A pouco mais de duas semanas para o segundo turno das eleições presidenciais de 2022, o superintendente do Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas do Distrito Federal (Sebrae-DF), Valdir Oliveira, declarou voto no ex-presidente Lula (PT). Ele é filiado ao PSB desde abril deste ano, quando deu início a conversas com Geraldo Alckmin (PSB), vice na chapa petista. Valdir tem participado da elaboração das pautas relacionadas às micro e pequenas empresas do programa de governo de Lula. A sugestão do gestor é dar condições para que os pequenos negócios consigam arcar com créditos, por meio da diminuição das taxas e do fortalecimento dos empreendimentos.
Ele, que é ex-secretário de Economia e Desenvolvimento Sustentável de Rodrigo Rollemberg (PSB), defendeu a reconexão dos setores progressistas com o restante da sociedade, ao afirmar que o grupo "se afastou das bases". O superintendente criticou, ainda, o foco em "meninos vestem azul e meninas, rosa" quando o país tem mais de 33 milhões de pessoas em situação de fome. Ele participou do CB.Poder, programa do Correio e da TV Brasília, de ontem. Nesta semana, o empresário Jamal Bittar, presidente da Federação das Indústrias do Distrito Federal (Fibra), também declarou voto em Lula.
Estamos no meio de um embate nacional, que está pegando fogo. É o assunto do momento. O senhor está ajudando a elaborar o programa de governo do ex-presidente Lula, por intermédio do Alckmin. Quais são as propostas levadas e que Lula deve implementar, se ganhar?
Temos um grupo que está debatendo há um tempo essa pauta das micro e pequenas empresas e a importância no processo de desenvolvimento. Estamos tratando daqueles que são os maiores geradores de emprego do Brasil e que têm a menor participação no PIB (Produto Interno Bruto). Ou seja, apostar no desenvolvimento com micro e pequenas empresas significa apostar no desenvolvimento com geração de emprego e distribuição de renda. É daí que estamos partindo para construir uma pauta que traga ambiente e condições favoráveis para esses empreendedores crescerem.
O primeiro ponto é crédito, a grande solução dada na pandemia. O Pronamp (Programa Nacional de Apoio ao Médio Produtor Rural), em 2020, veio para resolver um problema de paralisia de operações, com proposta de (o participante) pagar 2%, a taxa Selic, mais 1,25% de juros ao ano, no total de 3,25%. As pessoas não estão conseguindo pagar porque a taxa de juros mudou. Eu defendi que precisávamos ter um programa de renda mínima empresarial para esses pequenos empreendimentos, que fecharam as portas e quebraram. Dar crédito para quem precisa sem que a pessoa tenha condições de alavancar o negócio para pagar é um caminho de endividamento e inviabilização. A segunda coisa é que esses que sonharam e festejaram em pagar 3,25% ao ano estão pagando, hoje, entre 18% e 20%. Esses pequenos negócios ficaram meses sem faturar. Solução de crédito para um negócio quebrado é só ajudar a levar para a forca quem já está com dificuldades.
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O senhor é da tese de que as pessoas não deveriam ter ficado em casa nos piores momentos da pandemia?
Não, de jeito nenhum. Questão sanitária é questão sanitária. Eu não debato o que não conheço. O governador Ibaneis saiu na frente, inclusive, em relação a esse tema. Ele foi um dos primeiros, se não o primeiro, a fazer essa ação de proteção das pessoas. Essa guerra entre economia e vida é um absurdo que nos colocaram. Isso não existe. Nenhuma vida humana pode ser desprezada em função de negócios. Meu pai morreu (por complicações) de covid-19. Era uma crise sanitária, tudo deveria ser feito para proteger as pessoas. Mas precisávamos, também, ter medidas para socorrer. O crédito é importante para socorrer negócios que podem ser implementados ou que podem ser alavancados.
