Contravenção

Crime organizado pega carona nas rifas de carros de luxo

Casos dos influenciadores Klebim e Big Jhow, que sorteavam veículos de luxo por meio de suas redes sociais, chamaram a atenção da PCDF para esse tipo de crime. Operação resultou na prisão dos envolvidos, na apreensão de 10 carros e no bloqueio de R$ 22 milhões

Darcianne Diogo 
postado em 15/12/2022 06:00 / atualizado em 15/12/2022 06:44
 17/11/2022. Crédito: Mariana Lins/Esp.CB/D.A Press.Carros Aprendidos DPE  -  (crédito:  Mariana Lins )
17/11/2022. Crédito: Mariana Lins/Esp.CB/D.A Press.Carros Aprendidos DPE - (crédito: Mariana Lins )

De uma prática aparentemente inofensiva, as rifas se transformaram em uma das maiores investigações da Polícia Civil do Distrito Federal (PCDF), que revelou um esquema milionário de jogos ilegais e lavagem de dinheiro. O trabalho culminou com a prisão de dois influenciadores digitais famosos, Klebim e Big Jhow, que utilizavam suas redes sociais e os milhões de seguidores para sortearem veículos de luxo. Nos últimos meses, com a operação Huracán, desencadeada pela Divisão de Repressão a Roubos e Furtos da Coordenação de Repressão aos Crimes Patrimoniais (DRF/Corpatri) essa contravenção ganhou os holofotes. Os ganhadores das rifas recebiam os prêmios, mas, sem saber, estavam alimentando diversos crimes.

Popular no YouTube e no Instagram, Kleber Rodrigues de Moraes, 27 anos, conhecido como Klebim, foi alvo da primeira fase da Huracán, em 21 de março. As investigações apontaram que o influencer, do canal Estilo Dub, era o líder de uma suposta quadrilha que explorava jogos de azar. Faziam parte do grupo criminoso Pedro Henrique Barroso de Neiva, 37, Vinícius Couto Farago, 30, e Alex Bruno da Silva Vale, 28. Todos estavam envolvidos na realização dos sorteios ilegais de veículos luxuosos. Entre 2021 e este ano, a polícia calculou que Klebim e os comparsas movimentaram cerca de R$ 20 milhões com a fraude.

Aparentemente, o negócio não parceia ser ilegal. Klebim entrava diariamente nas redes sociais para anunciar os carros e gravar vídeos. Entre as ofertas tentadoras e com baixo preço das rifas — que variava de R$ 5 a R$ 100 — estava um Porsche amarelo e uma camioneta Toyota, ambas com suspensão especial. Nos comentários, os seguidores aplaudiam e admiravam o youtuber pela iniciativa. À época, a PCDF cumpriu quatro mandados de prisão temporária, incluindo o de Klebim, e sete de busca e apreensão, em Vicente Pires e Taguatinga, além do sequestro judicial de nove carros de luxo e o bloqueio de quase R$ 10 milhões das contas dos investigados. Entre os veículos, estavam uma Lamborghini e uma Ferrari, avaliadas em R$ 5 milhões.

Nova fase

A repercussão do caso Klebim não foi o suficiente para impedir as rifas irregulares de outros influenciadores. Em 10 de novembro, Elizeu Silva Cordeiro, o Big Jhow, foi alvo da segunda fase da operação. Morador de Minas Gerais e com mais de um milhão de seguidores no Instagram, Big Jhow agia de maneira semelhante a Klebim. Ele entrou na mira da polícia após anunciar o sorteio de uma Lamborghini Gallardo amarela. Além do superesportivo, os policiais apreenderam, em Minas Gerais, uma lancha e um jet ski, no valor de R$ 700 mil. Também foram bloqueados R$ 12 milhões de reais em contas de pessoas físicas e jurídicas. Mesmo após a apreensão do automóvel, Elizeu comunicou aos seguidores, pelas redes sociais, que entregaria a quantia correspondente à Lamborghini ao vencedor. A atitude foi vista como uma afronta à polícia e ao Judiciário. Com isso, a PCDF solicitou à Justiça, em 13 de novembro, a prisão preventiva do acusado.

Na decisão, o juiz Jerônimo Grigoletto Goellner afirmou que o investigado não "respeita as determinações judiciais e os preceitos legais" e "insiste em promover alienação que sabe ilegal". Ainda segundo o juiz, "não se trata de simples rifa de bem de valor desprezível, mas de operação milionária".

Em 16 de novembro, Big Jhow foi capturado no condomínio onde mora, na cidade de Esmeraldas (MG), e permanece detido. O Correio apurou que o instagramer comprou uma casa no valor de R$ 1,8 milhão. A mansão, de 1.380 metros quadrados, fica em sua cidade. Também em novembro, a Justiça do DF negou um pedido da defesa de Elizeu para colocá-lo em liberdade. Ele permanece preso no Centro de Remanejamento Gameleira, em Belo Horizonte (MG).

Crime repaginado

A fraude de Big Jhow e Klebim para faturar quantias milionárias, de acordo com a PCDF, pode ser apenas a ponta do iceberg de um novo nicho criminoso. Casos como esses fizeram a polícia estar mais atenta aos golpes recentes aplicados por estelionatários. Mas, afinal, quais são as regras? As rifas são ilegais? E em qual situação elas são autorizadas?

