Violência

Stalking: saiba mais sobre o crime que pode anteceder o homicídio

O comportamento de seguir, perturbar e vigiar outra pessoas, física ou virtualmente, é crime, com pena prevista de 6 meses a 2 anos de prisão, além de multa. A cada 24 horas, quatro mulheres brasilienses sofrem algum tipo de perseguição

Carlos Silva*
Isac Mascarenhas*
postado em 16/11/2022 06:00 / atualizado em 12/05/2023 13:07
 (crédito:  Marcelo Ferreira/CB/D.A Press)
(crédito: Marcelo Ferreira/CB/D.A Press)

Recebe o nome de stalking a prática de seguir ou acompanhar uma pessoa, de maneira reiterada ou constante, com ameaças à sua integridade física ou psicológica, causando constrangimentos e intimidações que resultem em restrição ou perturbação de sua liberdade ou privacidade. O comportamento, porém, é crime e, no ano passado, o Distrito Federal registrou 1.531 casos, o que significa dizer que quatro brasiliense sofrem algum tipo de perseguição a cada 24 horas.

O hábito de criar perfis falsos para acompanhar as redes sociais e investigar a vida de alguém, de tão comum, ganhou o verbo abrasileirado "stalkear". A palavra de origem inglesa significa perseguir, perturbar, vigiar. Porém, o costume passou a ser crime em março do ano passado, quando o presidente Jair Bolsonaro (PL) sancionou o projeto de lei da senadora Leila Barros (PDT). Desde então, perseguir e perturbar insistentemente alguém, por qualquer meio, tem pena prevista de 6 meses até dois anos de prisão, além de multa. 

Um caso recente desse tipo de prática criminosa em Brasília é o da agente da Polícia Civil do DF, Rafaela Motta, 40 anos, que estava foragida e se apresentou ontem. Na última sexta-feira, o Tribunal de Justiça emitiu o segundo mandado de internação psiquiátrica contra ela. Acusações: coação, falsidade ideológica, esfaquear e praticar stalking contra o ex-namorado.

Neste ano, os números da Polícia Civil do DF (PCDF) revelam que 572 homens e mulheres denunciaram stalking de janeiro a março. Ceilândia lidera o topo da lista com 67 ocorrências. A cidade é seguida pelo Plano Piloto, com 47 casos e Taguatinga com 33 registros. 

Muitos dos assédios começaram após o fim de um relacionamento ou rejeição amorosa. Primeiro são ligações incessantes, mensagens que não param de chegar nas redes sociais e e-mails. Mesmo bloqueando o perfil ou número, o perseguidor cria contas falsas. A perturbação pode evoluir para perseguição no local de trabalho ou de estudos e também a familiares, encurralando a vítima física e psicologicamente. Em casos mais graves, ocorrem ameaças de morte. 

Um homem de 44 anos foi detido ano passado em Vicente Pires e entre as apreensões em sua casa havia um álbum de fotos exclusivo para a vítima, a ex-mulher. O motivo do mandado de prisão: stalking. Na mesma cidade, outro homem inconformado com o fim do namoro de três meses passou a enviar mensagens, ligações e seguir a ex-companheira em locais. Invadiu a casa dela e a gravou tendo relações sexuais com outro homem. Ele prometeu divulgar o vídeo nas redes sociais. 

Assim como nos casos de Vicente Pires, as mulheres, maiores vítimas dessa prática criminosa, são ameaçadas frequentemente com vazamento de nudez e vídeos íntimos. Segundo o advogado e professor de direitos humanos Tédney Moreira, "o corpo feminino e a liberdade da mulher são definidas a partir de um desejo masculino de submissão, ou seja, stalking faz parte de um encadeamento maior que o próprio crime", diz. O especialista alerta que a perseguição antecede a violência doméstica e o feminicídio. "A gente pode evitar a formação de homens que passam a ter uma ideia de masculinidade com uma posição de dominação em relação ao gênero feminino", sugere.

