Brasília, com arquitetura inovadora e riquezas naturais, é uma das cidades mais belas do planeta. O traçado arrojado e os monumentos arquitetônicos — frutos da genialidade de Lucio Costa e de Oscar Niemeyer —, respectivamente, atraem turistas e estudiosos do mundo inteiro. O Plano Piloto da capital federal é considerado Patrimônio Cultural da Humanidade pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco). Foi o primeiro conjunto urbano do século 20 a receber o título que, este mês, completou 35 anos.
Como destaca o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), a honraria foi outorgada ao Plano Piloto pela singularidade, manutenção dos princípios fundadores e caráter universal de sua concepção. A proposta de Lucio Costa levou em consideração, objetivamente, o posicionamento, a dimensão e a forma geral das edificações. O arquiteto dividiu a área em quatro escalas: monumental, residencial, gregária e bucólica. O projeto se adequou à topografia do Planalto Central, com horizontalidade e apenas com o centro marcado por edifícios de maior altura.
Preservação
Professor de arquitetura e urbanismo do Ceub, Gustavo Cantuária lembra que o tombamento ocorreu apenas 27 anos depois da inauguração. "Isso foi algo inédito na época e, desde então, nenhuma cidade foi tombada em tão pouco tempo", comenta. Para o especialista, a qualidade urbana proposta por Lúcio Costa é algo distinto, revolucionário e fez com que a capital se tornasse merecedora do título. "A questão de propor as quatro escalas permite qualificar a cidade de modo diferente. Brasília é um museu a céu aberto, que não se vê em nenhum outro lugar do mundo", destaca.
O professor destaca que a escala bucólica está inserida e abraçando todas as outras, permitindo dar características únicas à Brasília. "Como, por exemplo, ser uma cidade muito verde. E essas áreas, obviamente, são os espaços de qualidade visual, de conforto e de uso funcional", pontua. "Temos em torno de 120 metros quadrados de área verde para cada habitante, ou seja, muito mais do que a Unesco e a ONU recomendam. Então, isso tem que ser preservado", aponta.
Gustavo Cantuária pondera que o desafio de preservar o título é enorme. "Obviamente, as cidades crescem, principalmente nos interesses, na população e na especulação imobiliária. A riqueza de Brasília, que a faz especial, são os espaços abertos e amplos, e muita gente quer ver isso como uma questão negativa", observa. "A cidade não está engessada, permite crescimento e novas construções, ainda respeitando cada escala. Não adianta fazer modificações que troquem os usos dos espaços", ressalta o especialista.
Guardiã
A paixão por Brasília sempre traz boas lembranças para Leiliane Rebouças, 47 anos. Ela conta que o que mais gosta na capital é a arquitetura modernista e a característica de cidade parque, com amplas áreas verdes. A moradora da Vila Planalto revela um de seus locais preferidos. "É o prédio que meu pai (Francisco Felix Rebouças) ajudou a construir: a sede do Congresso Nacional. Minha geração costumava subir nas cúpulas e interagir dali com a arquitetura de Niemeyer", lembra.
Para Leiliane, Brasília é singular. "Algumas pessoas podem até dizer que não gostam dela, mas nunca poderão dizer que conhecem uma cidade igual", analisa. Por isso, a escritora diz que é importante manter as características originais, preservando as escalas do Plano Piloto. "Não se deve tentar transformá-la em uma cidade igual às outras, em uma cidade qualquer", frisa.
Desde criança ela aprendeu sobre o processo da transformação de Brasília em Patrimônio Cultural da Humanidade. "Quando tinha 10 anos, me reuni com o então governador da cidade, José Aparecido, e ele me falou sobre isso", recorda. "Ele me disse que estava preocupado com a sanha da especulação imobiliária. Havia interesse dos empresários da construção civil de aumentar os gabaritos dos prédios do Plano Piloto", relata. "Desde esse tempo que acompanho essa questão. Por isso cresci e continuei uma 'guardiã' do patrimônio", brinca.
Leiliane tem tanto apreço pelo título que dedica um capítulo do livro que escreveu, Vizinhos do Poder: História e Memória da Vila Planalto, para falar sobre esse processo de transformação. A escritora encerra afirmando que as crianças de Brasília deveriam aprender desde cedo, na escola, a importância desse título para a cidade. "Elas têm que entender o que significa ser um patrimônio do mundo e ter orgulho da cidade que os brasileiros construíram em 1.112 dias para conquistar essa proeza", conclui.
Saiba Mais
Saiba mais
De acordo com a classificação da Unesco, o Patrimônio Cultural é composto por monumentos, grupos de edifícios ou locais que tenham valor universal excepcional, do ponto de vista histórico, estético, arqueológico, científico, etnológico ou antropológico. Incluem obras de arquitetura, escultura e pintura monumentais ou de caráter arqueológico, e, ainda, obras isoladas ou conjugadas do homem e da natureza.
Fonte: Unesco
Escalas
Monumental: configura-se ao longo do eixo homônimo e é onde se concentram as principais atividades administrativas federais e locais, confere à cidade o caráter de capital.
Residencial: tem como espinha dorsal o Eixo Rodoviário, ao longo do qual estão localizadas as Unidades de Vizinhança, com superquadras que reinventam a forma de morar, já que além dos blocos de pilotis, há áreas destinadas a escolas, clubes, bibliotecas, igrejas e outros equipamentos urbanos.
Gregária: localizada no cruzamento dos dois eixos, confunde-se com o centro da cidade, onde ficam os setores bancário, hoteleiro, comercial e de diversões.
Bucólica: permeando as outras três e se tornando mais presente na orla do Lago Paranoá, é formada pelas áreas livres e arborizadas, conferindo a Brasília o caráter de cidade parque.
Fonte: Iphan
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