "Será crucial para as investigações", finalizou. Ainda ontem, os policiais apreenderam um carro vinculado a Horácio Carlos. O veículo é uma Parati e estava abandonado na região do Paranoá Parque há algumas semanas.
Tristeza e justiça
Com muitos gritos de pedido de justiça, os corpos de Elizamar da Silva, de 39 anos, e dos três filhos foram enterrados na tarde desta segunda-feira (23/1), no Cemitério Municipal Redenção em Planaltina (GO), cidade natal da cabeleireira. Durante o enterro, Ivonilson Silva, 23, filho mais velho de Elizamar, emocionado, contou à reportagem que quer lembrar da mãe da melhor forma possível. "Tudo que eu precisei ela cuidou de mim, do melhor jeito que pôde. Só vou ter lembranças boas dela, querida por onde passou", contou.
O filho disse que os familiares estão destruídos com o ocorrido e que espera medidas. "Justiça. Que esses caras paguem pelo o que fizeram com a minha mãe e com meus irmãos. Desejo tudo de pior para essas pessoas que fizeram isso com a minha família", disse.
Ismael Rocha, irmão da cabeleireira, reforçou que a família está inconformada com o crime: "Essa situação comoveu o Brasil, imagina nossa família, que está despedaçada". Ele ainda compartilhou o que sentiu com a partida da irmã. "Mais uma vez, sem palavra, sem sentimento. Parece que estou flutuando na terra, não só eu, mas toda a família. É uma sensação que nenhuma família deve ter vivido, de perder tantas pessoas de uma vez só. O sentimento da dor é grande, a justiça não vai trazer ela de volta para a gente, mas vai amenizar a dor", completa Ismael.
Elizamar nasceu em Planaltina de Goiás, mas mudou-se para Santa Maria, no DF. A família materna mora na cidade do Entorno até hoje. A mãe da cabeleireira permaneceu o tempo todo perto dos caixões. Em alguns momentos, precisou se sentar, por conta das emoções. A família pediu para o velório ser adiantado em uma hora.
O espaço para o enterro foi cedido pelo Cemitério Municipal Redenção e a prefeitura do município ajudou com os custos da funerária. A família de Elizamar informou que não foi feita nenhuma vaquinha ou financiamento compartilhado para ajuda nos custos, ao contrário do que foi divulgado popularmente.