A grande ação, naquele instante (pandemia), era separar quem precisava de política social compensatória, com auxílios, dos que precisavam de crédito. Quem precisa de crédito é quem tem gordura suficiente para redesenhar o fluxo de caixa. Negócios pequenininhos quebraram. Colocar crédito para essas pessoas significa endividá-las. Estamos em um ambiente que precisa ter novo direcionamento. Não estou colocando a culpa em ninguém, mas é uma realidade. Os bancos estão fazendo seu papel, isso é custo, como a ação do Banco Central (de manter) a taxa de juros (alta) para combater a inflação. Quando mexe em uma peça dessa, mexe em um conjunto inteiro.
A primeira coisa importante é resgatar processos de crédito que tragam subsídios e oportunidades, além de encontrar solução para a inadimplência dos pequenos, que não terão acesso a crédito, porque não vão conseguir retomar seus negócios.
É possível perdoar essas dívidas?
Não sei se perdoar, renegociar ou compensar. Mas tem que se construir (algo). Temos de baratear o custo do crédito. O pequeno empreendedor tem dois desafios: o primeiro é ter acesso, em si. A maioria dos pequenos não tiveram acesso ao Pronamp. Depois, (o desafio) é ter um custo compatível para que possam suportar (pagar as dívidas). Os maiores vão se adaptando, porque conseguem repassar os custos. Os pequenos não têm como fazer isso.
Em um eventual segundo governo Bolsonaro, essa equação não sai?
Não sei avaliar. O governo Bolsonaro tem nos quadros uma pessoa apaixonada pelas micro e pequenas empresas e que as conhece como ninguém, que é Guilherme Afif Domingos (empresário, ex-vice-governador de São Paulo, ex-deputado federal e ex-ministro da Micro e Pequena Empresa). Ele pode encontrar soluções. A maior diferença é que, no momento em que estamos, de crise tão elevada, em que o desemprego tomou conta, os negócios estão desestruturados e o mercado mudou por completo, uma reconstrução nos moldes da política liberal — que defende solução via mercado — não me parece a mais indicada. A privatização não é um tabu para mim, mas tudo tem seu momento. Debater privatização significa não ter tabus para lidar com assuntos que são importantes. A esquerda perdeu um pouco o bonde da história, e na minha opinião estas eleições mostram isso, porque perdeu conectividade com a sociedade, se mantém presa a tabus que precisam ser discutidos. Agora, isso não pode ser usado para defender cegamente o Estado mínimo em um momento em que há 33 milhões de pessoas passando fome no Brasil. Temos de ter um Estado que consiga fazer mais do que deixar o mercado resolver. Lá na frente, a gente rediscute. Agora, é hora de reconstruir e entender o que mudou no mundo em termos de economia.
Estamos em um país polarizado, com uma campanha eleitoral com muita baixaria e fake news, dos dois lados. O que vai sair disso, independentemente de quem ganhar a eleição? É possível pensar em um novo momento?
Temos de pensar, senão desistimos da vida. Ninguém pode tirar a esperança do coração. Vamos sair destroçados, independentemente de quem ganhar. O país está dividido em ódio. E isso foi construído por todos nós, porque deixamos isso acontecer quando alimentamos isso, seja por omissão ou por se deixar manipular por outros interesses. A grande arte da política é o poder do diálogo, da articulação, compreender os diferentes e construir um consenso. Não é o "meu" nem o "seu", mas, sim, o "nosso". Transformamos a política no "meu" contra o "seu" e ponto final. Estamos em uma guerra. A festa da democracia virou uma guerrilha. Quem está dentro tem duas alternativas: ser politicamente correto e ser destruído ou fazer um embate de igual para igual dentro da batalha para vencê-la. É uma decisão muito difícil, eu entendo quem toma essa decisão. No meio de uma guerra, não dá para parar e discutir a ética do adversário. E é isso que estamos vivendo. É lamentável que o Brasil tenha caminhado para isso. E não é só o Brasil, o mundo está assim. Vamos precisar reconstruir, compreendendo as diferenças e sabendo que os extremos colocados vão levar o país para um abismo que sabe Deus as consequências. Por isso, arregacei as mangas e resolvi entrar nesse ambiente e me filiei ao PSB. Não sou candidato, mas quero contribuir para um Brasil mais ponderado, com esperança e tranquilidade. Os adversários não são inimigos.
