Vencer o racismo estrutural enfrenta diversos desafios e exige ações afirmativas, uma delas, é o aumento da representatividade nos cargos de decisão e de poder. A avaliação é consenso entre os especialistas ouvidos pelo Correio. No entanto, na prática, o Distrito Federal ainda engatinha na execução dessas medidas e na apresentação de resultados. Dos candidatos que concorreram este ano aos cargos do Legislativo (Senado, câmaras Distrital e Federal), por exemplo, 118 se autodeclararam pretos ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Para a Câmara e o Senado nenhum deles foi eleito. Na Câmara Legislativa (CLDF), três obtiveram cadeiras — Chico Vigilante (PT), Fábio Felix (PSol) e Jane Klébia (Agir). Apesar de serem poucos, ainda é uma vitória se comparado aos anos anteriores: em 2018, a CLDF teve apenas dois parlamentares pretos na gestão. Em 2014, somente um.
Doutorando em Direito pela Universidade de São Paulo (USP), Antonio Carlos de Freitas Júnior acentua que o tema é complexo e afeta não apenas o universo político, mas também o mundo corporativo, o ensino superior e diversos outros cargos e posições na sociedade. "Diante disso, o que temos são ações afirmativas para combater essas desigualdades de gênero, de etnia e raciais. Há uma série de medidas no campo político e dos corpos diretivos, como foi, por vontade do Supremo Tribunal Federal (STF), a cota racial na aplicação dos recursos. Mas no que diz respeito à distribuição de recursos, essa medida gerou um grande debate, porque alguns candidatos que se autodeclararam brancos, para ter acesso a esse percentual (de dinheiro) começaram a se declarar pretos, pardos ou indígenas", destaca.
"No mundo afora, temos cotas de cadeiras no parlamento para a população preta, parda, indígena e para mulheres. Mas com o nosso sistema eleitoral e político, considero essa medida mais extrema e complexa. O que seria um passo importante para alcançar essas vagas e esses lugares institucionais de tomada de decisão e definição de políticas públicas seriam cotas no diretório dos partidos", sugere o especialista. O desafio, segundo Antonio Carlos, é que a elite política partidária é dominada por homens brancos de meia idade. "Para alcançar a diversidade precisamos ir contra a inércia desse mesmo público que quer continuar no poder e, para isso, é preciso aplicação de recurso, medidas educacionais e cotas, tal como foi feito nas universidades", acrescenta.
Deputado distrital pelo PSol, Fábio Felix conseguiu vencer parte dos desafios e ocupou as páginas do noticiário, este ano, após ser reeleito com 51.792 votos, o melhor desempenho da história do DF. Mesmo diante da vitória, o parlamentar ressalva que há muito a ser feito. "O racismo estrutural impõe barreiras para que pessoas negras não ocupem a política institucional. Precisamos enfrentar dificuldades que as pessoas brancas nem imaginam que existem. A representatividade é fundamental porque garante a qualificação das políticas públicas, que precisam contemplar as necessidades do seu povo. Como um dos poucos parlamentares negros eleitos, uma das minhas prioridades é lutar para mudar essa realidade", garante.
Ao longo do mandato como deputado, Fábio destaca os projetos já apresentados, como o Programa Distrital de Combate ao Racismo Religioso, além da lei que criou a Semana Distrital em Defesa da Vida da Juventude Negra. O parlamentar adiantou ao Correio que vai dialogar com a Companhia de Planejamento do DF (Codeplan) para obter levantamentos e pesquisas específicas para a população negra, no intuito de possibilitar a construção de políticas públicas. "Na saúde, a luta é pela implantação do quesito raça/cor para garantir políticas que garantam o atendimento adequado à população negra", completa.
Desafios
Os dados da Pesquisa Distrital por Amostra de Domicílios (PDAD) de 2021, produzida pela Companhia de Planejamento do DF (Codeplan), apontam que dos 3 milhões de moradores da capital do país, 46,2% são pardos e 11,1% pretos. O percentual de brancos é de 40,9%. Apesar de os negros — pardos e pretos — representarem 57,3% da população, a ocupação nos cargos públicos é minima. A realidade, para Nauê Bernardo Azevedo, cientista político e advogado, deve-se ao racismo estrutural, que, na avaliação dele, demorou muito a ser combatido no país e continua a reproduzir desigualdade e discriminação.
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O especialista chama atenção para essa distorção. "É imperioso que se questione porque a cara da população brasileira não é a mesma que é vista nos altos cargos. Isso não acontece por acaso e sim porque as pessoas negras não conseguem ascender a estes cargos por inúmeros fatores, muitos deles alimentados por décadas de exclusão que provocam pobreza e falta de acesso a condições de ascensão social. É sempre preciso lembrar que a abolição da escravidão não veio acompanhada de políticas públicas para inserção dos negros na sociedade, pelo contrário, foram pessoas isoladas de acesso, até mesmo a serviços essenciais por muito tempo", aponta o cientista político.
Nauê observa que a falta de políticas públicas trouxe consequências duradouras, como a perpetuação da pobreza e da marginalização dos negros. Por isso, a representatividade é um passo importante. "Ela faz com que as pessoas consigam visualizar soluções para problemas que elas vivem. É difícil para uma pessoa que não vive um problema indicar soluções adequadas para ele, exatamente pela falta de experiência prática. É essencial a pluralidade na representação, para que os problemas da sociedade como um todo sejam alvo de debates e propostas de resolução", reforça.
Eleito para o quarto mandato como distrital, o petista Chico Vigilante informou que não vai detalhar quais projetos pretende colocar em pauta na CLDF, mas antecipou que todas as propostas estarão embasadas em prol de comunidades periféricas. A exemplo de Fábio Felix, o parlamentar também lembrou que a população preta do DF não possui uma saúde digna. "Como nos meus últimos anos de Casa, vou lutar em prol de pautas essenciais. É inadmissível a capital do país ter uma saúde pública tão ruim, e quem mais utiliza dela são pessoas pretas. Lamentavelmente, são elas que não têm plano de saúde. Ao lado do presidente Lula, vamos mudar a situação do DF", afirma.
Chico adiantou que vai trabalhar contra as escolas militarizadas no DF. Ele salientou que unidades escolares que seguem esse modelo existem apenas em regiões periféricas, e que a abordagem de policiais com estudantes pretos é antiquada. "O governo tem que trabalhar com a violência fora das escolas, porque é lá que ela existe. Nós, deputados, temos que nos juntar sobre a questão da segurança pública. Dentro da escola existe um tratamento totalmente diferente entre estudantes brancos e pretos, e isso também ocorre fora do ambiente escolar", cobra o parlamentar.
A reportagem também buscou o posicionamento da primeira delegada eleita como deputada distrital, Jane Klébia (Agir). No entanto, até o fechamento desta reportagem, não houve retorno.
*Estagiário sob a supervisão de Malcia Afonso
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