No dia seguinte aos atos golpistas, em Brasília, o que levou a uma intervenção federal na Segurança Pública do DF, o procurador-geral de Justiça do DF, Georges Seigneur, criou o Grupo de Gestão de Crise para acompanhamento da situação. Ele é o coordenador e está pessoalmente atuando para agilizar as providências.
Foi criado, também, pelo Ministério Público do DF e Territórios (MPDFT) um canal específico de comunicação para receber denúncias relativas aos ataques às instituições públicas. No caso, para que sejam enviados vídeos, fotos ou qualquer conteúdo que possa contribuir para as investigações pelo e-mail falecom@mpdft.mp.br.
Para apurar a responsabilidade civil de órgãos e agentes públicos distritais, a Promotoria de Defesa do Patrimônio Público e Social (Prodep) instaurou Inquérito Civil, apontando "a lesão grave, injusta e intolerável a valores e a interesses fundamentais da sociedade e ao regime democrático".
O procurador Georges Seigneur, no início da semana passada, já havia expedido ao GDF a recomendação de afastamento da cúpula da Polícia Militar. "Não podemos permitir que ataques como os de 8 de janeiro fiquem impunes", afirmou. Confira a íntegra da entrevista.
Qual está sendo a atuação do MPDFT em relação aos atos criminosos do dia 8?
Importante ressaltar que o Ministério Público busca a resposta imediata para a responsabilização individual dos graves crimes cometidos contra o poder público. O MPDFT, como guardião da ordem jurídica democrática, não pode permitir que ataques como os de 8 de janeiro fiquem impunes. Embora tenhamos atribuições bastante restritas, porque a maioria dos crimes cometidos é de competência federal, estamos colaborando na realização das audiências de custódia, para as quais destacamos 20 promotores que trabalharam intensamente, inclusive no final de semana. Para se ter uma ideia, em situações normais, costumamos ter apenas três promotores de Justiça para esse fim.
Em que outras frentes está sendo possível atuar?
Estamos atuando de forma enérgica em diversas frentes, como o controle e a fiscalização do sistema prisional, o controle externo da atividade policial e a apuração da responsabilidade civil pelos danos causados ao patrimônio público imaterial, que já é objeto de um inquérito civil. Nosso foco, neste primeiro momento, é na reunião de informações que nos possibilitem acompanhar e assegurar que as investigações sejam conduzidas adequadamente, especialmente no campo da responsabilização por eventuais crimes e ações de responsabilização dos envolvidos.
O senhor participou, na sexta-feira passada, da reunião do gabinete de crise instalado pela governadora em exercício, Celina Leão, no Palácio do Buriti. Como foi a sua participação e avaliação?
Demandamos informações para diversos órgãos do governo local. Entre eles, as secretarias de Estado de Segurança Pública, de Administração Penitenciária e de Proteção da Ordem Urbanística, a Polícia Civil, Polícia Militar, PRF no DF, DER, Detran, Caesb, além da Neoenergia e de outros órgãos do governo federal. Esse encontro foi importante para reforçar a urgência desses dados para que o MPDFT consiga acompanhar e analisar, à luz de outras informações que possuímos, a abertura de eventuais processos investigativos. É um momento de apuração importante para fortalecer os próximos passos de nossa atuação.
Brasília, em 2009, passou por gravíssima crise institucional devido ao escândalo Caixa de Pandora. Além de políticos, atingiu até integrantes do MP. Também esteve ameaçada de intervenção federal. Mas não sofreu. O senhor avalia que agora seria um caso para tal medida?
Veja, são situações diferentes. O que ocorreu nesta semana foi um ato de violência contra os Três Poderes da União. Estamos falando de um ataque motivado pela contestação de uma eleição, que já foi integralmente legitimada pela Justiça Eleitoral. De um ataque a instituições que constituem os pilares da nossa democracia. Então, não é uma questão de domínio restrito à esfera distrital, embora Brasília seja a cidade mais impactada.
O senhor avalia que houve sabotagem ou negligência das forças de segurança do DF?
Essa resposta, nós não temos ainda. Estamos apurando as informações e temos uma responsabilidade institucional que não nos permite opinar sem evidências concretas. Os promotores de Justiça com atribuições na área militar e de controle externo da atividade policial estiveram presentes durante a intervenção, acompanharam o trabalho das forças policiais e da Secretaria de Segurança Pública. Mas o que foi acompanhado naquele momento precisa ser confrontado com outras informações. É nisso que estão trabalhando.
O senhor acha que a autonomia política do DF deve ser preservada?
Acredito que a autonomia política local é um modo de fortalecimento da democracia, pois dá voz às populações locais, que podem buscar iniciativas mais imediatas para melhoria de suas condições. Precisamos, como é comum na democracia, atuar para que o sistema sempre seja aperfeiçoado e represente uma melhor governança com respeito, claro, à vontade popular.
Em início de mandato, o senhor foi recentemente empossado, quais as metas de sua gestão?
O Ministério Público do DF e Territórios evoluiu muito nos últimos anos. Investimos bastante em tecnologia e no aprimoramento das atividades investigativas. Uma das principais metas de minha gestão é incentivar novos projetos voltados ao uso dos recursos digitais. Hoje, para se ter uma ideia, já não temos processos físicos no MPDFT. Todos estão digitalizados e permitem o acesso de quaisquer dispositivos, inclusive móveis. Isso facilita o trabalho do promotor, imprime agilidade e transparência para as partes envolvidas.
Como o senhor definiria seu perfil na gestão da instituição?
Posso dizer que será uma gestão com dois olhares. Um que se volta à sociedade, destinatária dos nossos serviços, e outro voltado à valorização de nossas equipes, que se mostram altamente comprometidas, principalmente nos momentos de crise, como foi durante a pandemia e agora, nestes últimos acontecimentos.
Como avalia que deve ser a relação do MP com o GDF e a Câmara Legislativa?
Uma relação de diálogo e respeito às atribuições das instituições. Integrei as duas últimas gestões do MPDFT, atuando como chefe de gabinete e na área de relações institucionais, inclusive a parlamentar. Então, posso afirmar que tenho atuação e experiência fundamentadas no diálogo. O que se busca é o melhor resultado para a sociedade, que paga os nossos salários.
Então, deve-se buscar uma conciliação antes de levar questões ao Judiciário?
Quando as soluções são construídas de forma consensual, ganhamos todos, pois elas são mais efetivas. O Estado não é onerado e não há sobrecarga ao sistema de Justiça. Quando isso não é possível, temos o caminho da lei, que nos assegura as ferramentas necessárias para atuar na defesa dos direitos dos cidadãos.