A chance de quem vive no Plano Piloto ter itens furtados de seu veículo é maior do que a de quem mora em outras cidades do Distrito Federal. Por outro lado, são os habitantes de Taguatinga que têm seus veículos roubados com uma frequência maior. De 2012 a 2021, as duas cidades ficaram no topo da lista das regiões com a maior incidência desses tipos de crime por 100 mil habitantes. Já em relação ao furto dos carros, as duas regiões administrativas se revezam na liderança do ranking. É o que aponta um levantamento feito pelo Correio com base em dados divulgados pela Secretaria de Segurança Pública (SSP-DF). Outras RAs que aparecem no topo das listas são: Águas Claras, Gama, Núcleo Bandeirante, Samambaia, Santa Maria e Sobradinho.
Entre janeiro e outubro de 2022, 1.286 veículos foram roubados e 3.137 ocorrências de furto de veículos foram registradas, enquanto houve 6.790 casos de furtos em carros. De acordo com o especialista em segurança pública Leonardo Sant'Anna, a incidência desses crimes tem motivos. Ele afirma que, para compreender as variáveis que fazem essas cidades estarem no mapa dos furtos/roubos relacionados a veículos na capital, é preciso listar cinco itens: grande quantidade de veículos; baixa equivalência de vagas comerciais/residenciais; baixo volume de fiscalização pública; baixo investimento em tecnologia aplicada a sistemas de segurança; e a incapacidade normativa e legal de manter encarcerados os criminosos envolvidos nesse tipo de delito (no caso dos furtos).
"O desequilíbrio dessas variáveis colabora diretamente para a quantidade de furtos e roubos de veículos. Os dois primeiros itens têm relação com a ocupação urbana, que está em desalinho com a disponibilidade de locais seguros para proteger os veículos", explica. "Os três itens finais trazem, claramente, o impacto da redução de profissionais de segurança exercendo o trabalho de prevenção criminal nas ruas, e o de um investimento acanhado em tecnologia aplicada a sistemas de segurança", acrescenta.
Para Leonardo Sant'Anna, esse investimento teria como resultado o que, segundo ele, é denominado como smart cities (cidades inteligentes). "Isso acarretaria em uma conexão entre as mais diversas tecnologias para aprimorar a efetividade e a rapidez do que a segurança pode proporcionar ao cidadão", frisa o especialista. Ele complementa que a dificuldade de manter esses criminosos longe das ruas, no caso dos furtos, leva a acreditar que a prática desse tipo de crime compensa.
Choque
Um morador da Asa Sul, que preferiu não ser identificado, passou por momentos de tensão. Ele teve um item furtado de seu veículo em 26 de agosto, no Setor Industrial do Gama. "Estava em uma festa de aniversário, na casa do meu amigo. Por volta de 21h45, os bandidos arrombaram o miolo da porta do meu carro e arrancaram todo o som", conta. "Por sorte, um colega tinha ido no estacionamento pegar algo no veículo dele e viu os criminosos revirando o meu. Caso contrário, eles teriam levado meu estepe e outras coisas também", afirma.
O jovem de 24 anos lembra que, no início, ficou bastante assustado. "Meu colega falou que tinham roubado o meu carro e, naquele momento, pensei que fosse o veículo inteiro", recorda. "Mas, ao ver que era apenas o sistema de som, fiquei mais aliviado", destaca. "Fui à delegacia da região minutos após o furto e, no dia seguinte, fiz a perícia, mas ainda não tive nenhuma informação da polícia e nem sei o andamento da investigação", reclama.
Apesar de não estar entre as três regiões com a maior taxa de roubos de veículos, o Plano Piloto não escapa desse tipo de crime. É o caso da advogada Bárbara Estrela, 33. Em 15 de outubro, ela levou um tiro na cabeça enquanto bandidos tentavam levar o seu carro, na quadra 103 Norte. Quase 100% recuperada fisicamente, Bárbara afirma que não tem medo de voltar a viver normalmente, saindo às ruas. "No entanto, estou um pouco preocupada com a situação da Asa Norte", pondera.
A advogada conta que foi um choque ter o carro roubado dessa forma. Mesmo assim, ressalta que segue dirigindo. "Estou levando minha vida normalmente. Estou me recuperando e sendo cautelosa com as idas ao médico", comenta. Para ela, o pior já passou. "Confio plenamente na 2ª DP (Asa Norte), que me mantém informada constantemente para, assim, poder seguir minha vida normal", diz Bárbara. O carro foi recuperado no mesmo dia do roubo, em Sobradinho 2, pela Polícia Civil do Distrito Federal (PCDF).
Como agem
Ao Correio, o delegado da Coordenação de Repressão aos Crimes Patrimoniais (Corpatri/PCDF), André Leite, diz que Brasília e Taguatinga estão na alça de mira dos criminosos por serem cidades com maior circulação de veículos e de pessoas. Ele afirma que, após tomarem os veículos das vítimas, os bandidos costumam cloná-los ou utilizá-los em outros assaltos ou furtos. "Outros veículos têm suas peças desmontadas e, aquelas que não são identificáveis — portas, capôs, rodas, tetos e pneus — são vendidas no mercado ilegal", detalha o delegado.
André Leite ressalta que o foco de atuação da PCDF, para coibir esses tipos de crimes, é nas associações/organizações criminosas. "E isso vai desde o assaltante, 'furtador' e receptadores, chegando até os falsificadores de documentos e adulteradores de veículos", explica. "A Corpatri sempre foi um termômetro da criminalidade no DF, sobretudo em relação aos roubos e furtos de veículos. Todas as vezes em que há grandes operações, percebe-se uma diminuição nos índices de criminalidade", aponta o delegado.
Medidas
Leonardo Sant'Anna afirma que é possível coibir essas ações criminosas e, para ele, o investimento na tecnologia pode ser o grande aliado. Além disso, o especialista destaca outras iniciativas governamentais que podem ser adotadas. "Melhoria na iluminação pública, melhor monitoramento remoto dos bolsões de furtos e roubos nas cidades e o uso de câmeras OCR e LPR (que reconhecem caracteres das placas ou as leem por completo, respectivamente) nos serviços contratados para os 'pardais' e câmeras", detalha.
O especialista também dá orientações para a população, que pode ajudar na hora de preservar o bem. "Sempre opte pelas caronas solidárias e saídas em grupos. Além de mais barato, os bandidos evitam se colocar em risco e buscam quem esteja mais vulnerável. Evite, ainda, deixar pertences, mesmo que baratos, dentro dos veículos. Pode parecer antiquado, mas trancas de volante ou aquelas que usam barras e cadeados aparentes também desencorajam os ladrões", pontua (confira mais em Dicas).
*Estagiário sob a supervisão de Patrick Selvatti