O CB.Saúde — parceria entre TV Brasília e Correio Braziliense — recebeu, nesta quinta-feira (8/12), a psiquiatra Helena Moura, professora da Faculdade de Medicina da Universidade de Brasília (UnB). Na conversa com a jornalista Carmen Souza, a especialista em dependência química falou sobre o panorama do consumo de bebida alcoólica no período de Copa do Mundo e festas de fim de ano, bem como no uso de drogas sintéticas modernas. Ela também apontou fatores de risco ligados ao uso de substâncias e comentou sobre políticas públicas que podem auxiliar no enfrentamento à dependência de química.
O primeiro ponto levantado foi sobre o uso de álcool em celebrações de fim de ano. Moura apontou que, para os que lutam contra a dependência química, comemorações de família podem ser ainda mais difíceis de lidar. Ela lembrou que isso também resulta de uma cultura de associação da bebida à diversão. “Muitas vezes, não temos o cuidado de não ter bebidas sem álcool, por exemplo. Ligamos muito o festejo com a substância. É um período em que mesmo as pessoas que não têm problema com isso bebem mais", disse.
Em relação ao período de Copa do Mundo, a especialista mencionou a violência e a proibição de bebidas alcoólicas nos estádios, pontos atrelados não só à segurança, mas à saúde pública. “O consumo de álcool não é só uma questão de moralismo, está muito ligado com a violência. Antes da proibição nos estádios, o número de violência e briga era muito alto. Entre 2006 e 2007, quando houve essa proibição, foram feitos estudos, que levaram em conta jogos do Mineirão, e observaram que houve queda nos números de violência, que em alguns casos foi até zerado, caindo de 60 para zero”, explica.
Drogas modernas
Outro ponto levantado durante a entrevista foi sobre o uso de substâncias sintéticas e de medicamentos controlados para alcançar um estado alterado. Um dos medicamentos mais consumidos é o Zolpidem, hipnótico indicado para o tratamento da insônia. A especialista apontou que os perigos do uso sem indicação médica podem ser desde ação inconsequente até estado de delírio e complicações de emergência clínica.
No caso dos entorpecentes sintéticos, a psiquiatra afirmou que os riscos podem ser ainda maiores, porque não há como determinar seus componentes. “As drogas sintéticas são uma preocupação por dois fatores. O primeiro é que é muito fácil comprar. É possível adquirir pela internet e são fáceis de esconder. O segundo ponto — o mais desafiador para os profissionais de saúde — é que não é possível saber exatamente o que tem nesses produtos, pois a pessoa pode comprar por marca. Se houver uma intoxicação ou overdose, ainda que digam o que ela tomou, não é possível saber que tipo de medicação dar”, afirma.
Fatores de risco
A especialista também explicou que quando tratamos de fatores de risco no uso de drogas, a questão é multifatorial, porém, aspectos emocionais têm se destacado, principalmente após o período crítico de pandemia de covid-19. “Sabemos que dificuldades em lidar com tristeza, solidão, sintomas ansiosos e depressivos são fatores de risco para a iniciação ou para o agravamento do consumo”, avaliou.
A acadêmica também comentou sobre o "mito" de dose segura para o consumo de bebidas alcoólicas e outras substâncias. Ela explicou que não há base em pesquisas e que, para pessoas não dependentes, a prática reduz somente o risco de efeitos a curto prazo. “Do ponto de vista da saúde, não tem um nível ótimo. Em 2018, um estudo publicado na revista Lancet causou um certo burburinho, pois apontou que o consumo ideal é zero, porque se discutia uma dose saudável de álcool. Porém, sabemos que, com os devidos cuidados, pode haver risco menor de prejuízos, mesmo no curto prazo”, analisou.
Políticas públicas
Helena Moura alertou que é preciso evoluir na aplicação de políticas públicas voltadas para essa temática. “Infelizmente, ainda caímos numa questão de ‘quem é contra as drogas é cidadão de bem’, ou de que isso faz parte da liberdade de escolha. São discussões não muito produtivas do ponto de vista da saúde”, afirmou.
Para a psiquiatra, o tema deve ser abordado a partir de uma ótica diferente da que predomina hoje. “Sempre digo que quando falamos na prevenção do consumo de entorpecentes, o menor foco está na substância em si. Devemos pensar na multifatorialidade e ver que isso também pode ser feito pela redução dos índices de violência doméstica, educação de qualidade, acesso à lazer etc. Tudo isso ajuda a prevenir", concluiu.
Confira o CB.Saúde na íntegra:
*Estagiário sob a supervisão de Nahima Maciel
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