A cultura é uma energia transformadora e pode ser usada como uma arma contra a violência e o abandono. O Mercado Sul, em Taguatinga Sul, viu sua realidade mudar ao longo dos últimos oito anos, nos quais o espaço foi ocupado por coletivos artísticos. O que antes era um conjunto de imóveis abandonados, hoje tem a cultura pulsando nos becos e vielas.
Além de levar diversas linguagens desse universo para a região, a ocupação na QSB 12/13 proporcionou mais qualidade de vida à comunidade. Eli Ferreira, 41, mora no Mercado Sul desde 2012. Ela garante que muita coisa mudou desde a chegada do movimento e destaca a questão sanitária. "Lojas estavam abandonadas por décadas, havia acúmulo de lixo, ratos e baratas. O tráfico de drogas tinha forte presença no Mercado Sul. Os criminosos vendiam entorpecentes nas portas dos estabelecimentos abandonados", relembra. "São problemas que ficaram no passado. E iniciativa leva arte para a comunidade, como oficinas de capoeira, teatro e espaços de vivência para as crianças", completa Eli, produtora cultural e poetisa.
Quem acompanha tudo isso desde sempre é Ramona, nome artístico de Juliana Letícia, 23. Ela estava entre os primeiros a se instalarem no espaço e ainda mora na região, onde está à frente do Estúdio Molotov, de produções audiovisuais voltadas para artistas periféricos. Ramona também faz parte do coletivo de dança vogue Casa de Onija, um dos pontos de resistência LGBTQIA do Mercado Sul. "Fui uma criança que cresceu aqui. Hoje, sou formada em audiovisual, mas foi aqui que descobri o cinema, pelos cineclubes, e uso essa arte para trazer luz para essas populações historicamente marginalizadas", recorda a artista.
"O Mercado Sul trouxe autonomia para famílias de baixa renda, e com a minha não foi diferente. Minha mãe conseguiu construir o próprio restaurante, onde serve a culinária tradicional do Nordeste, um negócio que atende a própria comunidade", conta Ramona. Ela e a mãe são indígenas potiguaras de Ceará-Mirim (RN). "Aqui, trabalhamos com a diversidade de formações e manifestações artísticas e políticas. O Mercado Sul, inclusive, ajudou a mim e a minha mãe a resgatar as nossas origens enquanto indígenas", comemora.
Resistência
O fotógrafo Webert da Cruz é atuante no Mercado Sul e membro da Casa de Onija. Ele destaca a região como um ponto de resistência para a comunidade LGBTQIA e de importante bagagem histórica dos tempos da construção de Brasília. "Ano passado, ganhamos em primeira instância o direito de ainda permanecermos nas lojas. A Justiça reconheceu o bem que a ocupação cultural faz para a comunidade e para os espaços que estavam ociosos, muito embora a lógica econômica de poder e política da especulação imobiliária sejam forças difíceis de derrotar", analisa Webert.
Em seu trabalho de conclusão do curso de jornalismo, Webert se debruçou sobre a história dos primeiros anos da apropriação do coletivo Mercado Sul Vive (MSV), movimento que reúne artistas, produtores, comunicadores e moradores do Mercado Sul em prol da preservação do patrimônio material e imaterial do local. O grupo reivindica moradia, trabalho e direito ao uso cultural dos espaços abandonados, que antes limitavam significativamente a proteção do bem-estar da vida comunitária. Demandam, ainda, a desapropriação de alguns imóveis que estavam em ruínas antes das melhorias realizadas pela comunidade no conjunto de três blocos enfileirados de 28 lojas cada um. A noção de que ter uma moradia é igualmente cultura é uma das premissas mais importantes do movimento.
"O Mercado Sul é um lugar histórico da capital e que tem abrigado populações que não couberam na ideia da capital do futuro, moderna. Gente do mundo inteiro já passou por aqui. E é algo que vem há décadas sendo construído. A cena cultural do Mercado Sul não é de hoje, e continuamos firmando o chão, reafirmando a ocupação desse espaço de esperança, do encontro, da arte", afirma Webert. Ele ressalta que o Mercado Sul faz parte de um movimento cultural histórico maior desempenhado por Taguatinga, que resistiu durante o período da ditadura militar no Brasil.
Celebração
Os oito anos da ocupação do Mercado Sul serão completados no próximo mês. Para celebrar a existência do movimento, a comunidade local vai promover uma ecofeira em 11 de fevereiro. Serão várias atrações, de oficinas e feijoada a shows musicais. (Veja programação abaixo)
Programação da Ecofeira
11 de fevereiro
- 13h: feijoada da Sônia
- 13h: roda de debate sobre os oito anos de apropriação do Mercado Sul
- 14h: roda de capoeira
- 15h: Oficina de Ervas e Ciclos com Senhora Verde
- 16h: a Casa Onija promove a vivência BallRoom — Mercado Sul
- 17h: Diele Mendes apresenta o espetáculo As aventuras de Goyá na Agrofloresta
- Programação noturna, até meia-noite: apresentações de Calliandras, Jucá, Samba de Roda com Formigueiro Angola, Rick Paz e Kirá
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