Como avalia essa eleição nacional? Pode declarar em quem vai votar?
Vou votar no Lula e no Alckmin. Estou envolvido na construção do programa. Tive algumas conversas com Alckmin que me encantaram muito, pela forma com que ele está conduzindo. Nesse contexto, meu voto não poderia ser diferente. Já tinha decidido (em quem votar) quando entrei no PSB, e meu movimento já sinalizou qual seria minha opção. Não quero transformar essa opção em um cavalo de batalha, procurei não fazer disputas locais. Fui respeitoso com quem foi respeitoso comigo. A opção nacional para mim está muito clara. Não me classifico como esquerda nem direita, sou um progressista assumido. Acredito muito na evolução da ciência e do social para melhorar a vida dos indivíduos.
Você foi um dos fundadores do PSDB. Como viu o apoio do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB) e do senador Tasso Jereissati (PSDB) a Lula? É uma frente que seguiu o caminho do Alckmin, embora não esteja mais no PSDB.
Isso mostrou o PSDB que eu ajudei a fundar e que, hoje, não tem as mesmas características. E na política precisamos ter lado, por isso estou assumindo meu voto. Na política, a única coisa não permitida é a omissão. Isso não é desrespeito com ninguém, mas é escolher um lado e assumir as consequências dele. Acho que nós, progressistas, perdemos a conectividade com a sociedade e precisamos retomar. Temos de voltar às bases para isso e entender o porquê desse recado. Não faz sentido que, no momento em que temos pessoas passando fome e desempregadas, a grande pauta nacional seja de costumes, meninos vestem azul e meninas, rosa. Eu não consigo compreender.
Por que acha que o DF tomou decisões tão conservadoras nas urnas?
A polarização está colocada no DF também. Brasília, na verdade, está sendo um pouco o reflexo criado ao longo do tempo. O conservadorismo está tomando conta porque nós, progressistas, perdemos conectividade com a sociedade. Precisamos compreender o que o cidadão está sentindo e tentar convencê-lo das pautas, mas não na eleição. A eleição é consequência.
O PSB errou ao lançar o Rafael Parente para disputar o governo do DF? Leandro Grass (PV) ficou muito perto de ir para o segundo turno.
A desistência de Parente foi uma coisa muito dele, é difícil de avaliar (ele chegou a registrar a candidatura, mas desistiu, no fim de agosto, para apoiar Grass, da federação PT-PV-PCdoB). Ele entendeu que a melhor posição era essa. Hoje, fazer essa avaliação é como ser um engenheiro de obra acabada. Acho que teve alguns erros políticos, mas, agora, não é hora de pensar nisso. É hora de nós, progressistas, retomarmos as ruas, a partir de 1º de janeiro de 2023, independentemente do resultado das eleições, para entendermos a dor que a sociedade está sentindo e fazer a reconstrução. As forças progressistas do DF precisam fazer isso. Fico feliz que os parlamentares que entraram (na Câmara Legislativa do DF) são forças jovens (Fábio Felix e Max Maciel, do PSol). A oxigenação, não necessariamente da juventude, é importante. Precisamos trazer novos atores para fazer esse processo de reconstrução. Não vamos reconstruir hoje uma base na sociedade progressista com a mesma tese da Nova República. Por isso que discutir privatização não pode ser um tabu.
Acha que, no futuro, pode disputar eleições?
Posso ser candidato, sim. Está na hora de todos nós darmos nossa contribuição. Mas quatro anos está muito longe. O principal é reconstruir nossa base. Aqueles que são progressistas, que acreditam na ciência, no social, na inclusão e na igualdade entre pessoas têm de se unir para construir uma nova forma de comunicação com a sociedade e aí em 2026 tentar fazer diferente. Vou contribuir para isso, de uma forma ou de outra.