A ministra da Cultura, Margareth Menezes, divulgou, nesta quinta-feira (12/1), o relatório preliminar com levantamento sobre os danos causados ao patrimônio público durante os ataques do último domingo. Elaborado por técnicos do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) e dividido em quatro partes, o documento faz um detalhamento dos bens móveis e imóveis danificados e traz fotografias do que foi depredado durante as manifestações antidemocráticas. "O prejuízo foi muito grande. A continuação desse trabalho vai demandar alguns meses", disse a ministra, em coletiva realizada na tarde de ontem.
Segundo Leandro Grass, que vai assumir a presidência do Iphan, o relatório é contundente e foi feito em tempo recorde. É o primeiro documento que dá conta dos seis espaços danificados: Palácio do Planalto, Congresso Nacional, Supremo Tribunal Federal (STF), Museu da Cidade, Espaço Lucio Costa e Praça dos Três Poderes. "Não vamos medir qualquer esforço para fazer a recuperação daquilo que possa ser recuperado e também permitir que a gente faça um processo de memória e reparação da democracia brasileira", disse. O trabalho será feito em conjunto por vários órgãos federais e locais. Para organizar esse processo de recuperação e restauro, a ministra Margareth Menezes propôs à Presidência da República, sob indicação do Iphan, a criação de uma comissão para definir e coordenar as ações.
Segundo o relatório, não há bens móveis nem imóveis que sejam irrecuperáveis entre as obras e o patrimônio danificados, mas alguns podem exigir mais esforço que outros, caso do relógio Balthazar Martinot confeccionado pelo relojoeiro de Luís 14, uma peça do século 17, presente da corte francesa para Dom João VI. Grass explica que algumas obras têm valor inestimável e não é possível estabelecer uma estimativa. "De maneira geral, a gente tem uma leitura que a maioria dos danos são reparáveis. Nossa leitura é que a maioria dos bens imóveis são reparáveis", explicou Maurício Goulart, coordenador técnico substituto da superintendência do Iphan.
A comissão sugerida pela ministra será presidida pela arquiteta Jurema Machado, ex-presidente do Iphan e ex- coordenadora de Cultura da Unesco no Brasil, e reunirá órgãos do governo federal numa força-tarefa que pode se ampliar para instituições do poder público local, como a Secretaria de Cultura do Distrito Federal, e para possíveis colaborações externas. "De segunda para cá, o Ministério da Cultura (MinC) e o Iphan receberam muito apoio técnico, não vai faltar energia, esforço e colaboração", disse Grass.
Os técnicos do Iphan visitaram todos os prédios invadidos e depredados durante os ataques para poder confeccionar o relatório. Segundo Goulart, a recuperação será feita em várias etapas. A primeira delas, que já está em curso, é a reposição de vidros e o reparo do chão e do forro. Para esses, há previsão nos contratos de manutenção predial de alguns órgãos, embora essa previsão não dê conta da enorme demanda resultante da quebradeira. É o caso também de parte do mobiliário do Congresso Nacional.
O Iphan ainda não fala em números tanto para o prejuízo financeiro quanto para a quantidade de obras danificadas, assim como não projeta uma estimativa de tempo para os restauros. "Ainda não há estimativa financeira de quanto vai custar", avisa Maurício Goulart. "Não sabemos o valor nem o tempo exato." Ele lembra que nem todos os bens são tombados como patrimônio material. O tombamento vale para o conjunto arquitetônico, mas boa parte dos bens móveis não entram nessa lista e muitos deles já foram recolhidos para avaliação. O relatório descreve o que foi encontrado, dá um quadro geral dos danos com registro fotográfico e servirá de guia para dar os próximos passos, além de conter uma lista de ações emergenciais.
Algumas delas são de médio prazo e demandam a elaboração de projetos mais detalhados. "As obras de arte têm valor incalculável e técnicas específicas para recuperação e apenas num segundo momento a gente vai ter a resposta sobre a reversibilidade ou não dos danos a esses elementos", garantiu Goulart. Segundo Leandro Grass, algumas dessas obras já foram, inclusive, encaminhadas para restauro. O relatório aponta, por exemplo, que o dano a uma pintura sobre madeira da Bandeira do Brasil, de autoria de Jorge Eduardo Rel, tem danos que podem ser irreversíveis. Em As mulatas, de Di Cavalcanti, há perfurações, abrasões e arranhões que podem ter sido feitos com pedaços de pedra portuguesa.
