Após conquistar 54,5 mil votos para a Câmara dos Deputados, o professor e distrital Reginaldo Veras (PV) garantiu que manterá a atuação fiscalizatória no Congresso Nacional. Convidado do CB.Poder desta segunda-feira (10/10), programa feito em parceira pelo Correio e TV Brasília, ele avaliou o desempenho durante os dois mandatos na Câmara Legislativa do DF (CLDF) e analisou o resultado das eleições de 2022 no Distrito Federal, que reelegeu o governador Ibaneis Rocha (MDB) logo no primeiro turno, com 50,3% dos votos. Leandro Grass (PV) ficou em segundo lugar, com 26,25%. À jornalista Ana Maria Campos, Veras afirmou que faltou tempo para que Grass crescesse entre os brasilienses e chegasse à segunda fase do pleito.
Integrante da federação PT-PV- PCdoB, o parlamentar defendeu a eleição do ex-presidente Lula (PT) em 30 de outubro, embora tenha destacado que não abrirá mão do mandato independente e fiscalizador em caso de vitória do petista. O deputado federal eleito acredita que há espaço para Lula crescer na capital do país e tem trabalhado pela virada no DF, principalmente em Ceilândia, seu berço eleitoral. O presidente Jair Bolsonaro (PL) conquistou 51,65% dos eleitores brasilienses no primeiro turno, contra 36,85% do ex-ocupante do Palácio do Planalto.
Esta foi uma eleição atípica, em que políticos com mandatos e já conhecidos não conseguiram se reeleger. O senhor teve uma boa votação. A que deve a vitória nas urnas?
Foi a eleição mais esdrúxula da história. Os cientistas políticos vão levar ao menos três anos para tentar explicar os números e o que aconteceu. Creio que nossa vitória é um reconhecimento do trabalho feito na Câmara Legislativa, com dois mandatos muito ativos e intensos, com preocupação muito forte em encaminhar recursos para melhorar a infraestrutura de escolas, com reformas, e a qualidade do trabalho dos profissionais da educação e dos estudantes do DF. Há também o fato de eu nunca ter me afastado das minhas bases. Sou professor e continuo dando aulas, então consigo manter contato direto com o eleitor. Acredito que (fui eleito) pela forma diferente de fazer política: sou independente, então aquilo que é importante e bom para o DF, voto a favor; o que entendo que é ruim, voto contra. Sou um dos principais deputados de oposição ao governo Ibaneis, de acordo com estatísticas divulgadas pela Secretaria de Relações Institucionais, mas também sou um dos que mais vota a favor de projetos do governo.
Isso significa, então, que tem bons projetos sendo discutidos e apresentados pelo governo?
Sim. Um deles é o projeto que mudou a estrutura funcional do SIG (Setor de Indústrias Gráficas). Fui o relator na CCJ (Comissão de Constituição e Justiça) e todos achavam que iria fazer um relatório contrário ao governo, mas não, puxei audiência pública e conversas para discutir a organização funcional desse setor. Havia todo um debate sobre a possibilidade, considerando que o PPCUB (Plano de Preservação do Conjunto Urbanístico de Brasília) ainda não tinha chegado à Casa. Entendi, como relator, que era um bom projeto e que daria dinamismo à região.
Ou seja, o senhor não faz uma oposição do 'quanto pior, melhor'.
Jamais. Temos de fazer o que é melhor para a cidade, nada de oposição rancorosa, mas oposição firme. Aciono os órgãos de controle — acionei o Tribunal de Contas (do DF) algumas vezes contra o governo — até porque um dos papéis do parlamentar é fiscalizar, e isso faço com eficiência. Vou para cima, mesmo.
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Por que acha que o eleitor do DF reconheceu o mandato do governo Ibaneis, reeleito no primeiro turno, derrotando o candidato do seu partido, Leandro Grass?
