O presidente da Federação das Indústrias do DF (Fibra-DF), Jamal Jorge Bittar, foi o convidado de ontem do CB.Poder — parceria entre Correio e TV Brasília. Na conversa com a jornalista Ana Maria Campos, o empresário falou sobre o cenário pós-eleição presidencial, futuro da relação do governador Ibaneis Rocha e do presidente Lula. Bittar também demonstrou otimismo com o novo governo, o qual avaliou que necessitará de grande capacidade de diálogo para lidar com o orçamento apertado para 2023. Ele destacou que há estreita relação entre o cuidado com a parcela mais pobre da população e o crescimento econômico. "O grande protagonista do desenvolvimento brasileiro é o pobre, que luta, corre, gasta e mantém toda atividade econômica ativa", afirma.
A decisão foi tomada nas urnas, no último domingo, mas parece que tem muita gente que ainda não aceitou. Em algumas cidades, as ruas estão tomadas de manifestantes bolsonaristas que não admitem o resultado. Como você está vendo esse pós-eleição?
A radicalização, por si só, é um excesso, quando ela ultrapassa (os limites), gera esse tipo de desconforto. Atribuo muito disso à ausência de espírito democrático. Nós temos vários meios, incluindo o que eu habito, o meio empresarial, que acreditavam que nós tínhamos só um lado. No momento em que você faz política que só tem um lado, quando vem o revez, o sobressalto é bastante grande. Daí temos movimentos que eu chamo de ilegais. Qualquer movimento que afronte o previsto na Constituição e o Estado Democrático de Direito, por si só, é ilegal, mesmo numa manifestação pacífica. Por exemplo, qual é o seu pleito? Que as Forças Armadas ocupem o Congresso? Isso é ilegal. Não é simples manifestação de vontade. Isso é uma vontade parecida com apologia a um crime ou incitar um crime. Encaro isso com alguma tristeza, mas sem nenhum medo. Acho que é o direito de manifestação de perdedor, mas só manifestação. Vejo como eventos isolados e que rapidamente passarão. O presidente Bolsonaro fez o pronunciamento, pediu calma e cuidado nesses eventos. Acredito que deva acalmar em parte essa base e que, em mais alguns dias, estará virada a página.
Vimos que esse movimento de bloqueio de rodovias prejudica muito a população.
Direito de ir e vir e o bem-estar do cidadão. Temos convicção de que esse é o topo maior dos direitos. Nenhum movimento poderia chegar a esse ponto. Infelizmente, acontece, e eu não sei a repercussão ainda no sentido de abastecimento, mas alguns mercadistas e atacadistas acusam a queda de estoque de alguns produtos. Por conta de um movimento que acho desnecessário.
Você acha que a declaração do presidente Bolsonaro de que pode haver manifestações, mas sem bloqueio de rodovias, foi mesmo para pacificar ou só para mostrar não estar cometendo um crime de incitar esse
tipo de movimento?
Como todas as manifestações do presidente Jair Bolsonaro, são em princípio dúbias. Ele fala de bloqueio, porque, certamente, houve a pressão de alguma base dele. Agricultores, empresários do ramo de distribuição, alguns interessados que têm atividades comerciais muito intensas, que sofrem com esse bloqueio. Mas, ao mesmo tempo, ele nunca faz nada completo. Eu acredito que, aquilo foi o suficiente para acalmar alguns espíritos, mas não plenamente, quando ele fala que há o direito de manifestação.
Antes da eleição, você fez uma manifestação favorável à eleição do ex-presidente Lula. Como foi a reação do setor produtivo e do empresariado de Brasília?
Não surpreendeu, mas causou muita insatisfação. Alguns acreditam de forma bastante equivocada que existia uma obrigação do setor produtivo se manifestar pró-Bolsonaro. Não sei de onde tiraram essa ideia. Para mim, isso é um um filhote que nasceu sem o processo adequado. Porque extrair de vontade particulares ou ideológicas que alguém, por pertencer a um determinado nicho, tem a obrigação de apoiar certo candidato, é no mínimo uma excrescência. Nós temos grupos do setor produtivo aqui em Brasília que se autointitulam preservadores do bem-estar social e que tentaram colocar na sociedade essa mentira. Fake é a palavra mais bonita que eu já vi para mentira. Acho que a palavra fake, às vezes, encoberta a dureza da palavra. É mentira. Existem sim, muitos empresários, embora minoria, que não acatavam a forma de governar do presidente Jair Bolsonaro. Só que, diante de tanta pressão, a grande maioria ficou omissa, oculta e intimidada de se manifestar por esses grupos. Tanto é que logo após a divulgação do resultado, nós tivemos até manifestações surpreendentes, de pessoas que pareciam neutras, mas não estavam neutras. Nenhum de nós está sujeito a ter que ser subordinado a uma ideia. Isso é um ambiente de liberdade e democrático.
Lula foi presidente durante oito anos, e muitas das informações que circulam hoje, que se ganhasse, ele poderia implantar o comunismo no país ou fazer confiscos, não ocorreram quando ele foi presidente. Como é que você avalia aqueles oito anos?
