A Vila Planalto é a maior testemunha da construção de Brasília. Os pioneiros chegaram ao local, ainda em 1957, antes mesmo da construção dos primeiros monumentos da cidade modernista idealizada por Juscelino Kubitschek. Localizada entre os palácios do Planalto e da Alvorada, endereço nobilíssimo, seus moradores resistiram, ao longo das décadas, às repetidas tentativas de remoção das famílias do local e à violência praticada pelo Estado no período da ditadura militar (1964-1985).
Leiliane Rebouças dá mais detalhes dessa história em seu novo livro, Vizinhos do poder: história e memória da Vila Planalto, lançado neste sábado (03/12). A obra também é um apelo pela preservação do patrimônio arquitetônico da capital do país, que ainda tem as poucas e restantes edificações erguidas em madeira no estilo modernista do Plano Piloto. Essas casas abrigaram engenheiros, empreiteiros e ministros de Estado entre o fim dos anos 1950 e os anos 1960. Exemplares desses imóveis, boa parte hoje em ruínas, podem ser encontrados no Conjunto Fazendinha, na Igreja de Nossa Senhora do Rosário de Pompeia e na Escola Classe 01 do Planalto, fundada em 1957 e cuja reconstrução é uma reivindicação da comunidade.
"O presidente vai trabalhar em frente à nossa casa e depois vai dormir no nosso quintal." Essa é a frase repetida entre os moradores, lembrada por Leiliane, e que evidencia a localização privilegiada da Vila Planalto. "Os moradores da vila testemunharam a história não só de Brasília, mas do Brasil. Foi o primeiro lugar fechado pela ditadura na capital e serviu de esconderijo para estudantes da Universidade de Brasília (UnB) que conseguiam fugir das invasões da polícia e eram acolhidos pelos moradores da cidade em seus barracos", conta a autora, cuja história de vida se confunde com a da Vila Planalto.
Nascida e criada na vizinhança do poder federativo, Leiliane é filha de pai pioneiro que chegou em Brasília antes da fundação e de uma líder comunitária que lutou pela fixação da Vila Planalto. Até a segunda metade dos anos 1980, o risco de remoção das famílias era constante, mas uma atitude de Leiliane mudou os rumos dessa história. Em 1986, aos 10 anos de idade, ela conseguiu driblar a segurança presidencial e entregou uma carta ao então presidente da República José Sarney. O documento, em nome de todas as crianças da Vila Planalto, pedia a fixação dos moradores e contava do cotidiano e da situação das famílias que ali viviam. Comovido com o pedido, Sarney a enviou como representante da comunidade para o então governador José Aparecido de Oliveira, missão que ela só topou se fosse acompanhada pelo Grupo das 10, formado por mulheres — entre a elas a mãe de Leiliane — que lutavam pela permanência e pelo tombamento da vila, que veio em 21 de abril de 1988, dois anos depois.
O início
Em 3 de fevereiro de 1957, foi iniciada a construção do primeiro acampamento de trabalhadores na região. O local foi escolhido por Peri Rocha França, primeiro engenheiro da Novacap, porque não havia nada previsto para a área no projeto de Lucio Costa e era próximo aos canteiros das obras dos primeiros edifícios de Brasília: o Palácio da Alvorada e o Brasília Palace Hotel. Devido à proximidade com o centro da capital, o mercado imobiliário ambicionava dar outra serventia para a região e não reconhecia a identidade e a importância dos pioneiros para Brasília, o que tornou a luta pela fixação ainda mais árdua.
"A história, geralmente, é contada pelas grandes figuras, mas o meu livro joga luz no trabalho de homens e mulheres comuns, os candangos, que a princípio eram tidos como os heróis que construíram a capital e, depois, vistos como invasores que enfeiavam a cidade modernista", esclarece a autora. A região chegou a ter 22 acampamentos de construtoras em uma área de 320 hectares. Boa parte foi removida e restaram apenas cinco, dos quais surgiu a Vila Planalto.
Prefácio
Embora a autora tenha buscado informações em pessoas comuns moradoras da região, o prefácio é assinado por um figurão da política brasileira e personagem importante dessa história: o ex-presidente José Sarney. "Este livro, que se recusa a ser de história, é na verdade um livro de História, escrito de forma leve, com texto muito claro e breve, e não somente conta sobre o assentamento primeiro, onde começou a construção de Brasília, mas também como nasceu, organizou-se, e conta ainda a vida cotidiana, com dados de fonte primária", antecipa o ex-mandatário.
Sarney destaca o uso de testemunhos de pessoas comuns para contar a história da Vila Planalto. "Daí a curiosidade de juntar-se aos documentos formais a narrativa da vida particular, as crenças, os ritos, os alimentos, montando com pedaços e fragmentos, encontrados nos locais e idealizados no testemunho oral, as partes como um todo", analisa. "Assim, a Vila Planalto tem uma heroína, Leiliane — tem também uma escritora e uma historiadora —, e este livro ficará como uma fonte de consulta permanente por aqueles que se interessarem pela História de Brasília, sobretudo pela vida cotidiana, pela vida privada das pessoas mais pobres, os candangos, que tornaram esta cidade Patrimônio da Humanidade", conclui.
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