A Universidade de Brasília (UnB) espera a redistribuição de R$ 1,5 bilhão liberados às instituições federais de ensino superior para igualar ao orçamento que as universidades tinham em 2019. A informação foi dada pela reitora Márcia Abrahão, entrevistada no CB.Poder — parceria de Correio e TV Brasília — de ontem. Ao jornalista Carlos Alexandre de Souza, a acadêmica também afirmou que a disponibilização de recursos e o alinhamento de discurso com o Executivo federal pode trazer dias melhores para as instituições. "Nós reitores, de fato, estamos com muita esperança e expectativa positiva", ressaltou.
Qual é a sua expectativa, como reitora, com esse novo momento que está começando?
Nós, reitores, de fato, estamos com muita esperança e expectativa positiva. Fomos todos convidados para a posse do presidente da República. Ficamos até desacostumados com esse tratamento. Voltamos a ser tratados por magníficos (forma cerimoniosa, é frequente designar o reitor como "magnífico reitor"). Ontem, na posse do ministro da Educação, ele começou o discurso cumprimentando os reitores e professores do país. Isso nos dá uma esperança de fato, inclusive em termos orçamentários. Há uma sinalização, com aprovação da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) da Transição houve a colocação no orçamento do Ministério da Educação (MEC) para as instituições federais de ensino superior a R$ 1,5 bilhão a mais. Isso equivale — somando ao orçamento de 2022 para 2023 — ao da faixa de 2019, que é o que nós pleiteamos: recompor, ao menos, o orçamento aprovado para 2019. Isso vai dar 30% a mais do que estava previsto pelo governo Bolsonaro para as universidades e institutos federais este ano. Só que o anexo da aprovação da Lei Orçamentária não foi colocado, especificamente, nas universidades, mas integralmente no MEC. Agora, nós precisamos dialogar com o ministro (da Educação) Camilo Santana, para que esse orçamento seja distribuído proporcionalmente.
É um momento, de fato, diferente?
Completamente diferente. Primeiro, de respeito à educação, à ciência e tecnologia. Ontem, estive na posse da ministra (da Ciência, Tecnologia e Inovações) Luciana Santos, que fez discurso nesse sentido. Um país não se desenvolve sem educação, ciência e tecnologia fortes. O ano de 2022 foi mais um ano dramático dos quatro que nós vivenciamos. Eu, como assumi no final de 2016, peguei reduções orçamentárias desde o meu primeiro mandato. Se formos sentar para contar, dá vontade de chorar. Em 2017, houve uma queda de 50% no orçamento, nós tivemos que fazer reduções dramáticas, no nosso custeio, porque, como nós temos estudantes com vulnerabilidade socioeconômica, precisamos ter uma atenção especial para eles também. Nós tivemos que fazer remanejamentos internos e trabalhamos muito com o Congresso Nacional. Foram anos dramáticos. De 2019 para cá, além desses cortes orçamentários, tivemos o desrespeito à educação, às universidades e à ciência e tecnologia. A UnB, como uma universidade de vanguarda, criada por Darcy Ribeiro com esse propósito, foi frontalmente atacada logo no primeiro ano do governo Bolsonaro, quando nós fomos acusados de fazer balbúrdia. Como consequência é um corte de 30% no nosso orçamento. Ontem, a ministra Luciana lembrou que as universidades não fazem balbúrdia, e sim a produção do conhecimento fundamental para o desenvolvimento do país. O ministro da Educação salientou que a universidade é um local de pensamento crítico, democrático e livre. Nós não temos como criar amarras e nem podemos. Senão, nós não vamos desenvolver jamais a população e o país.
Recentemente, a lei de cotas completou 10 anos, e a UnB é uma pioneira na aplicação dessa legislação. Quais são os pontos da universidade em relação a isso?