O que se criou foi uma retórica, a falsa retórica sobre questões que nunca aconteceram. De 2002 a 2010 é bem claro, até porque não está somente na história, está nos dados, que nós tivemos um dos melhores períodos de crescimento, distribuição de renda e ação sociais deste país. Do tempo que acompanho a política, e eu tenho 65 anos, para mim foi o melhor período de bem-estar social, onde todos ganharam dinheiro. Empresários ganharam dinheiro. O pobre passou a ter mais acesso. Lembro-me que pobres passaram a tomar iogurte, coisa que parecia impensável, embora seja uma corriqueira hoje. Nós tivemos distribuição de renda, programa social e crescimento econômico. Digo que nós temos que ter saudade desse período. Eu tenho saudade do crescimento de 7,5% no PIB em 2010. Tenho saudades do crescimento de 4%, em média, do governo Lula. Criaram, como outras mentiras, histórias que nunca aconteceram. Veja, logo na vitória do Bolsonaro, vi uma pessoa que representa o setor produtivo dizendo "marxismo nunca mais". Pensei comigo "eu bati a cabeça numa pedra e passei esses oito anos dormindo". Porque eu nunca vi nada parecido, jamais tivemos um governo que fosse de extrema esquerda, como nós quase tivemos aqui uma predominância de extrema direita.
Mas o cenário hoje não é tão otimista quanto ao orçamento que a gente tem. O Brasil está endividado. As lideranças estão discutindo como colocar em prática em 2023, promessas do Lula, inclusive em relação a projetos sociais. Como é que você vê essa falta de recursos, como isso vai se refletir no setor produtivo?
Isso é preocupante. O que nós, aderentes a essa nova eleição do presidente Lula, é a capacidade de comunicação e a capacidade de composição do presidente. Ele sempre foi um grande negociador. E terá que começar pelo Congresso. Embora eu não tenha que questionar dinheiro que vai para os pessoas mais humildes e pobres, pois é sempre muito bem-vindo, mas estima-se que a remessa direta de R$ 42 bilhões com custo final de quase R$ 100 bilhões, obviamente impacta no orçamento. Me parece que o presidente quer propor alguma coisa em relação a algumas despesas relacionadas à pandemia, outras mais que fiquem fora do teto orçamentário. Vai precisar ser discutido pelo menos neste primeiro ano. A ausência de recursos do Estado é sempre comprometedora da atividade econômica. A grande roda é o Estado. Ele que tem a maior parcela de recurso e quem move as grandes rodas que o circundam. É óbvio que na medida que você tem menos dinheiro em circulação, um deficit orçamentário bastante grande e alguns outros elementos que prejudicam a atividade econômica, você tem menor atividade, você tem menos empregos, menos receita, menos impostos e toda sorte de consequências. Isso é preocupante sim, mas eu acredito que um bom diálogo e com essa capacidade que o presidente tem e vice-presidente Geraldo Alckmin que tomará posse conjuntamente, nós conseguiremos, se não resolvê-lo, atenuá-lo.
Como você avalia que vai ser a relação do governador Ibaneis Rocha, que apoiou o Bolsonaro no primeiro e no segundo turnos, com Lula?
Eu penso que o governador Ibaneis tem essa capacidade de buscar o diálogo. É muito importante essa integração do governo do Distrito Federal com o governo federal. Não só porque o presidente habitará Brasília, mas porque nós temos interesses diretos nessas gestões de recursos e orçamento. O governador tem algumas pontes que, certamente, entrarão em ação para poder minimizar alguns impactos decorrentes de campanha eleitoral. Eu tenho, para mim, que, excessos à parte, a gestão do governador e essa busca por um diálogo será exitosa é o que eu acredito.
Ainda temos os problemas sociais. Em 2003, Lula prometeu acabar com a fome. Apesar de ser questão nacional, isso também é fundamental para Brasília, certo?
Ele prometeu em 2003 e jogou a fome para o menor patamar esperado, inclusive até além do que era esperado para o governo dele, e a distribuição de rendas para a melhor média histórica. Hoje temos que discutir tudo isso. Mas, infelizmente, nós vamos precisar da mão de um gestor que olha pros pobres, não de modo pontual eleitoral. Aquele que começa e termina o ano tratando de pobres. Não só pobre no sentido especialista. Eu conheço discurso de alguns nichos que permeia a política de direita nacional. Tudo aquilo que foi abolido há muito tempo, voltou à tona. A crítica ao pobre, que diz que são preguiçosos, e sem contar as críticas a algumas regiões do Brasil. Essas pessoas pessoas são muito mais dignas que um monte de gente com o bolso cheio de dinheiro e que se dizem grandes protagonistas do desenvolvimento brasileiro. O grande protagonista do desenvolvimento brasileiro é o pobre, que luta, corre, gasta e mantém toda atividade econômica ativa. E hoje nós voltamos a todo esse conteúdo crítico e exatamente as pessoas que sofrem por isso. Nós estamos sofrendo e o presidente Lula entra com essa missão de resgatar novamente esse pobre e com crescimento econômico. Crescimento econômica gera riqueza por si só. Sempre haverá uma parcela da sociedade que tem limitações para produzir renda. O Estado existe para isso. Aliás, o Estado só existe para isso.
*Estagiário sob a supervisão de José Carlos Vieira
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