Chacina no DF

Os detalhes da trama macabra que culminou em massacre familiar

Extermínio de 10 pessoas foi motivado pela quantia de R$ 2 milhões. Polícia explicou cada ato dos cinco criminosos, dos quais dois eram amigos das vítimas. Inquérito segue para apreciação do Ministério Público

Darcianne Diogo
postado em 28/01/2023 05:00
 (crédito: pri-2801-linha-tempo-crime)
(crédito: pri-2801-linha-tempo-crime)

A venda de um imóvel no valor de R$ 2 milhões desencadeou a trama macabra, planejada há mais de três meses, que resultou no extermínio de uma família inteira. A ação criminosa movida por cinco homens, incluindo amigos das 10 vítimas, abalou o país. Para a polícia, a motivação da barbárie está explícita. O objetivo era a posse de uma chácara e a eliminação de todos os herdeiros, conforme o Correio adiantou na edição de ontem. Para os acusados, ceifando a vida de toda a linha sucessória, as chances de alguém ter posse do imóvel seriam mínimas. A conclusão das investigações foram anunciadas nessa sexta-feira (27/1), em coletiva de imprensa, pela Polícia Civil do Distrito Federal (PCDF).

A maior chacina registrada no Distrito Federal começou a ser investigada após o desaparecimento da cabeleireira Elizamar da Silva, 37 anos, e dos três filhos, Gabriel, 7, e os gêmeos, Rafael e Rafaela, 6, caso noticiado pelo Correio, também em primeira mão. Foram três semanas de uma onda de terror, sequestros, extorsões e assassinatos com requintes de crueldade. Em 15 dias, a PCDF prendeu todos os envolvidos no massacre, apreendeu um adolescente, elucidou o crime e concluiu o inquérito. O documento foi enviado para apreciação do Ministério Público.

Apontado como o mentor da chacina, Gideon Batista de Menezes, 55 anos, era amigo próximo das vítimas e morava há mais de 10 anos no mesmo lote de Marcos Antônio Lopes, 54, da mulher dele, Renata Belchior, 52, e da filha do casal, Gabriela Belchior, 25, no Condomínio Entre Lagos, no Itapoã. Os dois criaram um vínculo de amizade, depois que se conheceram no Complexo Penitenciário da Papuda, na década de 1990, quando estiveram presos juntos. Ao sair do cárcere, Gideon passou a trabalhar para Marcos em uma agropecuária e foi morar na chácara de R$ 2 milhões.

Assim como Gideon, o segundo envolvido na chacina, Horácio Carlos, 49, também era amigo de Marcos, prestava serviços para ele e residia no lote, que estava sendo negociado por Marcos. Mesmo não sendo o proprietário da chácara, o patriarca da família articulava vender o local. Incomodados, Horácio e Gideon deram início ao plano macabro. A ideia era assassinar Marcos e toda a linha de sucessão hereditária, que incluía Renata; Gabriela; Elizamar e os três filhos; o marido da cabeleireira, Thiago Belchior, 30; a ex-mulher de Marcos, Cláudia Regina, 55; e a filha dela, Ana Beatriz, 19.

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pri-2801-linha-tempo-crime (foto: pri-2801-linha-tempo-crime)

Sequência perversa

A ação criminosa teve o primeiro passo em outubro, com o aluguel da casa que serviria de cativeiro para as vítimas posteriormente. Horácio fechou o negócio e, ao proprietário, falou que pretendia montar uma oficina de carros no local. A residência, situada no Vale do Sol, em Planaltina, era tida pelos vizinhos como abandonada, uma vez que ninguém era visto entrando ou saindo do imóvel.

As primeiras movimentações de pessoas no local começaram após o Natal do ano passado, segundo relataram testemunhas. Em 28 de dezembro, Horácio e Gideon se associaram a Carlomam dos Santos, 26, e Fabrício Canhedo, 36, para dar início ao plano da chacina.

A ideia era cometer um falso assalto à chácara de Marcos, Renata e Gabriela. "O Gideon estava do lado de fora da casa e facilitou a entrada de Carlomam. Dentro do imóvel, estava Horácio, que se passou por vítima. Carlomam e o adolescente entram armados no intuito de render os três familiares. Nessa hora, Marcos reage e é atingido com um tiro na nuca", detalhou à imprensa o delegado-chefe da 6ª Delegacia de Polícia (Paranoá), Ricardo Viana.

