Com o ciclo vacinal completo, os brasileiros parecem subestimar as consequências causadas pela infecção da covid-19, que agora é vista como uma doença controlada pelo senso comum. A negligência é vista com preocupação pela neurocientista e presidente da Rede Sarah, Lúcia Willadino Braga, que alerta que nem mesmo a quarta dose do imunizante contra a doença consegue proteger o infectado de um dos danos pós-covid mais graves até o momento: os efeitos prejudiciais nas funções cerebrais.
"Eu trabalho com neurociência há mais de 40 anos e nunca vi nada igual às consequências neuropsicológicas da covid. Por isso eu só ando de máscara, ainda hoje. A infecção é séria", pontua Lúcia. O alerta foi feito pela especialista ao participar do Podcast do Correio, programa promovido pelo Correio Braziliense e apresentado pelas colunistas de política Denise Rothenburg e Ana Maria Campos.
Com o aumento da taxa de transmissão do novo coronavírus, registrado nos últimos dias no Distrito Federal e em outras unidades da federação, a chance de reinfecção — ou de infecção — deve trazer preocupação para os brasileiros, afirma Lúcia. "Não se preocupar com o contágio é uma bobagem, porque você está prejudicando as suas funções mentais superiores", reforça.
Lúcia foi a primeira neurocientista a descobrir as consequências emocionais da pós-covid por meio de uma pesquisa feita com 614 pacientes que procuraram unidades da Rede Sarah para tratar de perda de memória e névoas cerebrais após serem infectados pela doença.
A primeira etapa da pesquisa consistiu na avaliação feita pela neurocientista e a equipe que a acompanha, revelou que os danos neuropsicológicos da doença afetam até mesmo a capacidade de expressar e perceber sentimentos. O desenvolvimento de depressão e ansiedade (registrada em 70% dos pacientes) e a inabilidade de verbalizar nomes de objetos, mesmo sabendo como se chamam, também foram apontadas entre os pacientes.
Lúcia contou casos de pacientes para exemplificar como os danos cerebrais podem prejudicar o cotidiano das pessoas. "As primeiras pessoas que nos procuraram foram professoras universitárias que apresentaram os mesmos relatos. Você tá com covid, se afasta do trabalho, depois volta achando que tá tudo normal, se prepara para dar uma aula e quando termina, não lembra nada. Isso é muito assustador. E é comum porque a covid causa isso", relata.
A especialista alerta que mesmo com três doses da vacina, o paciente não está imune a ser contagiado, e uma vez infectado, está sujeito a esse tipo de dano. "Não houve, na nossa pesquisa, relação de gravidade da infecção com a causa de danos neuropsicológicos. Então, pessoas que tiveram apenas sintomas gripais foram fortemente afetadas cerebralmente", diz.
Por isso, para a especialista, a melhor forma de atuar contra a covid é não subestimar o vírus e a infecção e investir no que deu certo no combate à doença: máscara de proteção e uso de álcool em gel. "Proteja o seu cérebro, porque ter uma sequela no cérebro é complicado", declara.
Reabilitação
A boa notícia para aqueles que sofrem com as consequências neuropsicológicas foi descoberta por Lúcia durante a segunda etapa da pesquisa com os 614 pacientes. Com os resultados dos danos em mãos, a Rede Sarah estabeleceu um programa de reabilitação de pessoas pós-covid e, até o momento, os resultados são positivos.
"Até o momento, reavaliamos 177 pacientes e vimos que essas pessoas estão melhorando, o que é muito importante. Porque o grande susto é não saber até quando esses sintomas podem durar, sem um mês ou dois anos ou se vão passar. E a gente está vendo que depois da reabilitação as melhoras são notadas depois de dois a quatro meses. Isso traz muita esperança", comemora Lúcia.
Uma das orientações é passar a planejar e a pensar em cada ação executada. "Por exemplo, eleger um local só para deixar a chave e a bolsa ao chegar em casa, isso ajudará a não esquecer e a treinar a mente a lembrar disso.
Exercícios físicos e meditação também são encorajados. "A mente é como o corpo. À medida que você o exercita, você o deixa melhor.", conclui.
Confira a entrevista completa
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