"Em nós, até a cor é um defeito. Um imperdoável mal de nascença, o estigma de um crime." A frase dita, no século 19, pelo advogado e abolicionista Luiz Gama mostra uma verdade inconveniente: todo o preto já sofreu racismo no Brasil. Último país a abolir a escravidão. Os negros brasileiros lutam diariamente uma batalha contra o racismo e a injúria racial que assola quem sofre esse tipo de preconceito. Por saber que não podemos deixar de abordar e falar sobre essas questões tão importantes, que infelizmente fazem parte do nosso cotidiano, a Secretaria de Justiça e Cidadania promove nos dias 8, 9 e 10 de novembro a V Conferência Distrital de Promoção da Igualdade Racial (Condipir).
Um exemplo desse racismo entranhado em nossa sociedade foi relatado por Leticia Karoline, 29. Ela comenta com tristeza o episódio sofrido com sua filha: "Eu pensei que minha reação seria outra. Mas na hora eu fiquei paralisada. Não sabemos qual é a sensação, até acontecer conosco. Sou preta e tenho uma filha branca. Estava andando com ela na rua, como de costume, um cara me parou e fez a seguinte pergunta: Quanto você cobra para olhar criança? Eu respondi: Eu não cobro nada, pois ela é minha filha. Ele: Nossa você é preta e ela é branquinha né. Pensei que era cuidadora dela. Eu literalmente não tive reação na hora. Fiquei paralisada, virei as costas e fui pra casa chorando. Eu não estava entendendo nada. Até que quando eu acalmei eu fui realmente entender o que tinha acontecido" conta.
A Condipir tem como objetivo a construção conjunta de propostas que mirem a promoção de políticas de enfrentamento ao racismo e de promoção da igualdade racial. O evento vai eleger Delegados representantes do Distrito Federal na V Conferência Nacional de Promoção da Igualdade Racial (Conapir) em Brasília. A abertura oficial será online e acontecerá hoje às 19h30. Após, haverá a Palestra Magna com Juvenal Araújo, secretário executivo da Secretaria de Justiça do DF. As inscrições e a programação detalhada podem ser encontradas em condipir.sejus.df.gov.br.
O secretário de Estado de Justiça e Cidadania, Jaime Santana de Sousa, e o presidente do Conselho Distrital de Igualdade Racial, Diego Moreno de Assis e Santos, responderam algumas perguntas sobre o racismo e as formas de enfrentá-lo.
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Qual a diferença entre injúria racial e racismo?
Jaime: O crime de injúria racial está inserido no capítulo dos crimes contra a honra. Ele prevê uma forma qualificada para o crime de injúria, na qual a pena é maior e não se confunde com o crime de racismo. Para sua caracterização é necessário que haja ofensa à dignidade de alguém e a pena pode ir de 1 a 3 anos de reclusão. Já o crime de racismo pune crimes resultantes de preconceito de raça ou de cor, conhecida como Lei do Racismo. O que diferencia os crimes é o direcionamento da conduta, enquanto que na injúria racial a ofensa é direcionada a um indivíduo especifico, no crime de racismo, a ofensa é contra uma coletividade, por exemplo, toda uma raça.
Como denunciar casos de racismo?
Jaime: Inicialmente, é preciso apontar que os dois crimes são graves e precisam ser denunciados, pois somente desta forma haverá uma resposta efetiva do Estado. Racismo não é mal entendido e quem discrimina precisa responder judicialmente pelo seu ato. Orientamos que a denúncia seja feita presencialmente em qualquer delegacia do DF, 24 horas por dia, ou na Delegacia Especial de Repressão aos Crimes por Discriminação Racial, Religiosa ou por Orientação Sexual ou contra a Pessoa Idosa (Decrin), próximo ao Parque da Cidade. Outros canais disponíveis são o telefone 197 Opção zero ou pelo WhatsApp (61) 98626-1197 e o Disque 100, que a exemplo dos demais, conta com absoluto sigilo.
Temos percebido um crescimento nos casos no DF, ao que se deve isso? Os casos estão aumentando ou os pretos e pretas estão denunciando mais?
Jaime: Acreditamos que o entendimento do Supremo Tribunal Federal (STF) contribuiu para esse aumento. que também se dá ante o fato das pessoas denunciarem as práticas clássicas e já conhecidas de discriminação. E a tendência é que esse aumento ocorra de forma gradativa, porque até hoje temos muitos mais crimes de injúria racial, que de racismo. É importante apontar, ainda, que as denúncias e diversas reações ao racismo crescem, também, graças à tecnologia e ao ativismo do movimento negro. OS celulares ajudam a produzir provas e as redes sociais ampliam a voz das vítimas, que estão cada vez mais conscientes e engajadas.
Como criar uma cultura antirracista na sociedade? Isso deve partir de casa, da escola?
Diego: O silêncio sobre o racismo, o preconceito e a discriminação raciais nas diversas áreas da sociedade contribui para que as diferenças entre negros e brancos sejam entendidas equivocadamente como desigualdades naturais. Ao lado da família, a escola é o nosso principal espaço de socialização. É ali que recebemos uma considerável carga de diversidade e consolidamos, também, com valores éticos e morais, construindo a respectiva identidade. Daí a importância que a escola não somente aborde o racismo, mas que seja um espaço de sua desconstrução, com a presença das narrativas negras - e não somente em Novembro. Mas somente isso não basta, é preciso políticas públicas, e o Distrito Federal está muito avançado e é exemplo na temática.
As penas ainda são brandas ou, se corretamente aplicadas, podem servir de exemplo para que outros não cometam?
Diego: o Poder Judiciário é restrito aos limites legais. Embora exista a equiparação dos crimes pelo STF, acredito que podemos avançar um pouco mais. Então quando se pensa nisso, inevitavelmente pensamos em adequação da legislação vigente. Essa visão foi defendida por nós e um projeto foi aprovado no Senado, e agora segue para a Câmara dos Deputados onde será analisado.
*Estagiários sob a supervisão de Euclides Bitelo
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