Uma ação de derrubada de construções irregulares na QNR 6 de Ceilândia Norte terminou com gás lacrimogêneo, balas de borracha e com a prisão de um homem que tentou agredir policiais militares com pedras e barra de ferro. Um bebê de três meses passou mal com a fumaça e uma defensora pública acabou atingida no olho. De acordo com a Companhia de Desenvolvimento Habitacional (Codhab), os invasores ergueram 80 barracos desde sexta-feira.
As derrubadas começaram cedo, às 7h de ontem. Cerca de 80 PMs foram acionados para a operação. Membros do Movimento Resistência Popular (MRP) denunciaram a repressão sofrida pelos agentes. Francisco Targino, líder do movimento, relatou que um idoso chegou a ser atingido com uma bala de borracha. Uma das mulheres que ocupava um barraco na região descreveu o início do tumultuo. "Tinha uma mulher, que trabalhava no governo, pegando o nome da gente para levar para Codhab (Companhia de Desenvolvimento Habitacional do DF), quando, de repente, os policiais já estavam avançando contra a gente", disse Leonice Alves da Rocha.
De acordo com os ocupantes, era uma defensora pública que acompanhava a ação e recolhia os nomes, quando também acabou atingida no olho com gás lacrimogêneo. Tanto ela quanto o bebê precisaram ser atendidos pelo Corpo de Bombeiros (CBMDF). "Ele ficou sem ar por causa do spray de pimenta", disse a mãe da criança, Edileuza Rodrigues Silva.
O tenente Jean Pires, da PMDF, afirmou que a operação ocorreu de forma controlada. "A princípio, os manifestantes fecharam a pista. Depois, a situação amenizou. Teve a atuação do gás lacrimogêneo, mas tudo dentro da legalidade", frisou.
Entretanto, além da prisão do homem que avançou contra os policiais, várias pessoas saíram feridas do conflito, incluindo um rapaz que foi levado ao hospital com convulsões. Segundo Gilvan Xavier, 53 anos, membro do MRP, os policiais jogaram gás de pimenta na direção dos integrantes do grupo, quando houve correria e o homem teve um ataque epilético na sequência.
O major Aguiar contou ao Correio que o rapaz estava tendo convulsões e foi levado pelos bombeiros à Unidade de Pronto-Atendimento (UPA) de Ceilândia, sem nenhum sinal de lesão aparente na cabeça. A ação terminou por volta das 17h com a derrubada de todos os barracos.
Abrigo
A Secretaria DF Legal informou, em nota, que na área está previsto um projeto habitacional para mais de 400 pessoas com deficiência que estão na lista da Codhab. A Companhia esclareceu que monitorava a área da invasão desde a madrugada de sexta-feira. "E desde então, o governo vem identificando os responsáveis pela incitação desse ato criminoso. Não será admitido, em hipótese alguma, a permanência desse grupo de invasores naquele local. A remoção é certa e inegociável. Ademais, a Companhia ressalta que aqueles invasores que eventualmente estejam inscritos na lista da Codhab serão excluídos de qualquer programa habitacional do DF, conforme legislação própria.
A Codhab reforçou que haverá a entrega das unidades habitacionais às pessoas com deficiência no local e classificou o ato como uma "crueldade ímpar", "haja vista, que ao perpetrarem essa invasão subtrai direitos da camada mais vulnerável e invisível aos olhos da sociedade".
Repúdio
Por nota, a Associação Nacional das Defensoras e dos Defensores Públicos (Anadep) e a Associação das Defensoras e dos Defensores Públicos do Distrito Federal (Adep-DF) criticaram a ação da PM. As associações alegam que centenas de pessoas em situação de extrema vulnerabilidade, como crianças, mulheres e idosos foram expostas à violência. Ressaltaram, ainda, que os defensores públicos que estavam no local foram "violados em suas prerrogativas funcionais e integridade física pelos agentes de segurança pública".
De acordo com os defensores, a desocupação ocorreria voluntariamente, após o cadastro no programa habitacional, com anuência de servidor responsável pela Companhia de Habitação do Distrito Federal. No entanto, de acordo com as associações, em face da ausência dos servidores da unidade da Secretaria no local, a coleta dos nomes começou a ser feita pelos defensores e pela representação da Comissão de Direitos Humanos da Câmara Legislativa.
"Enquanto realizavam o cadastro dos moradores, e sem qualquer motivo aparente e sem aviso prévio, a Polícia Militar começou a disparar bombas de armamento menos letal, como gás de pimenta para dispersão das pessoas. É preciso frisar que a Resolução nº 17/2021, do Conselho Nacional de Direitos Humanos, determina que "os despejos, remoções e deslocamentos forçados de grupos que demandam proteção especial do Estado implicam violações de direitos humanos e devem ser evitados, buscando-se sempre soluções alternativas".
A deputada Erika Kokay (PT) esteve no local. Em entrevista, a parlamentar disse que chegou a entrar em contato com o chefe do Executivo local, Ibaneis Rocha (MDB), para tentar negociação com o governo. "Aqui é um movimento em defesa da moradia, que quando tem reivindicação, há de se sentar e negociar e o Estado deve buscar resolver o pleito que está posto. Mas o que vimos hoje é uma violência imensa, porque ao que tudo indica, a população foi enganada. De repente, houve uma violência, onde se trata a reivindicação da população do direito à moradia, como se fosse criminosa", censurou.