Ferido, Marcos foi enrolado em um tapete e colocado no carro de Gideon, um Renault Scenic. Renata e Gabriela foram amordaçadas, amarradas, vendadas e levadas ao cativeiro. "A todo momento, as vítimas não tinham conhecimento de que, quem estava por trás disso, era Gideon e Horácio, até porque os dois se fingiram de vítimas", acrescentou o delegado.

Ao chegarem na casa, o quarteto colocou mãe e filha em um dos cômodos e levou Marcos até a cozinha. Ainda vivo, o homem teve os braços e a cabeça arrancados. Depois, os criminosos cavaram uma cova rasa de 50cm e enterraram Marcos e os membros. O corpo foi encontrado em 18 de janeiro. Segundo o delegado, no momento em que viu Marcos sendo esquartejado, o adolescente de 17 anos — que chegou a ser apreendido pela polícia na terça-feira — se assustou e pulou o muro da casa, em fuga. Ele disse à polícia que receberia R$ 2 mil dos assassinos para o serviço.

Extorsão

Fabrício era o responsável por vigiar a casa e as vítimas. Era ele quem dava comida e levava as mulheres ao banheiro. Em troca, ficaria com parte dos R$ 2 milhões do imóvel. Oito dias depois, em 4 de janeiro, os assassinos usaram o mesmo modus operandi para sequestrar Cláudia e Ana Beatriz. Semelhante ao primeiro caso, Carlomam invadiu a residência de mãe e filha, no Lago Norte, rendeu as duas e as levou ao cativeiro.

Enquanto as quatro mulheres eram mantidas em cárcere, os criminosos as extorquiram. De acordo com as investigações, eles conseguiram retirar R$ 49.500 das vítimas. Durante as buscas, a polícia encontrou cartões de crédito e débito, talão de cheque, documentos pessoais e um caderno que continham anotações dos dados financeiros das mulheres.

Thiago foi a sexta pessoa a ser sequestrada, em 12 de janeiro. Entra em cena o quinto preso pela chacina, Carlos Henrique Alves da Silva, 27, responsável por buscar Thiago na chácara e levá-lo ao cativeiro. Antes disso, o rapaz havia recebido um falso bilhete com um termo usado por Marcos Antônio para tornar a mensagem convincente.

Na mesma noite, a cabeleireira Elizamar da Silva e os filhos foram atraídos para uma emboscada montada pelos criminosos. A mulher saiu por volta das 21h do salão onde trabalhava, na 307 Norte, após receber uma mensagem falsa enviada pelos assassinos, que se passaram por Thiago. Ao chegar na chácara de carro, ela e as crianças foram asfixiadas e mortas e, depois, levadas até Cristalina (GO), onde Gideon ateou fogo no veículo com os quatro corpos dentro.

Renata e Gabriela foram as próximas a serem levadas de carro até Unaí (MG), um dia depois de Elizamar, na manhã de 14 de janeiro. "Nessas ações de incendiar os veículos e corpos participavam Carlomam, Horácio e Gideon. Eles combinaram o que fariam com o Thiago, a Cláudia e a Ana Beatriz e sabiam exatamente onde iriam jogar os corpos", acrescentou Ricardo Viana.

A sequência de assassinatos perdurou até o dia 15, quando as últimas três vítimas, Thiago, Cláudia e Ana Beatriz, foram levados vivos de carro até o Núcleo Rural Santos Dumont, a cerca de 5km de onde estavam. Lá, Gideon, Horácio e Carlomam esfaquearam as vítimas e jogaram os corpos em uma fossa. Os cadáveres foram cobertos com pedras e cal, uma substância capaz de abafar o odor, mas sem sucesso. Na noite de segunda-feira, a polícia localizou os corpos, após um dos presos indicar a localização. "No período do planejamento do crime, a Cláudia vendeu uma casa no Núcleo Rural do Bálsamo, no valor de R$ 200 mil. Desse total, R$ 79 mil foram repassados em dinheiro vivo", finalizou o delegado.

Ainda nas investigações, a polícia descobriu que a mãe de Marcos também era um dos alvos. Ela chegou a receber ligação de Gideon informando que Marcos teria algo a lhe entregar, mas a mulher estava em uma viagem para Recife. 

 

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