A circulação de novos compostos químicos na produção de drogas sintéticas, como o LSD e o ecstasy, é uma ameaça à saúde e à segurança pública do Distrito Federal. Os entorpecentes são manipulados geralmente em laboratórios clandestinos e passam por um processo de incremento de outras substâncias ou medicamentos.
Os principais "clientes" são jovens e adultos, que costumam ter acesso fácil e barato a esses entorpecentes em festas, como as raves. Além de caracterizar um crime de tráfico ou posse de drogas, o desconhecimento sobre as verdadeiras substâncias inseridas naquela droga pode levar a um fim trágico, como foi o caso da universitária Ana Carolina Lessa, 19 anos. Em junho de 2018, ao ingerir o n-etilpentilona com uma bebida alcoólica, durante uma rave, a jovem teve uma reação intensa. Horas depois, sofreu várias alucinações, o coração ficou sobrecarregado e não resistiu a duas paradas cardiorrespiratórias.
À época, o fato colocou as autoridades em alerta. Tanto que, meses depois, a Coordenação de Repressão às Drogas da Polícia Civil (Cord/PCDF) deflagrou uma megaoperação em Santa Catarina e fechou um laboratório de drogas sintéticas, que contava com duas máquinas instaladas no local e que tinham capacidade para produzir 4 mil comprimidos por hora. Os entorpecentes eram distribuídos para diversos locais do Brasil, inclusive o DF, onde chegou às mãos de Ana e provocou sua morte.
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Um outro composto também utilizado por criminosos é a 25E-NBOH, proibida pela Agência de Vigilância Sanitária (Anvisa) por apresentar alto potencial para uso abusivo e colocar em risco a vida dos usuários. O composto pode levar a efeitos como convulsões, psicose aguda, dependência e morte. Ainda há pouca informação sobre o agente químico, que é identificado facilmente por peritos do Instituto de Criminalística (IC). No DF, a primeira prisão relacionada ao tráfico desse tipo de droga foi em 2018. O vendedor, um rapaz de 18 anos, foi preso em flagrante com 250 microsselos. À polícia, disse que teria comprado o produto de um fornecedor pelo valor de R$ 1,6 mil.
O diretor da Cord, delegado Rogério Rezende, afirma que as substâncias podem constituir uma séria ameaça para a saúde pública. "O termo "novo" não se refere unicamente a substâncias recém-inventadas ou recém-sintetizadas, mas também às recentemente disponíveis no mercado ou às que são usadas de forma imprópria (onde se incluem os fármacos psicoativos). De uma forma geral, as novas substâncias psicoativas, atualmente sintetizadas, são criadas para imitar os efeitos das existentes naturais ou sintéticas já controladas no âmbito das leis e listadas nas referidas convenções", explica.
Manipulação
Os dados mais atualizados da Polícia Civil do DF e específicos sobre substâncias químicas inseridas em drogas sintéticas mostram que, entre 2017 e 2020, a corporação apreendeu um total de 3.696 quantidades de 34 compostos distintos. Entre elas, cloro, etilona, n-etilpentilona e 25E-NBOH.
A polícia também identifica com frequência a presença de outras substâncias na cocaína e no crack, como a efedrina, o bicarbonato de sódio, a sacarina, a farinha de arroz branco (para dar volume), a maltodextrina e a tetracaína."Estamos percebendo o aumento do plástico na confecção do crack, por exemplo. Os criminosos usam esse composto para aumentar o volume da droga e dar mais consistência, porque o plástico é um antioxidante", destaca Rezende.
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Andrea Gallassi, professora da Universidade de Brasília (UnB), no campus Ceilândia, critica a Portaria n° 344/98, da Anvisa, que define as drogas proibidas. Na avaliação da coordenadora do Centro de Referência sobre Drogas e Vulnerabilidades Associadas, a agência está desatualizada sobre circulação de novos entorpecentes. "Ela (Anvisa) vai fazendo as normativas de acordo com as drogas que vão surgindo. É uma tentativa de regular essas substâncias novas, mas com uma ineficiência do papel dela. Isso acontece por várias razões. Uma delas são as pequenas mudanças na composição química das drogas que já são usadas", destaca.
A professora deixa claro o perigo à saúde física e mental a partir do momento em que essas substâncias entram em contato com o ser humano. "A pessoa acha que está consumindo algo, mas, muitas vezes, não sabe qual será a reação do organismo ao usar tal droga. Então, corre esse risco. Além disso, vale ressaltar que não há um controle por parte do usuário. Quem usa, não sabe o que está consumindo."
Nos Estados Unidos, por exemplo, é comum agentes irem até festas e raves com um equipamento especializado no teste de drogas. Antes de usar o entorpecente, ele passa por uma espécie de exame para dar o diagnóstico do que de fato há naquela droga. De acordo com Andrea, o investimento em campanhas de prevenção efetivas e na ampliação do tratamento clínico dentro de comunidades pode ajudar na redução dos danos.