Deputado distrital reeleito para a próxima legislatura na Câmara Legislativa do Distrito Federal (CLDF), com a maior votação da história da Casa, Fábio Félix (PSol) falou sobre a gestão do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL). Para a jornalista Mariana Niederauer, no CB.Poder — parceria do Correio com a TV Brasília —, o parlamentar ressaltou a importância de que haja justiça de transição. "Tem muitas pessoas que cometeram crimes graves, nesse último período, e que não responderam por eles. A nossa história recente mostra que, quando não há justiça de transição, como no caso da mudança da ditadura civil militar brasileira para a democracia, você tem esquecimento e fragilidades na construção democrática", frisou. "Não se trata de revanchismo, mas de justiça para que esses crimes não sejam mais cometidos", destacou Félix.
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O que representou a posse do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) para a esquerda e para todos que estavam ansiosos por essa mudança de governo?
Acho que foi um momento muito marcante. É uma virada de página nesse país. A gente atravessou quatro anos difíceis, pela pandemia e por causa de um governo de extrema direita, que deixou muito a desejar em várias pautas. Na verdade, deixar a desejar é um eufemismo, cometeu crimes na condução de muitas políticas públicas. A principal delas foi na área de saúde, na gestão da pandemia. Mas tem outros escândalos, como os decretos de 100 anos de sigilo em documentos importantes e o desmonte da Lei de Acesso à Informação. Então, essa virada de página é um respiro, é oxigênio para a política e para a democracia brasileira.
O que representou, para toda a comunidade LGBTQIA+, e para seu partido, que tem essa pauta de direitos humanos, essa simbólica subida na rampa?
O ex-presidente da República não combinava com a posse de 1º de janeiro de 2023. Inclusive, foi uma boa escolha ele ter ido embora antes, porque a posse ficou muito mais bonita e mais leve. Acho que a escolha de representantes de movimentos sociais da sociedade civil, simbolizando diferentes segmentos da população, foi fundamental na posse. Deu voz e mostrou que é um governo que vai precisar da participação da sociedade. A gente sabe que o governo, muitas vezes, tende a uma certa estabilização, mesmo no gerenciamento cotidiano das políticas públicas. Então, a participação ativa da sociedade civil, dos movimentos sociais e a pressão cotidiana das ruas, é fundamental para que o governo funcione, e para que ele tenha apoio, sustentação, em momentos decisivos, para tomar decisões importantes que enfrentem a desigualdade social. Acho que um tópico muito dito nos discursos do presidente Lula, foi esse enfrentamento à desigualdade social e tirar, novamente, o Brasil do mapa da fome.
Nesse sentido, a escolha de Fernando Haddad (PT), por exemplo, para o Ministério da Economia, foi uma boa indicação?
Acho que, em termos gerais, o ministério traz alguns elementos interessantes, como mais representatividade. Isso é fundamental e natural, a escolha de um nome como Haddad, por ser alguém de dentro do PT, com muita proximidade com Lula e que fez uma campanha importante para o presidente em São Paulo. Ele também é um nome técnico, que tem conhecimento na área econômica, que tem trânsito nos ciclos políticos. É natural essa escolha e acho que tem bons quadros nos ministérios, como por exemplo, o Ministério dos Povos Indígenas, com a nomeação da Sônia Guajajara.
Que, inclusive, foi a primeira empossada, quebrando um pouco o protocolo...
É porque, historicamente, os povos indígenas estão silenciados da institucionalidade. Agora, temos a Sônia Guajajara comandando o ministério e a Joênia Wapichana como presidente da Funai, que também é um fato histórico. Você vai ter os povos indígenas comandando as políticas públicas indigenistas do país. Acho que isso é um passo importante. Agora, obviamente, que não me iludo com criação de ministério. Pois muitas vezes pode virar algo protocolar, se não tiver estrutura e orçamento. Por isso, cabe fazermos a pressão política para que os ministérios possam funcionar, para que as demandas dos povos indígenas brasileiros possam ser atendidas.
Como o PSol pretende debater a igualdade de gênero com o governo federal?