Também ainda não há definição quanto à origem dos recursos para os restauros. Assim como parte da reposição do mobiliário e vidros podem vir de contratos de manutenção existentes, os próprios órgãos, que têm orçamento para isso, também poderão custear parte dos restauros, mas Iphan e MinC não descartam doações e outras fontes. O piso da Praça dos Três Poderes é responsabilidade da Secretaria de Cultura do Distrito Federal, assim como o Museu da Cidade. "À medida que a gente for aprofundando as necessidades, cada órgão vai arcando com seu papel, inclusive orçamentário", explicou o técnico. "Tivemos muita oferta de ajuda de profissionais do mundo inteiro e a ideia é que esse grupo de trabalho possa coordenar esse esforço." Uma das opções de recurso descrita no relatório é o Fundo Patrimonial Mundial, que prevê modalidade de assistência emergencial de até US$ 75 mil.
Questionado sobre a possibilidade de os autores da depredação pagarem pelos danos, Maurício Goulart lembra que isso vai depender de decisão judicial. "Se o Judiciário entender que determinados responsáveis podem arcar, obviamente isso pode ser direcionado, mas ainda não se sabe se isso será possível ou não", disse.
Ajuda externa
A Organização das Nações Unidas para a Ciência e a Cultura (Unesco) foi uma das instituições internacionais que se prontificou a apoiar as ações de restauro e recuperação dos danos causados pelos ataques. Diretora representante da Unesco no Brasil, Marlova Noleto entrou em contato com o Ministério da Cultura para oferecer a ajuda da instituição. "O que conversei com a ministra Margareth Menezes é que a Unesco pode apoiar de todas as maneiras a recuperação para fazer o restauro e as alterações necessárias. Vamos trabalhar em conjunto", disse. "A partir do relatório, vamos definir os próximos passos."
A Unesco trabalha em cooperação técnica especializada com um conjunto de especialistas com experiência de restauro e reconstrução no mundo inteiro. "Em geral, o que se faz nesse tipo de situação é que existe a união de esforços com recursos públicos, privados e da Unesco com presença de especialistas", explicou. Marlova lembra que a destruição atingiu o conjunto arquitetônico tombado como patrimônio da Unesco, em 1987.
Restauro detalhado
Entre as obras em situação mais crítica estão As mulatas, de Di Cavalcanti, a escultura O flautista, de Bruno Giorgi, uma escultura de Frans Krajcberg e o relógio do século 17 de Balthazar Martinot, que ficavam no terceiro andar do Palácio do Planalto. Segundo Rogério Carvalho, nomeado curador da recém criada diretoria de curadoria dos palácios presidenciais, será preciso um trabalho de restauro extremamente detalhado.
Entre as ações emergenciais, uma delas é tirar a tela de Di Cavalcanti do chassi para que as sete perfurações realizadas com pedras portuguesas arrancadas com picaretas da Praça dos Três Poderes pare de trabalhar. “A sequência de batidas e perfurações foi bem no meio da obra. E isso, para a conservação do quadro, é um problema, porque se tivesse um ponto distribuído seria uma sutura localizada, naquele ponto, mas essa sequência ao centro prejudica a estrutura da trama do tecido do quadro, então é provável termos que fazer um reentelamento total”, explica Carvalho.
A obra de Krajcberg, uma escultura com pedaços de galhos, troncos e madeira, foi encontrada despedaçada por todo o andar. Quebrada em seis pontos, a peça vai ser reintegrada, assim como O flautista, de Bruno Giorgi. “Essa foi arremessada ao chão e partida em quatro pedaços, com a cabeça para um lado, mão para outro e tronco e membros divididos em dois pedaços”, lamenta Carvalho. O relógio de Balthazar Martinot do século 17 também está despedaçado, com a máquina inteiramente quebrada e a caixa feita em bronze e casco de tartaruga, desmembrada. Segundo o curador, a marca suíça Piguet se ofereceu para o restauro, mas ainda é preciso analisar se a ajuda será possível.
