Com especialistas ainda mensurando os impactos da pandemia de covid-19, a saúde mental é um dos termômetros de acompanhamento desses efeitos. Nos últimos dois anos, só no Distrito Federal houve um aumento de 60% a 70% na comercialização de remédios controlados, antidepressivos e ansiolíticos. Os dados são do Sindicato do Comércio Varejista de Produtos Farmacêuticos do Distrito Federal (Sincofarma) e mapeiam, justamente, o início da crise sanitária provocada pela covid-19.
Segundo o presidente da associação, Erivan Araújo, a maior parte dessas prescrições são voltadas para o tratamento de doenças mentais. "Muitos dos casos estão relacionados a depressão e ansiedade. Houve, ainda, crescimento na compra de bebidas e cigarros", aponta. Para ele, os números de consumo estão atrelados a necessidade de fuga para enfrentar quadros psiquiátricos, que cresceram durante o período agudo da crise sanitária.
O farmacêutico também correlaciona o isolamento e estresse causado pela quarentena, no início de 2020, como possíveis gatilhos, principalmente na população mais jovem. "Houve uma mudança de vida e era impossível que essa situação não fosse um abalo muito grande", analisa.
Aceitação
Um desses casos é vivido por Tales Castro Mazzoccante, 22 anos, que há pouco mais de dois meses começou com o tratamento medicamentoso para depressão e ansiedade. Os sintomas, segundo ele, surgiram na adolescência e se intensificaram há dois anos. "A auto cobrança em relação a faculdade e o isolamento em decorrência da pandemia foram os principais problemas. Por isso, precisei procurar acompanhamento", explica.
No começo, Tales precisou enfrentar a resistência dos pais, uma vez que estigmas envolvendo questões de saúde mental sempre estiveram presentes dentro de casa. Após algumas sessões de terapia e a prescrição dos remédios, a família passou a enfrentar outros temores. "Eles ficaram surpresos com a necessidade de tomar medicamentos e com medo de que eles me causassem alguma dependência", relembra Tales.
Adquirindo antidepressivo mensalmente e ansiolítico a cada dois meses, o morador de Sobradinho gasta, com os dois fármacos, cerca de R$ 135,90. Apesar de conseguir comprar, ele reconhece que os preços não são acessíveis. Mesmo com todas as dificuldades, ele garante que é importante fazer o tratamento.
Rede Pública
O aumento na procura por medicamentos controlados também está presente na saúde pública do DF. Conforme dados fornecidos pela Secretaria de Saúde do Distrito Federal (SES-DF), ao Correio, o crescimento registrado é de 16%, entre 2019 e 2022. Embora, comparativamente, o percentual seja menor aos números da Sincofarma, a crescente de alguns medicamentos expressa as alterações do período pandêmico.
Os ansiolíticos sofreram uma variação média de 8%. Enquanto os antidepressivos chegaram a 32%. Já a classe de remédios antipsicóticos apresentou decréscimo em 1%. O médico psiquiatra Luan Marques observa que a ampliação desse consumo é anterior à pandemia. "Uma preocupação é que esses aumentos não sejam exclusivos do SUS mas, sim, das prescrições públicas e privadas, pois, em alguns casos, são medicamentos baratos, mas que tem um elevado grau de dependência química", elucida. O receio do profissional é que pessoas com vulnerabilidades tratem apenas os sintomas, sem combater as causas, o que pode causar a dependência de remédios.
Tratamento completo
Desigualdade social, pandemia e cultura individualista. São vários os motivos interpretados pelo psicólogo Igor Saraiva para o aumento no consumo de medicamentos psiquiátricos na capital federal. Para ele, os remédios, em dado momento, são um auxílio para o indivíduo que chega ao ápice do sofrimento, mas são necessárias outras intervenções para a melhoria da saúde do paciente. "O desenvolvimento depressivo pode chegar a um tamanho que paralisa a pessoa, impedindo ela de buscar ajuda. Nesses momentos agudos de sofrimento, o remédio vem pra ajudar", explica. No entanto, o especialista também chama atenção para o perigo da banalização dos fármacos.
Na avaliação de Igor, é primordial que o paciente faça o tratamento acompanhado por um psicólogo, para que as reais causas do adoecimento mental sejam trabalhadas da melhor forma. "A psiquiatra e a psicologia precisam andar de mãos dadas."
Fim do tabu
Posição corroborada pela médica psiquiatra e presidente da Associação Psiquiátrica de Brasília (APBr), Renata Figueiredo, acredita que o adoecimento mental também está vinculado à pausa nos atendimentos e tratamentos que deixaram de ser realizados durante a pandemia. Para a especialista, essa suspensão, que ocorreu em diversas unidades hospitalares, prejudicou o avanço das doenças na capital federal.
Por outro lado, Renata afirma que a crise da covid-19 trouxe à luz o debate do adoecimento psíquico, que ficou mais nítido de 2020 para 2022. "Pela redução do tabu, pacientes que necessitavam de tratamento antes e tinham vergonha de procurar, perceberam que outras pessoas estavam procurando ajuda e também buscaram ajuda. A mídia falou mais sobre saúde mental durante a pandemia", pressupõe.
Essa busca, na visão da médica, é importante para a remissão dos sintomas, tanto daqueles que apresentavam os problemas antes da pandemia, como os casos que se agravaram na crise sanitária. Ela também alerta para a importância de não abandonar a psicoterapia, que pode trazer muitos benefícios para a saúde mental do indivíduo. Muitos pacientes deixam as sessões com psicólogos ou terapeutas e tomam as medicações isoladamente. "O tratamento combinado, psicoterapia e psicofarmacoterapia, é o melhor, pois aumenta a resposta e a aceitação, além de melhorar o prognóstico", sinaliza.
*Estagiário sob a supervisão de Juliana Oliveira
Colaborou Carlos Silva
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