Vejo que o discurso de Lula foi muito marcante em três pontos: no enfrentamento à desigualdade social; no enfrentamento a outras desigualdades históricas, como a de gênero e a questão racial; e o último ponto foi que ele chamou a responsabilidade de justiça de transição, ou seja, quem cometeu crime, nos últimos quatro anos, como ilegalidades na condução do Estado e do Executivo, deve responder. Acho que isso é fundamental para que, com a justiça sendo feita, esses crimes não sejam repetidos. A história nos ensina que isso é algo importante. No entanto, senti falta em todos os discursos, de uma menção à comunidade LGBTQIA . Nós ainda estamos em um dos países que mais mata LGBTs do mundo. Então, a proteção à vida desse segmento é fundamental. A gente tem visto que, do ponto de vista da democracia, é preciso falar sobre o tema. Acho que dar visibilidade é fundamental. Os Estados Unidos, pela mão do próprio presidente Biden, aprovou o casamento igualitário no Congresso, com apoio de parte dos republicanos. Isso mostra que temos furado bolhas no sentido de garantia da cidadania da população LGBT . Então, a gente quer ver isso também na boca do presidente Lula, a defesa dos direitos LGBTs. A criação da Secretaria LGBT é um avanço, mas a gente quer ver isso também como prioridade na gestão governamental.
Ter nomes como Silvio Almeida e Symmy Larrat à frente do Ministério dos Direitos Humanos e da Secretaria de Promoção e Defesa das Pessoas LGBTQIA , respectivamente, é simbólico?
Importantíssimo. Mas, como disse em outros temas, a criação de uma secretaria ou de um ministério, não quer dizer que o tema seja, necessariamente, priorizado. Digo isso porque, o meu papel como parlamentar e ativista do movimento social é cobrar e ajudar a realizar. A gente viu que, em outros momentos da história, a nossa pauta foi rifada. Então, não queremos ver essa história se repetir. A gente vai batalhar muito para que essa secretaria funcione e para que os LGBTs tenham voz. Também é importante que o segmento LGBTQIA brasileiro possa se organizar, se posicionar e que tenha os direitos preservados neste país. Temos avanços importantes. Vamos ter agora, por exemplo, Erika Hilton (PSol), a deputada federal trans lá na Câmara dos Deputados. Isso é simbólico, uma trans negra de São Paulo, muito bem votada, representando o segmento LGBTQIA em um Congresso Nacional superconservador. Não tem mudança cultural nessa área, se não tem discussão na escola. Não se trata de querer convencer ou incidir na sexualidade, orientação sexual ou identidade de gênero de ninguém, mas de, dentro do campo da educação, defender uma educação que seja para a diversidade, o respeito e a tolerância. Isso é fundamental e a gente quer fazer.
Quando estava se falando, durante o discurso, de criminalização, o público que estava na Praça dos Três Poderes pediu: "Sem anistia!" Isso vai ser um uma das pautas discutidas no governo, para quem cometeu esses crimes durante o governo Bolsonaro? Existe alguma articulação nesse sentido?
Com certeza! A gente tem defendido que o PSol tenha como prioridade a luta pela punição e justiça de transição no próximo período. Hoje (ontem), pedimos a prisão preventiva de Bolsonaro, e a gente acha que é importante que haja justiça de transição. Tem muitas pessoas que cometeram crimes graves, nesse último período, e que não responderam por eles. A nossa história recente mostra que, quando não há justiça de transição, como no caso da mudança da ditadura civil militar brasileira para a democracia, você tem esquecimento e fragilidades na construção democrática. A memória é fundamental e pedagógica para a transformação de um país. Não se trata de revanchismo, mas de justiça para que esses crimes não sejam mais cometidos, por exemplo, na condução de uma pandemia. A gente é o país que, proporcionalmente, mais matou no mundo (por causa da doença). Isso é um absurdo e tem a ver com a ausência completa do Estado e com a tentativa de destruir o nosso Sistema Único de Saúde (SUS). Por isso é importante ter a justiça de transição.
Na Esplanada dos Ministérios, em frente ao QG do Exército, tem os acampamentos de apoiadores do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), que protestaram contra o resultado das urnas e ficaram muito tempo mobilizados. Houve vários episódios. Como que você, como deputado distrital, acompanhou a responsabilização por esses atos?
