"Tenho um filho de 14 anos que tem o sonho de ser veterinário. Trabalho todos os dias pensando em vê-lo com o diploma", desabafa Ademir Rosa Ferreira, 43, que recorre ao mercado informal e hoje vende doces na Rodoviária do Plano Piloto. Ele é mais um exemplo do avanço da informalidade no DF: de acordo com a última Pesquisa de Emprego e Desemprego (PED), divulgada pela Companhia de Planejamento do Distrito Federal (Codeplan) em parceria com o Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese), o número de empregados sem carteira assinada — categoria de trabalhador informal — teve aumento de 1,42% entre julho e agosto deste ano.
Natural da Bahia, Ademir mora no Entorno do Distrito Federal há 12 anos. Depois de ser demitido de um emprego no aeroporto da capital do país — em que tinha a carteira assinada —, ficou cerca de três anos desempregado. Foi quando decidiu vender os doces na rodoviária. "Essa foi a única forma que encontrei de sustentar minha família", conta.
Morando com a esposa e os cinco filhos, Ademir destaca que o comércio de doces é o único sustento da família atualmente. "Tá dando para comer e pagar o aluguel, nada mais além disso. (A conta de) água e luz atrasam sempre, mas comida não tem como deixar faltar", frisa. "Já passei por alguns apertos para ter o que comer. Recebo doações de uma igreja, que nos ajuda com cestas básicas. Se não fosse isso, acho que veria minha família passando fome e, talvez, morando na rua", atesta.
O vendedor de doces afirma que sente falta do emprego formal. "Até porque a carteira assinada é uma garantia de que a pessoa vai receber os seus direitos em dia e, mais na frente, fica mais fácil se aposentar. Estou com 43 anos, então, já me preocupo com essa questão", comenta. "Além disso, o salário fixo também faz falta. Aqui, ganho se vender bem, caso contrário, com a crise atual, fica mais difícil comprar qualquer coisa."
Para Juliana Nóbrega, consultora de carreiras e empreendedorismo e professora do Ceub, a alta na informalidade do DF está ligada à falta de uma política econômica que preveja o crescimento dos serviços e da indústria, setores que, segundo a especialista, são diretamente responsáveis pela geração de empregos (confira Três perguntas para…).
Precarização
Lúcia Garcia, coordenadora da PED do Dieese, destaca que o aumento no número de trabalhadores informais no DF está ligado também à precarização das vagas de emprego existentes. "A iniciativa privada é composta, em sua maioria, por patrões que não têm condições financeiras de garantir todos os direitos trabalhistas dos empregados", aponta. "Existem cargos que o desconto do INSS e outros impostos — além do baixo salário — acabam pesando muito no bolso. Se o país estivesse em crescimento econômico, o trabalhador não se sujeitaria à informalidade", frisa.
A coordenadora da PED faz uma análise da quantidade de trabalhadores informais (veja o infográfico) para ilustrar sua fala. "Entre 2015 — início de uma crise econômica — e 2022, este número cresceu 46,6%", enumera.
"Fazendo o recorte apenas do período da pandemia, que também causou impactos na economia, percebe-se aumento: de 2020 a 2022, a elevação no mercado informal foi de 24,3%", enumera Garcia. A especialista do Dieese afirma que, para o trabalhador do DF, está sendo um luxo pensar no amanhã. "A visão é para o hoje. Todos estão em busca de sobrevivência", destaca.
Vendendo chinelos na Rodoviária do Plano Piloto há 10 anos, Iratânia Costa Silva, 47, reclama que acabou recorrendo ao trabalho informal por falta de oportunidade. "Quando vou para o mercado de trabalho, dizem que estou velha, mas, quando tento me aposentar, ainda não tenho idade", comenta a moradora de São Sebastião. Ela conta que a frustração com as portas fechadas fez com que ela desistisse de tentar um emprego formal há cerca de cinco anos. "Hoje em dia, não procuro mais. O que me sobrou foi o comércio informal", aponta.
Saiba Mais
Mesmo desistindo, Iratânia não esconde que se incomoda com o fato de estar sem a segurança da carteira assinada. "É uma aventura. Venho todos os dias para cá sem saber se vou vender bem, se vou conseguir tirar o sustento do meu dia ou do mês. Conto com a sorte", comenta. "Atualmente, minha internet está cortada, estou na mão de agiota. Está sendo uma crise muito difícil, tudo atrasado", lamenta. Emocionada, ela conta que, mesmo em tempos difíceis, tem planos. "Quero me levantar para ir embora daqui. Sou natural do Pará, e pretendo arrumar minha vida para conseguir voltar para lá", sonha.
Dura realidade
Claudiane de Nazaré Silva, 41, também desistiu de procurar emprego com carteira assinada, assim como Iratânia. A moradora da Colônia Agrícola 26 de Setembro conta que passou para o trabalho informal após ficar mais de um ano procurando vagas. Foi quando decidiu seguir o conselho de uma amiga, que também estava na informalidade. "Ela me disse que era melhor do que ficar em casa sem fazer nada e estou aqui até hoje."
Apesar de dizer que está "acostumada" com a situação atual, a vendedora de roupas admite que sente falta da segurança que o trabalho com carteira assinada oferece. "Caso eu adoeça, não tenho plano de saúde para procurar um hospital. Além disso, se eu parar de trabalhar hoje, amanhã não vou ter nada. Então, sou eu por mim mesma e meus filhos", lamenta. "A gente sobrevive só do meu trabalho e, ultimamente, tem sido bem apertado. Mal dá para pagar as contas", reclama Claudiane.
Peruana e morando em Brasília há 24 anos, Ermelinda Rayme, 45, também sofre com a insegurança da informalidade. Mesmo sendo experiente na função de cozinheira — tendo trabalhado até para diplomatas —, ela afirma que não tem sido fácil encontrar algo que valha a pena. "Se eu achar um emprego bom, que me ajude a manter a casa, com certeza volto para a formalidade. Mas, atualmente, apesar de ter vagas, elas estão pagando muito pouco, não compensa."
Mesmo assim, a moradora do Paranoá ressalta que sente na pele a precariedade que o trabalho informal oferece. "Apesar de poder fazer meu próprio horário (na Rodoviária), sinto muita falta de um emprego com carteira assinada. Aqui, não tenho 13° salário, férias e outros benefícios que a carteira assinada proporciona", comenta. "Tenho que sair de casa todos os dias ainda na madrugada, para tentar tirar dinheiro e pagar minhas contas. Mês passado, por exemplo, atrasei a conta de luz."