Infelizmente, não chegamos ao segundo turno. Eu tinha muita fé que chegaríamos e viraríamos o jogo. Não aconteceu. Entendo que a população aprovou o governo Ibaneis, que se destacou por fazer muita obra. Foi um governo das coisas, não das pessoas. Inclusive, fiz uma troca de mensagens com o governador recentemente, parabenizando pela vitória, dizendo que estarei na Câmara Federal ajudando o DF e que continuarei fiscalizando. Naturalmente, aproveitei para mandar um recado, para que ele, agora, faça um governo cuidando das pessoas. Ele tem a faca e o queijo na mão para entrar para a história do DF, se tiver vontade política e quiser. Pedi que desse prioridade para assistência social, saúde e educação, que são as áreas que, segundo ele mesmo, foram as mais frágeis de seu governo.
O governador esteve aqui logo depois da eleição e disse que o modelo do Instituto de Gestão Estratégica de Saúde (Iges) foi aprovado pelas urnas, pelo fato de ter sido reeleito. Qual é sua opinião sobre isso?
Eu sempre digo que, muitas vezes, o governador vive no Fantástico mundo de Bob, porque conhece uma realidade que só ele vê. Vá aos hospitais, até a população e pergunte: você está satisfeito com o modelo de saúde adotado no DF? Ele poderia até ter tido uma votação mais expressiva caso o modelo de saúde funcionasse. Não funciona. O Iges continua um cabide de empregos e precisa ser extinto, paulatinamente. É um berço de corrupção, as denúncias são muitas. E não somos nós, deputados, que estamos falando, é o próprio Ministério Público. Esse modelo não é adequado. Entendo que a população precisa de um modelo nos moldes antigos, onde a gente priorize a atenção primária, colocando médicos perto das pessoas. Com certeza, a eleição do governador não se deve pela aprovação do modelo de saúde implantado, principalmente o Iges.
Qual vai ser a cara do seu mandato como deputado federal? Quais serão suas prioridades?
Vai depender muito do que acontecer no dia 30 (segundo turno das eleições presidenciais). Estou em campanha pela eleição do presidente Lula, até pelas ideias defendidas. Temos dois modelos de país sendo propostos: um, conservador, da mentira, que não respeita as pluralidades religiosas, culturais e ideológicas, e outro, que respeita tudo isso. Sigo esse modelo da pluralidade e farei de tudo para eleger o presidente Lula. Se ele ganhar, naturalmente por fazer parte da federação, serei deputado de base, mas, claro, jamais abrirei mão da minha independência e capacidade fiscalizatória. Se o atual presidente conseguir a reeleição, certamente, serei oposição e serei mais intenso ainda na fiscalização, principalmente do orçamento. Tenho me especializado cada vez mais na questão orçamentária, para ver onde (o recurso) está sendo aplicado, se está havendo desvios e porque o DF continua perdendo recursos da União. Será um mandato muito focado nisso, principalmente em relação à fiscalização orçamentária da saúde e da educação.
Se o ex-presidente Lula for eleito, acredita que terá forças para acabar com o Orçamento Secreto, que é uma Caixa de Pandora, não sabemos o que tem dentro?
O presidente Lula já mostrou sua capacidade de articulação. Quando foi eleito em 2002, também não tinha maioria no Congresso, mas soube fazer. É um homem muito inteligente, que transita da esquerda até a centro-direita. Ele vai conseguir convencer o congresso de que o Orçamento Secreto precisa ser revisto. Não dá, essa história de orçamento de relator, com alguns poucos deputados com mais poder até do que o próprio presidente, tratando de bilhões, sem a devida publicidade. Será um grande desafio para o presidente, mas, considerando o histórico e a habilidade que tem, vai conseguir.
Mas, falando do histórico, há também questões nebulosas, como o Mensalão, vários deputados da base condenados e denúncias de corrupção. É difícil, em alguns aspectos, defender a eleição do presidente Lula?
Sempre digo que não tapo o sol com a peneira. O governo Lula errou, em determinado momento. A consequência é essa que temos hoje, um despreparado para a Presidência, que é o presidente Jair Bolsonaro. Parte da estrutura ideológica do campo progressista reconheceu esses erros, eu reconheço também, e parte se recusa a reconhecer. O mais importante é que, agora, a fiscalização será tamanha, que não haverá mais espaço para isso. É mais um ponto positivo para elegermos o presidente Lula.