A gente acompanhou, desde o início, esse processo. Do ponto de vista político, o ex-presidente e o seu grupo tentaram criar uma narrativa fascista de que as urnas eletrônicas não computam os votos de forma correta. Apesar de terem sido eleitos vários senadores, deputados e governadores que se alinham com sua bancada. O DF tem várias pessoas desse campo político diplomadas pela Justiça Eleitoral. Tentaram fazer esse discurso e criaram uma narrativa, para mim criminosa, e incendiaram o segmento da população com o discurso golpista. Após a eleição, esse grupo começa a se organizar e fazer manifestações em frente aos quartéis das Forças Armadas, em diferentes lugares do país, o que é grave. Uma coisa é a manifestação legítima, dentro do que está colocado na Constituição, outra coisa é uma manifestação que pede uma intervenção ou um golpe de estado pelas Forças Armadas. Essas manifestações foram ganhando escala de violência e de radicalização. Tivemos o 12 de dezembro, que foi um dia de terror em Brasília, com queima de ônibus e de carros, com estouros, ameaças civis, algo gravíssimo e ninguém preso, uma atuação passiva das forças de segurança. Duas delegacias depredadas, uma unidade da Polícia Federal e a 5ª DP (Asa Norte). Teve gente queimando ônibus e que podia ser preso por tentativa de homicídio e não foi. Depois, outras manifestações e ameaças de bombas aconteceram, algo grave que foi aumentando porque o ex-presidente da República era conivente. A gente lutou para que aquilo (acampamento) também fosse retirado: oficiamos o Comando do Planalto e a Secretaria de Segurança Pública. Todo mundo jogava a bola um para o outro e não resolvia o problema do QG do Exército. Aquilo não era uma manifestação pacífica, mas sim, como disse o ministro Flávio Dino, uma incubadora de terroristas, porque várias ações foram formuladas e elaboradas a partir daquela manifestação. Agora, acho que virou a página, espero que essa manifestação acabe e é intolerável que, no Estado Democrático de Direito, aquele nível de violência seja utilizada. Ainda mais com uma pauta que é o fim do Estado Democrático e o não reconhecimento das urnas, além do impedimento daqueles que foram eleitos pelo voto popular de tomar posse.
A gente tem o ex-ministro da Justiça Anderson Torres voltando ao cargo de secretário de Segurança Pública do DF. Você considera que não foi a melhor escolha, por parte do governo Ibaneis Rocha (MDB)?
Sem dúvida, sempre disse isso muito claramente. Não se trata de uma questão pessoal, mas sim uma questão política. O ministro Anderson Torres fez uma opção política de virar braço direito do ex-presidente Bolsonaro e de conduzir, por exemplo, processos muito graves de criminalização de jornalistas, dentro do Ministério da Justiça. Ele abriu inquérito contra pesquisas eleitorais. Foi por ordem de ofício do ministro Anderson Torres, que se abriu inquéritos contra o Datafolha, IPEC e outros institutos de pesquisa do país durante as eleições. Ele fez o uso da máquina pública, por meio da Polícia Rodoviária Federal, realizando centenas de operações, no dia da eleição, nas regiões onde o presidente Lula tinha mais votos. Ele fez uma opção política de ficar em silêncio em vários momentos quando atos terroristas aconteceram na cidade ou se posicionar de forma muito passiva. Essa foi uma opção política. Como é que esse ex-ministro da Justiça agora vai ser secretário de Segurança Pública do quintal do presidente Lula e da sede nacional desse país, que é Brasília? Acho que é um gesto muito ruim e equivocado, do governador Ibaneis Rocha, que, ao mesmo tempo em que fez um discurso de conciliação com o Lula na sua posse, traz o ex-ministro Anderson Torres para voltar à Secretaria de Segurança Pública. Acho muito ruim. É um gesto, do meu ponto de vista, até de rompimento de relações com o governo federal, em certa medida.
Você vai continuar à frente da Comissão de Direitos Humanos e provavelmente, agora, fazendo uma dobradinha com o Max Maciel (PSol), também do seu partido, na Comissão de Transporte e Mobilidade Urbana?
Primeiro, sobre os direitos humanos, ela tinha uma média de 40 a 80 denúncias por ano e, agora, tem 1.000. É uma comissão ativa, com participação da sociedade para que as coisas melhorem. A gente quer continuar, nos próximos dois anos, trabalhando nesse espírito. Na pauta de transporte, vinha denunciando muito os repasses milionários das empresas, que não têm transparência. Sou favorável ao subsídio, porque acho que o transporte público é direito do cidadão. O Estado tem que financiar, por meio de impostos, e garantir, inclusive, a tarifa zero. É possível que haja tarifa zero e passe livre e vamos lutar, na comissão, por esse tema junto ao nosso companheiro Max Maciel.
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