O endurecimento da pena para esse tipo de crime começa a refletir nas delegacias de polícia. Dados do Anuário Brasileiro de Segurança Pública mostram um aumento de mais de 1.300% depois da aprovação da nova legislação. Em 2020, quando o projeto ainda estava em tramitação, 96 mulheres do Distrito Federal denunciaram stalking. No ano seguinte, depois da sanção, a capital teve 1.531 registros do crime, enquanto que no Brasil foram 27.722 casos. A cada 24 horas, quatro mulheres brasilienses sofreram algum tipo de perseguição.

Apesar da grande quantidade, o stalking é subnotificado. Para Moreira, o pouco tempo de vigência da lei afeta o número de denúncias, já que muitas pessoas não sabem que estão sofrendo perseguição. As delegacias também têm um papel importante na hora de registrar os casos, que esconde a real dimensão do problema. "Os stalkings são registrados como ameaças ou perturbação da paz", ressalta. Ainda segundo o Anuário, cinco estados brasileiros não tiveram ocorrências do crime em 2021. "A previsão legal faz com que haja uma consciência maior dessa prática e é portanto, uma adequação melhor ao tipo penal que está previsto em lei", explica. 

O perfil do stalker 

O stalker era o chefe, filho do dono da empresa onde Manuela (nome fictício) trabalhava. Os assédios começaram no Instagram, onde ela divulgava a loja da irmã. Em um momento, ele passou a chamá-la pelo nome da loja. "Me perguntei: com qual conta ele fazia isso? Porque não éramos amigos no Instagram". Assustada, ela o bloqueou-o e privou a conta. 

Certo dia, a rede social foi hackeada. Quando recuperou o acesso, Manuela publicou um vídeo com seu bordão típico: "Tentaram me derrubar, mas esqueceram que gata cai em pé". Depois disso, o chefe passou a semana usando a mesma frase. "Gata que cai em pé, faça isso". Outras vezes dizia: "Gata que cai em pé, pegue aquilo". O hacker é ele, conclui na hora. 

Os assédios não se resumiram ao Instagram. O chefe a vigiava pelas câmeras de segurança quando enviou os registros dos equipamentos. "Nossa, como você está linda hoje." Num dia frio, Manuela pediu uma assinatura para o chefe, um praxe da função, quando ele disse para ter cuidado para não acabar a bateria. Ela não entendeu, mas mesmo ele explicou que era por causa dos "faróis acesos". 

O pior momento das perseguições chegou. O chefe entrou na sala, a única sem câmeras, e a convidou para o local. Manuela narra como desceu correndo pelas escadas para ir embora e se deparou com todas as saídas bloqueadas. "Corri para o banheiro feminino, me tranquei lá, liguei para a minha irmã e expliquei o que estava acontecendo. Falei que, se eu não respondesse em 10 minutos, era para ligar para a polícia." Quando abriu as portas, ela não o viu e as portas já estavam abertas. A situação foi a gota d'água para pedir demissão. 

A psicóloga Ana Cristina de Alencar explica que a resposta agressiva do chefe de Manuela surgiu por ela não corresponder às investidas. Segunda a especialista, o stalker acredita que o objeto de desejo (a vítima) pode ser tratado com uma "posse", o que justifica a insistência em se fazer presente e ser notado reiteradamente. "É comum identificarmos entre as pessoas que apresentam esse comportamento um perfil mais rígido e controlador, com baixa tolerância à frustração", esclarece. 

Ainda que a maioria das perseguições ocorra com um interesse amoroso, esses não são os únicos casos. Alencar diz que o stalking pode acontecer na relação de amizade em que se almeja ser "o único amigo". Também é possível quando o objeto de desejo é uma figura de sucesso e fama. "Há uma busca por prazer, por uma satisfação em saber do outro, acompanhar cada detalhe, ter acesso a "todas" as informações, ter controle absoluto", avalia. 

Manuela não denunciou a perseguição e os assédios para não perder o emprego. "Fiquei coagida." O chefe era casado e tinha um filho recém nascido. "Ele fazia o tipo de marido politicamente correto na frente dos outros. Alguém que as pessoas diriam 'olha que bom homem'". finaliza.

*Estagiários sob a supervisão de Márcia Machado

 

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