TRAGÉDIA

Corpos das três vítimas de descarga elétrica serão sepultados neste domingo

O fio de alta tensão que matou dois adolescentes e uma criança, em Ceiândia, estava com problemas há seis meses. Polícia Civil investiga se há responsabilidade criminal. Revoltados, os moradores chegaram a apedrejar os bombeiros que atenderam a ocorrência

Ricardo Daehn
Mila Ferreira
postado em 11/12/2022 06:00 / atualizado em 11/12/2022 07:14
Adolescentes mortos eletrocutados por fio de alta tensão eram da mesma família -  (crédito: Reprodução/Arquivo Pessoal/G1)
Adolescentes mortos eletrocutados por fio de alta tensão eram da mesma família - (crédito: Reprodução/Arquivo Pessoal/G1)

O sentimento dos familiares dos dois adolescentes e da criança que morreram vítimas de descarga elétrica, é de dor e revolta. A tragédia aconteceu sexta-feira à noite, na quadra QNP 24, em Ceilândia, quando um fio de alta tensão despencou. Um homem que passava pelo local tentou ajudar e também levou um choque. Os moradores da quadra tinham acionado a empresa Neoenergia, responsável pela distribuição de energia elétrica em Brasília. Há seis meses, pediram a troca do fio que, segundo eles, estava quase se rompendo e soltava faíscas constantemente. Em vez de substituí-lo, a empresa teria feito um reparo.

O velório das três vítimas ocorrerá hoje, às 14h, no Cemitério Campo da Esperança de Planaltina, capela Templo Ecumênico. O sepultamento será às 16h30. Todas eram da mesma família e moradoras de Planaltina: Karina Madureira da Silva, 17 anos, Kelvin Michel Madureira de Andrade, 14, e Sophia Emanuelly Batista Madureira, 5 — Kelvin era tio de Karina e primo de Sophia. Ao Correio, Fernando Madureira, 21, irmão de Kelvin, contou que a família está desolada. "Foi um fio que caiu, e três vidas foram perdidas. A minha família está inconformada: não sabemos o que fazer. Kelvin ia se formar, agora. Queríamos ter a postura para acertar no que fazer num caso destes", disse. 

"Kelvin foi buscar a Karina no terminal de ônibus, já estava chuviscando. Meu irmão foi buscar todo mundo — estavam vindo para casa. Com o feriado, vinham para um churrasco em Planaltina. A gente gosta muito de criança e queria ver eles participando, trazendo alegria", explicou.

Fernando questionou os motivos pelos quais o conserto da fiação não foi feito antes. "Acho bom que se veja a precariedade do suburbano. É tanto investimento de dinheiro, e cadê o retorno deste dinheiro que dizem investir? A Neoenergia deixa fios jogados, o pessoal tem gravações, filmagens. Teve poste caído, na ciclovia", denunciou. "A Neoenergia teria que botar a cabeça no lugar, pelo que deveria fazer pelo povo. Não tem dinheiro que traga de volta a alegria de uma mãe e as vidas perdidas", concluiu.

O pai do jovem, Wanderley, disse, ontem à noite, que não tinha condições psicológicas de falar sobre a perda. A mãe, Maria de Fátima, está com um quadro emocional preocupante, segundo Fernando.

Alex Pereira de Sousa, 41, seguia de carro pela quadra  local e tentou socorrer as vítimas, mas também foi atingido pela descarga elétrica. De acordo com a Polícia Civil do Distrito Federal (PCDF), ele foi levado para o hospital e está fora de perigo.

Pânico

Segundo o técnico em segurança elétrica Zilton Monteiro, 61, que mora em frente ao local onde tudo aconteceu e chamou o Corpo de Bombeiros (CBMDF), no momento do acidente, na manhã seguinte à tragédia, a Neoenergia voltou ao local e trocou a fiação. Os moradores ficaram sem energia a noite inteira e o serviço foi retomado ontem, às 13h. "Temos câmeras de segurança aqui em casa, mas, devido à queda de energia na hora do acidente, infelizmente, não conseguimos registrar o acontecido", lamentou.