Se ele for eleito, haverá uma base de oposição bolsonarista muito forte, com muitos ex-ministros e pessoas fortemente identificadas com Bolsonaro. Como fica o país se o ex-presidente Lula for eleito?
A estrutura republicana exige equilíbrio entre os poderes. É muito importante que se tenha oposição ativa e dinâmica, como fui ao governo Ibaneis, justamente para barrar e denunciar determinadas coisas. Um congresso cooptado pela Presidência da República não serve para nada, vira um puxadinho do poder Executivo. Não quero isso nem em Brasília nem no Brasil. É muito importante ter oposição bem consolidada. Essa oposição mais radical, esse bolsonarismo mais intenso, vai ser minoria, apesar de muito ativos. Sabemos que, para ter governança, é preciso ter articulação com o centro, que é maioria e tende para o lado que lhe interessa, seja Bolsonaro ou Lula. O Centrão vai para o lado que lhe for melhor e qualquer um é o melhor para ele. Estará junto com o poder. Então, Lula terá maioria no congresso.
Qual avaliação faz da nova legislatura da CLDF?
Fiquei muito feliz com a vitória expressiva dos meus amigos, os deputados Chico Vigilante (PT), Fábio Felix (do PSol, distrital mais votado da história da CLDF) e meu grande amigo, ceilandense como eu, Max Maciel (PSol), um cara fantástico, que tem um trabalho lindo e representa muito bem nossas periferias e nossas quebradas, como dizem meus estudantes. Fora isso, o governador vai ter maioria. Hoje, somos cinco de oposição, e, na próxima legislatura, serão seis: três do PT (além de Vigilante, Gabriel Magno e Ricardo Vale), Dayse Amarílio (PSB) e os dois do PSol. O governador vai continuar nadando de braçada.
Leandro Grass até surpreendeu com a votação que teve nas eleições, porque começou pequeno, não era tão conhecido e quase chegou ao segundo turno. O que faltou?
Entendo que a demora da federação (PT-PV-PCdoB) para lançar o nome dele foi um dos fatores. Havia uma disputa interna no PT, a base da nossa federação. Mesmo já havendo um acordo na Executiva Nacional para que Leandro fosse o candidato, a coisa demorou a se concretizar de tal maneira que perdemos um pouco o tempo de pré-campanha, quando já daria para trabalhar o nome dele, para que, quando chegasse o período eleitoral, Leandro explodisse, como de fato explodiu. Foi um percentual fantástico, que, infelizmente, não nos levou ao segundo turno. Fora isso, a militância petista e a juventude abraçaram o Leandro. Fomos para as ruas, foi muito lindo e intenso, mas faltou aquele 0,3%, lamentavelmente.
Por que, na sua avaliação, Bolsonaro tem votação forte no DF, bem acima de Lula? O que pesa aqui no DF para isso?
Uma série de variáveis. A renda per capita da população do DF está entre as mais altas do país. A classe média brasileira, a elite, sempre teve medo de quem vem das bases sociais, essa é a verdade. Ela vê no Bolsonaro a tentativa de manter seu status quo e poder. A classe média tem medo de ficar pobre, mas está longe de ficar rica. Em Águas Claras, que tem a cara dessa classe média, Bolsonaro tem votação expressiva. Somado ao fato de que ocorreram alguns desencantos com as gestões do campo progressista. Tudo isso tem de ser analisado. Temos de ser críticos para não repetir os erros.
Muitos candidatos que ganharam, e até os derrotados, como é o caso do Grass, estão trabalhando no segundo turno, aqui em Brasília, pela eleição do Lula. Dá para virar? De onde vão sair esses votos?
Considerando os indecisos, quem votou branco e nulo e quem pode migrar, temos 400 mil votos perdidos no DF. Vamos ter de criar mecanismos para buscar esses votos. Não adianta tentar reverter voto de quem está consolidado, temos de gastar energia, ser habilidosos e inteligentes para capitanear quem está indeciso ou vulnerável. Tenho batido muito na tecla das últimas falas infelizes do presidente em relação ao povo nordestino em Ceilândia, que é uma cidade predominantemente com raízes nordestinas. Temos de atingir o coração e a emoção do eleitor, não mais a mente.
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