Pacientes e associações de defesa do tratamento contra HIV/Aids no Distrito Federal alertam para o risco de falta de medicamentos no combate à doença. O motivo é o corte de R$ 407 milhões em recursos do Ministério da Saúde (MS) para prevenção, controle, tratamento, infecções sexualmente transmissíveis e hepatites virais no Orçamento de 2023. A informação consta no boletim Monitoramento do Orçamento da Saúde, elaborado pelo Instituto de Estudos para Políticas de Saúde (IEPS) e pela Umane, associação filantrópica independente.
O jardineiro Claudiney Alves, 52, é um dos 16,3 mil pacientes que fazem tratamento com antirretrovirais distribuídos pelo SUS no DF. "Pessoas como eu, vivendo com Aids, têm um período de tratamento. A cada seis meses, fazemos as consultas, passamos na farmácia e pegamos os medicamentos", explica Claudiney, que foi diagnosticado com HIV em 1990 e, com Aids, em 1994.
Ele alerta que as farmácias populares podem ficar desabastecidos em três meses, caso o corte de verbas se confirme. "Se ficamos um mês sem pegar o medicamento, causa um retrocesso no tratamento que, para alguns, pode levar a óbito", explica o morador de Planaltina (GO), no Entorno do DF. Claudiney, que faz parte de associações de pessoas que convivem com HIV/Aids no DF e no Brasil, teme uma tragédia coletiva. Ao todo, há cerca de 700 mil pacientes soropositivos em tratamento no país.
A cada três meses, o aposentado Wagner Rosa de Almeida, 49, vai de Valparaíso de Goiás (GO), onde mora, até a Policlínica de Taguatinga 3 para se consultar e buscar os remédios necessários. Há 20 anos com Aids, ele está muito apreensivo com a situação. "A gente está demorando de um ano a um ano e meio para conseguir um horário com médico, sendo que era uma coisa periódica", conta Wagner, que é membro da Rede Nacional de Pessoas Vivendo com HIV/Aids — Núcleo do DF (RNP-DF).
Assistente de Políticas Públicas do IEPS, Victor Nobre cita que 10.417 pessoas morreram de Aids, em 2020, e o número total de vítimas chegou a 291.695, conforme os dados do Boletim Epidemiológico Especial HIV/Aids, do Ministério da Saúde. "Somado a isso, de acordo com o Painel de Monitoramento de Dados de HIV do Ministério da Saúde, em 2021, o governo distribuiu quase 4 milhões de frascos de antirretrovirais para 772 mil pessoas que vivem com HIV no Brasil, o que mostra uma demanda alta pelo medicamento", avalia.
Para ele, se a previsão de queda de fato se concretizar, além de resultar em uma demanda represada, os custos para a saúde pública podem ser ainda maiores. "Com uma menor previsão de destinação de recursos para a distribuição de remédio para o tratamento de HIV/Aids, isto pode gerar consequências graves para o sistema público de saúde e, principalmente, para as pessoas que vivem com o HIV", alerta Victor Nobre.
Faltam servidores
Presidente do Fórum de ONGs, Redes e Movimentos de Luta contra o HIV/Aids do DF (FOA), Rosildo Inácio da Silva, 48, denuncia a falta de funcionários para o atendimento de pacientes. Em 11 de outubro, ele foi ao Centro Especializado de Doenças Infecciosas (Cedin), localizado na entrequadra 508/509 Sul, marcar exames para a esposa. Na recepção, o casal foi informado que o ambulatório estava fechado porque não há funcionários e que a equipe não marcava exames. Ambos estão há 19 anos diagnosticados com HIV/Aids. Rosildo conta que, no local, tinha outro paciente que queria renovar uma receita, mas não conseguiu porque não havia infectologista à tarde. Um atendente disse ao casal que até o arquivo fechou por falta de servidor.
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A SES-DF explica que, atualmente, sete médicos infectologistas trabalham no ambulatório do centro de saúde. O agendamento de exames pode ser feito de segunda a sexta-feira, a partir das 9h30. Em 11 de outubro, quando a esposa de Rosildo precisava ser atendida, a escala de trabalhadores contava com um médico a menos, que estava de férias. "No momento, o ambulatório do Cedin está funcionando normalmente", assegura a pasta.
Estoque
Em nota, o Ministério da Saúde (MS) afirma que nenhuma política pública será interrompida. "A pasta está atenta às necessidades orçamentárias e buscará, em diálogo com o Congresso Nacional, as adequações necessárias na proposta orçamentária para 2023", diz.
Outra preocupação dos pacientes é o período atual de distribuição da Lamivudina 150mg — medicamento usado diariamente por soropositivos para inibir o vírus HIV. A reposição, que era realizada pelos pacientes a cada 90 dias, teve o prazo reduzido para 30 dias, por determinação do MS.
Sobre isso, o órgão federal garante que não há desabastecimento. