Legislativo

Representatividade é desafio em cargos políticos da capital do país

No pleito deste ano, não houve candidatos pretos no DF eleitos para o Senado e a Câmara Federal. Na Câmara Legislativa, três postulantes dessa parcela da população obtiveram votação suficiente — Chico Vigilante (PT), Fábio Felix (PSol) e Jane Klébia (Agir)

Edis Henrique Peres
Pablo Giovanni*
postado em 13/11/2022 06:00
 (crédito: Carlos Vieira/CB/D.A Press)
(crédito: Carlos Vieira/CB/D.A Press)

Vencer o racismo estrutural enfrenta diversos desafios e exige ações afirmativas, uma delas, é o aumento da representatividade nos cargos de decisão e de poder. A avaliação é consenso entre os especialistas ouvidos pelo Correio. No entanto, na prática, o Distrito Federal ainda engatinha na execução dessas medidas e na apresentação de resultados. Dos candidatos que concorreram este ano aos cargos do Legislativo (Senado, câmaras Distrital e Federal), por exemplo, 118 se autodeclararam pretos ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Para a Câmara e o Senado nenhum deles foi eleito. Na Câmara Legislativa (CLDF), três obtiveram cadeiras — Chico Vigilante (PT), Fábio Felix (PSol) e Jane Klébia (Agir). Apesar de serem poucos, ainda é uma vitória se comparado aos anos anteriores: em 2018, a CLDF teve apenas dois parlamentares pretos na gestão. Em 2014, somente um.

Doutorando em Direito pela Universidade de São Paulo (USP), Antonio Carlos de Freitas Júnior acentua que o tema é complexo e afeta não apenas o universo político, mas também o mundo corporativo, o ensino superior e diversos outros cargos e posições na sociedade. "Diante disso, o que temos são ações afirmativas para combater essas desigualdades de gênero, de etnia e raciais. Há uma série de medidas no campo político e dos corpos diretivos, como foi, por vontade do Supremo Tribunal Federal (STF), a cota racial na aplicação dos recursos. Mas no que diz respeito à distribuição de recursos, essa medida gerou um grande debate, porque alguns candidatos que se autodeclararam brancos, para ter acesso a esse percentual (de dinheiro) começaram a se declarar pretos, pardos ou indígenas", destaca.

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pri-1311-pretoslegislativo pretos com cadeira no legislativo (foto: Valdo Virgo)

"No mundo afora, temos cotas de cadeiras no parlamento para a população preta, parda, indígena e para mulheres. Mas com o nosso sistema eleitoral e político, considero essa medida mais extrema e complexa. O que seria um passo importante para alcançar essas vagas e esses lugares institucionais de tomada de decisão e definição de políticas públicas seriam cotas no diretório dos partidos", sugere o especialista. O desafio, segundo Antonio Carlos, é que a elite política partidária é dominada por homens brancos de meia idade. "Para alcançar a diversidade precisamos ir contra a inércia desse mesmo público que quer continuar no poder e, para isso, é preciso aplicação de recurso, medidas educacionais e cotas, tal como foi feito nas universidades", acrescenta.

Deputado distrital pelo PSol, Fábio Felix conseguiu vencer parte dos desafios e ocupou as páginas do noticiário, este ano, após ser reeleito com 51.792 votos, o melhor desempenho da história do DF. Mesmo diante da vitória, o parlamentar ressalva que há muito a ser feito. "O racismo estrutural impõe barreiras para que pessoas negras não ocupem a política institucional. Precisamos enfrentar dificuldades que as pessoas brancas nem imaginam que existem. A representatividade é fundamental porque garante a qualificação das políticas públicas, que precisam contemplar as necessidades do seu povo. Como um dos poucos parlamentares negros eleitos, uma das minhas prioridades é lutar para mudar essa realidade", garante.

Ao longo do mandato como deputado, Fábio destaca os projetos já apresentados, como o Programa Distrital de Combate ao Racismo Religioso, além da lei que criou a Semana Distrital em Defesa da Vida da Juventude Negra. O parlamentar adiantou ao Correio que vai dialogar com a Companhia de Planejamento do DF (Codeplan) para obter levantamentos e pesquisas específicas para a população negra, no intuito de possibilitar a construção de políticas públicas. "Na saúde, a luta é pela implantação do quesito raça/cor para garantir políticas que garantam o atendimento adequado à população negra", completa.

Desafios

Os dados da Pesquisa Distrital por Amostra de Domicílios (PDAD) de 2021, produzida pela Companhia de Planejamento do DF (Codeplan), apontam que dos 3 milhões de moradores da capital do país, 46,2% são pardos e 11,1% pretos. O percentual de brancos é de 40,9%. Apesar de os negros — pardos e pretos — representarem 57,3% da população, a ocupação nos cargos públicos é minima. A realidade, para Nauê Bernardo Azevedo, cientista político e advogado, deve-se ao racismo estrutural, que, na avaliação dele, demorou muito a ser combatido no país e continua a reproduzir desigualdade e discriminação.

O especialista chama atenção para essa distorção. "É imperioso que se questione porque a cara da população brasileira não é a mesma que é vista nos altos cargos. Isso não acontece por acaso e sim porque as pessoas negras não conseguem ascender a estes cargos por inúmeros fatores, muitos deles alimentados por décadas de exclusão que provocam pobreza e falta de acesso a condições de ascensão social. É sempre preciso lembrar que a abolição da escravidão não veio acompanhada de políticas públicas para inserção dos negros na sociedade, pelo contrário, foram pessoas isoladas de acesso, até mesmo a serviços essenciais por muito tempo", aponta o cientista político.

Nauê observa que a falta de políticas públicas trouxe consequências duradouras, como a perpetuação da pobreza e da marginalização dos negros. Por isso, a representatividade é um passo importante. "Ela faz com que as pessoas consigam visualizar soluções para problemas que elas vivem. É difícil para uma pessoa que não vive um problema indicar soluções adequadas para ele, exatamente pela falta de experiência prática. É essencial a pluralidade na representação, para que os problemas da sociedade como um todo sejam alvo de debates e propostas de resolução", reforça.

Eleito para o quarto mandato como distrital, o petista Chico Vigilante informou que não vai detalhar quais projetos pretende colocar em pauta na CLDF, mas antecipou que todas as propostas estarão embasadas em prol de comunidades periféricas. A exemplo de Fábio Felix, o parlamentar também lembrou que a população preta do DF não possui uma saúde digna. "Como nos meus últimos anos de Casa, vou lutar em prol de pautas essenciais. É inadmissível a capital do país ter uma saúde pública tão ruim, e quem mais utiliza dela são pessoas pretas. Lamentavelmente, são elas que não têm plano de saúde. Ao lado do presidente Lula, vamos mudar a situação do DF", afirma.

Chico adiantou que vai trabalhar contra as escolas militarizadas no DF. Ele salientou que unidades escolares que seguem esse modelo existem apenas em regiões periféricas, e que a abordagem de policiais com estudantes pretos é antiquada. "O governo tem que trabalhar com a violência fora das escolas, porque é lá que ela existe. Nós, deputados, temos que nos juntar sobre a questão da segurança pública. Dentro da escola existe um tratamento totalmente diferente entre estudantes brancos e pretos, e isso também ocorre fora do ambiente escolar", cobra o parlamentar.

Chico Vigilante (PT) foi eleito para o quarto mandato na CLDF
Chico Vigilante (PT) foi eleito para o quarto mandato na CLDF (foto: Vitor Gripp/Esp.CB/D.A Press )

A reportagem também buscou o posicionamento da primeira delegada eleita como deputada distrital, Jane Klébia (Agir). No entanto, até o fechamento desta reportagem, não houve retorno.

*Estagiário sob a supervisão de Malcia Afonso

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Três perguntas para...

Acacio Miranda da Silva Filho, doutor em direito constitucional pelo Instituto de Direito Público (IDP)

Qual o desafio de se conseguir uma maior diversidade nos cargos políticos?

É uma questão que envolve os desafios estruturais da nossa sociedade. Nós não temos as mesmas representatividades na esfera política e de poder, assim como na iniciativa privada. É preciso, inicialmente, uma estruturação para que ocorra essa inserção nesses cargos, como foi, por exemplo, a iniciativa da Lei de Cotas. Alcançar a pluralidade nos cargos, contudo, demanda uma luta ativa. É um trabalho que leva anos para ser resolvido e precisa de uma atuação consciente de todas as parcelas da sociedade e não só daqueles que estejam sendo subjugados em termos de representatividade.

Quem escolhe os representantes do governo é a própria sociedade. No entanto, mesmo que a maior parte da população seja negra ou parda, essa parcela não é eleita de forma substancial. O que é preciso ser feito para transformar esse cenário?

Essa dificuldade está vinculada ao nosso sistema eleitoral como um todo e, mais fortemente, nas últimas duas eleições nacionais por conta da polarização que enfrentamos. Talvez instituirmos instrumentos mais democráticos em todos os partidos para que os candidatos e não só os líderes tenham acesso ao horário eleitoral gratuito seja um caminho. Assim como o acesso ao fundo eleitoral. Assim, as campanhas seriam mais plurais e todas poderiam ser disputadas em igualdade de condições.

De que forma a representatividade dos políticos pode contribuir para a formulação de políticas públicas voltadas para essa população?

A representatividade de todas as categorias sociais é fundamental e percebemos isso em diversos projetos de lei. Não fosse, por exemplo, a força das mulheres na aprovação da Lei Maria da Penha e nos seus aperfeiçoamentos não teríamos uma legislação que é referência para outros países. Então é fundamental a participação de candidatos negros e, mais importante ainda, que eles sejam eleitos para a partir daí, cientes de todas as dificuldades sociais que enfrentam, possam apresentar projetos com políticas públicas destinadas especificamente a sobrepor toda essa questão histórica que enfrentamos.

Critério

A autodeclaração de cor/raça consta no registro da candidatura no TSE. As opções são branca, parda, preta, indígena e amarela. O candidato não é obrigado a informar.

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