Moradores de oito setores de 22 regiões administrativas do Distrito Federal podem perder as casas onde vivem. Segundo estudo elaborado pelo Serviço Geológico do Brasil (SGB), em parceria com a Defesa Civil, o Corpo de Bombeiros e as Administrações Regionais, cerca de 2,1 mil brasilienses estão em locais passíveis de deslizamentos, inundações, enxurradas ou comprometidas por processos de erosão. Outros 76 pontos também são listados para monitoramento constante. De acordo com o relatório, Planaltina, Núcleo Bandeirante e Riacho Fundo I são as cidades mais afetadas, com, respectivamente, 416, 376 e 372 pessoas vivendo em áreas de risco.
Um dos trechos da análise aponta que a expansão urbana fez com que uma parcela da população se assentasse em zonas que favorecem incidentes desta natureza. "Em determinados locais, ultrapassou espaços limítrofes dos topos de planaltos, ocupando áreas de cristas, encostas e rebordos erosivos, originando risco alto de deslizamento, bem como as de planícies de inundação, próximas aos rios e córregos, ocasionando risco alto de inundação", descreve.
O risco de desabamento em alguns imóveis é confirmado pela presença de trincas e rachaduras nas paredes e nos pisos. O crescimento desordenado, atrelado a precariedade da infraestrutura urbana, sem saneamento básico ou sistemas de drenagem, agravam a situação. O estudo aponta que sem medidas preventivas eficazes e sem ações de intervenção, o Distrito Federal pode enfrentar, em um futuro próximo, aumento considerável de zonas de perigo alto ou muito alto.
Para Tiago Antonelli, chefe da Divisão de Geologia Aplicada do SGB, a expectativa é que o governo atue de modo a salvar vidas. "O Serviço Geológico mapeou mais de 1.600 municípios. Mas o importante é que, em posse desse trabalho, eles conheçam as áreas e façam uma boa gestão. Que monitorem de perto e estudem, para realizar obras de intervenção ou, em último caso, a remoção das famílias antes das chuvas volumosas precipitarem", afirmou.
Sinais de risco
Embora a aparente sensação de segurança, o monitoramento constante é fundamental. Conforme especialistas em prevenção de catástrofes, o que parece um terreno normal pode esconder inúmeras ameaças. São trabalhadas três classificações de perigo: muito alto, alto e baixo. Embora a menor delas possa sugerir um risco menor e, com isso, menos cuidados, ainda deve ser observada com atenção. "Não existe risco zero. Ainda que uma moradia esteja em uma área segura, nunca podemos garantir que nada vai acontecer", explica Tiago.
Cruzando a probabilidade de uma região sofrer por eventos geológicos com a vulnerabilidade de uma moradia e a análise de campo, é possível aferir quanto um local foi afetado em uma determinada situação, levando em conta que o risco está sempre ligado à presença de pessoas.
De acordo com Newton Moreira de Souza, professor de cartografia geotécnica da Universidade de Brasília (UnB), a parcela menos favorecida da população é a mais acometida por esses problemas. "A verdade é que esse tipo de realidade atinge as camadas mais baixas da sociedade. Para pensar em evitar esses processos é preciso estar esclarecido da realidade", aponta.
O especialista reforça a necessidade da ação governamental, não só pontualmente, mas por meio de monitoramento constante, atrelado à ações de prevenção, de uma política habitacional eficiente e de investimentos em infraestrutura. "As pessoas não estão nesses lugares por escolha, é falta de opção. Devem recorrer ao poder público e o governo tem que oferecer programas e formas de auxiliar essa população a sair do risco. Não adianta interditar a casa da pessoa se ela não tem para onde ir. É preciso pensar em algo para auxiliá-las", avalia.
Perigo desconhecido
O Condomínio Vila Rabelo em Sobradinho II está entre as zonas mais suscetíveis a uma tragédia, segundo aponta o SGB. Na rua, é possível ver casas em locais íngremes e em encostas de grandes vales. Conforme relatos dos moradores, a chuva costuma levar tudo o que encontra pela frente, inclusive a brita que o governo coloca para facilitar a passagem de carros. Contudo, embora o risco iminente, confessam não sentir medo, mesmo morando ao lado de abismos.
Ao ser analisada de cima, a área não parece erodida. Porém, as casas estão posicionadas nas beiradas dos morros, o que a olhos vistos não transmite segurança. No entanto, os moradores garantem que não há risco, mesmo no período de chuvas. "Não desaba não, isso aqui é pedra dura. Perigoso é onde tem terra vermelha", diz Miguel de Sena Souza, 35 anos, que trabalha na limpeza da Escola Classe da Vila Rabelo. Ele está construindo uma extensão da casa, deixando-a mais próxima da encosta. "Nunca passei medo não", garante o trabalhador, que capina lotes nos tempos livres para complementar renda de uma família composta por ele, esposa, três filhos e dois cachorros.
Moradora do local há 40 anos, Maria José também não vê problemas em ter uma casa em frente a uma encosta. Ela vive com a filha, dois netos e o marido e admite que a fiscalização já passou algumas vezes para avaliar o imóvel e alertar sobre os riscos. "Não tenho medo porque é calcário, pedra e rocha. Moro aqui há 40 anos e nunca tive medo disso aqui desabar. São muitos anos aqui. Se fosse para cair, já tinha caído tudo", afirma a desempregada, que discorda dos agentes do governo.
Mesmo segura, a idosa reclama mais atenção do Estado. "A gente pede para que olhem por nós. Votamos por essas pessoas, queríamos apenas uma vida digna", cobra a mulher. "Tudo que eu tinha está investido aqui. Trabalhei 35 anos na UnB, coloquei tudo aqui", acrescenta, sem deixar de cobrar. "Um pobre tirar
R$ 800 para pagar o IPTU e não ter nada de volta, é muito triste. Como se gasta esse dinheiro se está difícil ter o que comer?", indaga.
O problema também foi identificado na Vila Rabelo 2, onde os imóveis foram erguidos nas encostas dos morros e estão na mesma situação de instabilidade. Os moradores não concordam com o estudo do SGB. "Moram cinco famílias e mais de 10 pessoas por aqui e nunca tivemos nenhum problema com chuvas nem deslizamentos. É bem tranquilo viver aqui", defendem os primos Fabiano e Lucas. Os dois afirmaram que jamais receberam algum tipo de fiscalização. "Moramos aqui há nove anos e nunca veio ninguém falar conosco", diz Fabiano.
Cuidado
De acordo com a Defesa Civil, áreas de risco são monitoradas constantemente, com a realização de "ações preventivas, de socorro, assistenciais e recuperativas, destinadas a evitar ou minimizar desastres, apoiando os órgãos de emergência, que realizam as primeiras intervenções". Isso se torna ainda mais frequente na época das chuvas, quando o perigo causado por riscos geológicos aumenta.
"São monitorados locais que tenham declive acentuado, erosões, que sejam próximos a córregos e demais cursos d'água, com precariedade de sistemas de drenagem de águas pluviais e ou de saneamento básico, que tenham fragilidades construtivas das edificações, que apresentem acúmulo de resíduos sólidos, como entulho e restos de obras, entre outros problemas", informa.
O órgão orienta que aqueles que estejam em terrenos nessas condições se retirem imediatamente. Caso percebam estruturas com dano ou que possam ser afetadas, devem contatar o Corpo de Bombeiros do DF (CBMDF) pelo número 193 e a Defesa Civil — 199.
*Estagiário sob a supervisão de Michel Medeiros
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