Como você bem mencionou, nós somos pioneiros nas (cotas) raciais e depois implantamos as cotas sociais com a legislação de 2014. Mas é importante salientar que, mesmo com as cotas sociais, a UnB é a única universidade que mantém um percentual ainda exclusivo para cotas raciais (de 5%) e, em 2020, criamos cotas na pós-graduação. A nossa avaliação é que ainda temos que manter as cotas, porque é preciso fazer esse resgate da nossa sociedade. Nós não temos a mesma proporção, nas universidades, da parcela que corresponde a negros na população em geral, por exemplo. Não é só (aplicar) cota de ingresso, é preciso dar condições para essas pessoas permanecerem (na universidade). Por isso é importante ter todos esses recursos para a assistência estudantil.
Também fala-se do desempenho dos alunos cotistas. Como a senhora vê isso?
Hoje em dia, isso ainda tem uma discussão, mas muito pequena. Todos os dados mostram que isso não corresponde à realidade. Porque, mesmo em certos casos, quando o estudante ingressa com desempenho um pouco menor do que o estudante não cotista, ele ainda foi aprovado, porque até para concorrer nas costas, ele precisa ter uma nota mínima de aprovação. Ele tira essa diferença muito facilmente ao longo do curso. Isso não é algo que atrapalha o desempenho do estudante. O que atrapalha, de fato, é a condição socioeconômica, porque muitas vezes eles têm que trabalhar. E isso acaba atrapalhando o desempenho do estudante. Porque não consegue se dedicar integralmente à universidade. Por isso, é importante manter as cotas. Gostaria de lembrar também que a Universidade de Brasília também é pioneira nas cotas para indígenas. Temos muitos estudantes indígenas, ampliamos o ingresso de indígenas na nossa gestão. Mesmo com a redução de orçamento, nós ampliamos a inclusão de indígenas.
Políticas voltadas para os direitos humanos estão em pauta e são desenvolvidas pela universidade.
Como é feito esse trabalho?
Na nossa gestão nós criamos uma câmara de direitos humanos, que é uma espécie de conselho, vinculado ao conselho máximo da universidade, que é o conselho universitário. Criamos os prêmios Anísio Teixeira e Mireya Suárez para incentivar as ações e os projetos de direitos humanos na universidade. Em 2022, ano em que a UnB fez 60 anos, isso foi muito significativo. A UnB já tinha a Diretoria de Diversidade, vinculada a uma das nossas áreas, que é o Decanato de Assuntos Comunitários. Mas, ao criar a Secretaria de Direitos Humanos, além de dar uma visibilidade maior, tem mais ações e reafirma um compromisso maior. Agora é vinculada, diretamente, ao gabinete da reitora. Fiquei bastante empolgada com o discurso do ministro (dos Direitos Humanos e da Cidadania), porque está muito alinhado com o que a UnB pratica e que pretendemos fazer também. Óbvio que isso é um desafio enorme para a nossa sociedade, que ainda é racista, homofóbica e desigual. Tudo isso se reflete na universidade, mas nós estamos empenhados em dar melhores condições para nossa comunidade. Pretendemos ter mais novidades nos próximos meses na pauta de direitos humanos.
Outra pauta muito discutida é o desenvolvimento sustentável. O que a universidade está produzindo em relação a isso?
Desde que assumimos, em 2016, temos trabalhado o tema da sustentabilidade ambiental, porque é fundamental para sobrevivermos. Criei uma Secretaria de Meio Ambiente na universidade; conseguimos resolver todo o nosso passivo ambiental, que nós tínhamos até da criação dos campi de Ceilândia e Gama. Fizemos isso na Fazenda Água Limpa, reservando uma área de proteção ambiental. Hoje temos energia fotovoltaica em todos os campi. O campus do Gama é auto sustentável. Também fazemos compostagem, reaproveitamos toda a nossa poda. Todo o nosso adubo agora vem do nosso reaproveitamento. A universidade é forte na pesquisa também em várias áreas. Temos o Centro de Desenvolvimento Sustentável (CDS), que tem um programa de pós-graduação de nível internacional. A nossa área de ecologia também tem um programa de pós-graduação classificado como nível internacional. Temos pesquisadores no Instituto de Ciências Biológicas de altíssimo nível e muito respeitados. A professora Mercedes Bustamante, por exemplo, é uma das melhores pesquisadoras do Brasil.
*Estagiário sob a supervisão de José Carlos Vieira
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