Secretário da Fazenda e Planejamento do Distrito Federal entre 1991 e 1994, Everardo Maciel faz uma defesa veemente do Fundo Constitucional do DF (FCDF). Naquela época, recorda, ainda não havia a garantia dos recursos para as áreas de saúde e educação, então os gestores locais tinham de recorrer ao Tesouro Nacional para custear essas duas áreas. "Vivi essa humilhante via-crúcis", lembra Maciel. "O Fundo Constitucional tão somente consolidou o que já era praticado, sem a exigência das romarias", acrescenta. Ele considera a gestão compartilhada dos recursos, além de inconstitucional, inviável de ser implementada. E apresenta soluções para o impasse. Diz ser possível, por exemplo, uma cooperação entre o DF e a União na implementação de políticas públicas, por meio de leis complementares. Sugere, ainda, a criação de uma força especial de segurança, também por lei ordinária, sem ferir a autonomia do DF. Há mais de 40 anos na capital da República, o ex-secretário da Receita Federal tem uma ideia sustentável para a cidade onde escolheu viver: um programa de coleta de frutas nas vias públicas, a fim de evitar desperdício e servir de alimento em restaurantes populares. "É uma ideia muito simples e despretensiosa", diz Maciel.
O Fundo Constitucional é vital para a autonomia administrativa do Distrito Federal. É possível ter uma gestão compartilhada entre GDF e governo federal do FCDF sem ferir essa autonomia? Se é possível, como se daria?
Não é possível. A gestão compartilhada do Fundo Constitucional seria ofensiva à autonomia do DF, como prevista na Constituição de 1988, além de operacionalmente inviável. Tal entendimento, contudo, não elide, no plano da execução das políticas públicas, a cooperação entre entes federativos no âmbito do federalismo cooperativo, cujo disciplinamento por leis complementares foi previsto no parágrafo único do art. 23 da Constituição. Até hoje, entretanto, passados mais de 32 anos, não foram editadas essas leis.
O que senhor sugeriria como saída para resolver essa crise entre poderes iniciada no domingo passado com invasão aos prédios dos três poderes?
Invasão de prédios públicos não é novidade em Brasília, embora se reconheça que a de 8 de janeiro tenha sido a maior e a mais grave delas. Na opinião de um leigo em relação à matéria, entendo que a proteção dos próprios da União, em Brasília, poderia ficar a cargo de uma força policial especial, análoga à força nacional, subordinada ao Ministério da Justiça e Segurança Pública. Essa iniciativa poderia ser implementada por projeto de lei ordinária, sem ofender a autonomia do Distrito Federal.
Passados quase 63 anos de sua fundação, Brasília ainda não conseguiu construir uma economia que dependa menos dos financiamentos da União, embora no caso da segurança pública essa seja uma responsabilidade federal, dado que Brasília é a capital dos Três Poderes da República. Qual o caminho para reduzir essa dependência?
Brasília é uma cidade administrativa e diferenciada em relação aos estados e municípios. Justamente por isso, é o Distrito Federal. Afastar Brasília de sua vocação federativa seria uma profunda inconsistência. Além do mais, a partilha de rendas públicas é inerente ao federalismo brasileiro, como previsto na Seção VI, Capítulo I, Título VI da Constituição, em que se sobressaem os Fundos de Participação dos Estados e dos Municípios.
O senhor mora em Brasília há mais de quatro décadas, como vislumbra a capital daqui a 20 anos? O que pode ser feito pela preservação da cidade que é patrimônio da humanidade?
Tenho dificuldades de vislumbrar o que vai ocorrer em qualquer parte do mundo, no próximo ano e muito menos daqui a 20 anos. Há um inédito acúmulo de incertezas, no âmbito internacional: mudanças climáticas, conflitos bélicos atuais e potenciais, pandemias e suas consequências sobre a saúde e fome dos vulneráveis, recrudescimento da inflação nos países desenvolvidos, baixo crescimento econômico e possível recessão, crise energética, etc. O Brasil e, portanto, Brasília se inscrevem nesse cipoal de incertezas. Quanto à preservação desta cidade patrimônio da humanidade, eu começaria revertendo de forma vigorosa as invasões de áreas públicas, especialmente nos setores comerciais, que desfiguram a cidade e têm a mesma natureza da invasão de prédios públicos, embora menos espetaculosa.
A autonomia política do DF foi um acerto?
É fato com amparo constitucional. Já não cabe avaliar se foi acerto ou erro.
Quando e como surgiu a ideia de criar um fundo constitucional?
Fui secretário da Fazenda e Planejamento do DF, entre novembro de 1991 e dezembro de 1994. As transferências para a área de segurança pública eram relativamente tranquilas, ao contrário daquelas destinadas à educação e à saúde, que demandavam romarias mensais à Secretaria do Tesouro Nacional, sem falar da permanente atenção às respectivas dotações orçamentárias com acompanhamento no Congresso Nacional. Vivi essa humilhante via-crúcis. Se o legislador constitucional conferiu autonomia ao DF era indispensável que fossem assegurados os meios para tal. O Fundo Constitucional tão somente consolidou o que já era praticado, sem a exigência das romarias. A norma constitucional que o viabilizou é de 1998 e a lei que o implementou é de 2002. Nessa época eu ocupava o cargo de secretário da Receita Federal.
O senhor é um apaixonado pela cidade, conte-nos o que é a sua ideia de fazer um inventário das árvores frutíferas da capital.
É uma ideia muito simples e despretensiosa. Brasília, notadamente no Plano Piloto, tem muitas árvores frutíferas, como jaqueiras e mangueiras. Na estação própria, as frutas amadurecem e, não sendo colhidas, formam entulhos que reclamam trabalhos dos serviços de limpeza urbana. Creio que seria interessante instituir um programa de coleta, que geraria empregos, reduziria a demanda por serviços de limpeza e os frutos colhidos poderiam ser servidos, in natura ou como ingrediente na produção de alimentos, em restaurantes populares, creches e outros recintos sob gestão governamental.
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