A costureira Odiran de Freitas, 59, estava em casa quando ouviu gritos. "Deu um pico de energia e eu corri. Quando cheguei na calçada, vi pessoas gritando e pedindo para chamar os bombeiros. Alguém gritou 'tem um monte de gente morta aqui'. Também liguei para os bombeiros e dei o endereço", relembrou. Odiran confirmou que a fiação estava com problemas.

A Neoenergia Brasília informou, em nota, que lamenta o ocorrido e está prestando solidariedade e apoio às famílias das vítimas. De acordo com a companhia, a empresa está apurando as causas da ocorrência e auxiliando as autoridades. "Após ser comunicada do fato pelo Corpo de Bombeiros, a companhia enviou uma equipe técnica imediatamente ao local para proceder com as medidas emergenciais cabíveis, eliminando os riscos para a população. No momento da ocorrência, havia um grande volume de chuvas e a incidência de descargas elétricas na rede", disse o documento.

Fiação foi trocada pela empresa responsável somente na manhã seguinte às mortes
Fiação foi trocada pela empresa responsável somente na manhã seguinte às mortes (foto: Marcelo Ferreira/CB/D.A. Press)

A PCDF investiga o caso. "Isso aqui virou uma praça de guerra. Precisamos acionar a Divisão de Operações Especiais (DOE) da Polícia Civil para isolar tudo. Os populares estavam revoltados e chegaram a jogar pedras no Corpo de Bombeiros", informou o chefe da 23ª Delegacia de Polícia, do P Sul, Luiz Gustavo Ferreira. Segundo Ferreira, uma testemunha confirmou que já tinha acionado a Neoenergia para resolver problemas na fiação, mas disse que a companhia só compareceu após dois meses. "A questão será avaliada no campo técnico. Estamos aguardando o laudo da Seção de Engenharia Legal e Meio Ambiente (Selma), um setor especializado no assunto. Peritos da Polícia Civil vão avaliar o caso", declarou o delegado. "Estamos analisando o caso para ver se há ou não responsabilidade criminal de alguém", finalizou ele.

Segurança

O professor de Engenharia Elétrica da Universidade Católica de Brasília (UCB), Mário Kenji, observa que, teoricamente, há dispositivos nos sistemas de segurança que deveriam ser acionados em emergências. "No caso, deveriam desarmar a energia, pelos parâmetros regulares, quando um fio cai no solo", analisa o profissional, que atua na área há 17 anos. Mário destaca que a alta tensão traz energia invisível. Por isso as pessoas devem ter cuidado e se afastarem quando passarem por um fio no chão. "Elas devem acionar as concessionárias para que providenciem o desligamento da energia na região e executar o procedimento de manutenção corretiva", reforça.

Ressaltando as dificuldades de visão, que ocorrem quando a chuva é muito forte, o engenheiro aconselha que, num cenário desses, as pessoas evitem ficar a céu aberto. "Os pedestres devem se afastar dos postes, e buscar abrigo. Em situações de vento intenso, os fios têm a carga de peso aumentada e ficam mais sujeitos a ocasionarem acidentes. Num comparativo, se assemelha a um varal com muita roupa. Há baixa probabilidade de um fio se partir, mas, quando ocorre, é fatal", comenta o engenheiro.

MEMÓRIA

Janeiro de 2001

Uma descarga elétrica de 6.600 volts matou um trabalhador e deixou outro gravemente ferido na fábrica de cimento Ciplan, na DF-150, em Sobradinho.

Setembro de 2019

A bombeira Marizelli Armelinda Dias, 31, morreu ao ser atingida por uma árvore e por fios de alta tensão, quando combatia um incêndio em uma mata, em Taguatinga.

Fevereiro de 2020

Um homem morreu enquanto trabalhava em um outdoor próximo à estação de metrô Concessionárias, em Águas Claras. Ele teria recebido uma descarga elétrica e, depois, caído de uma altura de cerca de sete metros.

Fevereiro de 2020

Thais Cibele da Silva Sousa, 24, perdeu a vida depois de tocar em um poste de iluminação, no Paranoá.

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