Rogério Carvalho também aventa a possibilidade de parte dos restauros serem realizados no próprio Palácio do Planalto, no qual seria montado um laboratório que poderia ser visitado pelo público. "Poderíamos usar essa possibilidade para a educação patrimonial. As pessoas visitaram o Planalto e poderiam ver o Di Cavalcanti sendo tratado aqui”, diz.
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Obras danificadas segundo o relatório
Palácio do Planalto
Bandeira do Brasil, de Jorge Eduardo Rel: danos que podem ser irreversíveis
As mulatas, de Emiliano Di Cavalcanti: perfurações contínuas na parte central da tela
O flautista, de Bruno Giorgi: a escultura em bronze está fragmentada em toda sua extensão
Escultura em madeira, de Frans Krajcberg: estrutura rompida em quatro pontos, sendo que em um deles houve completa separação do suporte
Relógio de Balthazar Martinot: completamente fragmentado em toda sua extensão, com fissuras, deformações e perdas.
Supremo Tribunal Federal (STF)
A Justiça: ficava na recepção e foi removida e arremessada do Palácio
Painel de Mármore de Athos Bulcão (Plenário): arranhão na peça de mármore próxima ao Brasão da República o
Escultura A Justiça (Praça dos Três Poderes):pichações
Câmara dos Deputados
Painel Ventania Athos Bulcão: tem danos pontuais
Vitral Pasiphae, de Marianne Peretti: danos pontuais no embasamento
Senado Federal
Tapeçaria de Roberto Burle Marx: rasgada e cortada
Painel vermelho de Athos Bulcão: danificado
Restauro detalhado
Entre as obras em situação mais crítica estão As mulatas, de Di Cavalcanti, a escultura O flautista, de Bruno Giorgi, uma escultura de Frans Krajcberg e o relógio do século 17 de Balthazar Martinot, que ficavam no terceiro andar do Palácio do Planalto. Segundo Rogério Carvalho, nomeado curador da recém criada diretoria de curadoria dos palácios presidenciais, será preciso um trabalho de restauro extremamente detalhado.
Entre as ações emergenciais, uma delas é tirar a tela de Di Cavalcanti do chassi para que as sete perfurações realizadas com pedras portuguesas arrancadas com picaretas da Praça dos Três Poderes pare de trabalhar. “A sequência de batidas e perfurações foi bem no meio da obra. E isso, para a conservação do quadro, é um problema, porque se tivesse um ponto distribuído seria uma sutura localizada, naquele ponto, mas essa sequência ao centro prejudica a estrutura da trama do tecido do quadro, então é provável termos que fazer um reentelamento total”, explica Carvalho.
A obra de Krajcberg, uma escultura com pedaços de galhos, troncos e madeira, foi encontrada despedaçada por todo o andar. Quebrada em seis pontos, a peça vai ser reintegrada, assim como O flautista, de Bruno Giorgi. “Essa foi arremessada ao chão e partida em quatro pedaços, com a cabeça para um lado, mão para outro e tronco e membros divididos em dois pedaços”, lamenta Carvalho. O relógio de Balthazar Martinot do século 17 também está despedaçado, com a máquina inteiramente quebrada e a caixa feita em bronze e casco de tartaruga, desmembrada. Segundo o curador, a marca suíça Piguet se ofereceu para o restauro, mas ainda é preciso analisar se a ajuda será possível.
Rogério Carvalho também aventa a possibilidade de parte dos restauros serem realizados no próprio Palácio do Planalto, no qual seria montado um laboratório que poderia ser visitado pelo público. "Poderíamos usar essa possibilidade para a educação patrimonial. As pessoas visitaram o Planalto e poderiam ver o Di Cavalcanti sendo tratado aqui”, diz.
Protesto na Rodoviária
Manifestantes se reuniram, ontem, na Rodoviária do Plano Piloto. Entoando gritos como "Fora Ibaneis". O grupo protestava contra os atos golpistas ocorridos no último domingo, cobrando punição aos responsáveis e afastamento definitivo do governador Ibaneis Rocha, o qual acusam de ter sido conivente.