Para entender como funcionam as investigações da polícia nesse sentido, o Correio conversou com o delegado Fernando Cocito, diretor da DRF e responsável pela operação Huracán. O primeiro passo para apurar se alguém está promovendo jogos irregulares pela internet é saber se o site e a modalidade de sorteio têm licença do Ministério da Economia para funcionar.

  • 17/11/2022. Crédito: Mariana Lins/Esp.CB/D.A Press.Carros Aprendidos DPE Mariana Lins
  • 17/11/2022. Crédito: Mariana Lins/Esp.CB/D.A Press.Carros Aprendidos DPE Mariana Lins
  • 17/11/2022. Crédito: Mariana Lins/Esp.CB/D.A Press.Carros Aprendidos DPE Mariana Lins
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  • 17/11/2022. Crédito: Mariana Lins/Esp.CB/D.A Press.Carros Aprendidos DPE Mariana Lins
  • 17/11/2022. Crédito: Mariana Lins/Esp.CB/D.A Press.Carros Aprendidos DPE Mariana Lins
  • Klebim comprava veículos no nome de empresas de fachada Redes sociais
  • O titular da DRF, Fernando Cocito, revelou que a lavagem de dinheiro era feita por empresas de fachada Ed Alves/CB/D.A Press

Na checagem, se ficar constatada a ausência da autorização oficial, a polícia atua junto a outros órgãos para a aferição financeira da empresa vinculada ao site, o que vai revelar se a pessoa jurídica existe e se operou contas correntes de forma atípica. "Quando fazemos esse contato, começamos a perceber, por exemplo, que a empresa não tem licença para fazer o sorteio e que, em seis meses, movimentou milhões de reais", explicou o delegado.

Foi nessa etapa de averiguação que a polícia descobriu a clandestinidade nos negócios de ambos os influencers presos. Os dois se diziam donos de empreendimentos distintos — áreas de publicidade e de vendas, respectivamente —, mas não prestavam os serviços para os quais foram criados e nem quaisquer outros. Os CNPJs eram legítimos, porém, eles emitiam notas fiscais com valores bem baixos, na tentativa de enganar o fisco federal e local, enquanto os depósitos nas contas bancárias chegavam a milhões. "De uma maneira simples, a empresa só existe para receber e ocultar os valores das rifas. É aí que fica visível a lavagem de dinheiro", contou Fernando Cocito.

Na avaliação do diretor da DRF, transgressões como essas tendem a crescer, uma vez que quem as comete busca uma maneira fácil de obter vantagem financeira. "O criminoso percebeu que faz muito mais estrago com um celular na mão aplicando golpes virtuais do que partindo para o ataque físico, por exemplo. À medida que surgem novas ações criminosas, a polícia se reinventa. As rifas de carros de luxo, por exemplo, além das quantias milionárias, envolvem todo um ciclo de lavagem de dinheiro, com empresas de fachada e emissão de notas fiscais frias e isso desperta a atenção, porque é uma engrenagem sofisticada e tecnológica", revelou Cocito.

A prática está enquadrada pela Lei de Contravenções Penais e "não há a menor segurança jurídica para o ganhador, pois o prêmio pode ser apreendido ou confiscado pelos órgãos de persecução", alertou.

Klebim foi denunciado pelo Ministério Público por exploração de jogos de azar e lavagem de dinheiro, mas está em liberdade. Big Jhow permanece preso desde 16 de novembro em Minas Gerais e responde pelos mesmos crimes. Nas eleições deste ano ele concorreu a deputado estadual.

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O que diz a lei

» A distribuição de prêmios mediante sorteio, vale-brinde, concurso ou operação assemelhada realizada por organizações da sociedade civil, com o intuito de arrecadar recursos adicionais destinados à sua manutenção ou custeio, depende da autorização prévia do Ministério da Economia.

» Quem desejar obter a autorização precisa enviar um pedido ao Sistema de Controle de Promoção Comercial (SCPC), de 40 a 120 dias antes da promoção, site scpc.seae.fazenda.gov.br.

» A autorização será concedida apenas a organizações da sociedade civil que apresentem, entre os objetivos, pelo menos uma das seguintes finalidades: promoção da assistência social; da cultura e defesa e conservação do patrimônio histórico e artístico; da educação; da saúde; da segurança alimentar e nutricional; do voluntariado; do desenvolvimento econômico e social e combate à pobreza; de direitos estabelecidos, construção de novos direitos e assessoria jurídica gratuita de interesse suplementar; da ética, da paz, da cidadania, dos direitos humanos, da democracia e de outros valores universais; da defesa, preservação e conservação do meio ambiente e promoção do desenvolvimento sustentável; da experimentação não lucrativa de novos modelos socioprodutivos e de sistemas alternativos de produção, comércio, emprego e crédito; da realização, no caso de organizações religiosas, de atividades de interesse público e de cunho social distintas daquelas com fins exclusivamente religiosos; e para estudos e pesquisas.

» É proibido o sorteio de medicamentos; armas e munições; explosivos; fogos de artifício ou estampido; bebidas alcoólicas; fumos e seus derivados.

» É vetada também a distribuição e a conversão de prêmios em dinheiro.

*Regulação: Lei nº 5.768/1971 e Portaria nº 20.749/2020, do Ministério da Economia

FRASE

“O criminoso percebeu que faz muito mais estrago com um celular na mão aplicando golpes virtuais do que partindo para o ataque físico"

Delegado Fernando Cocito, diretor da DRF

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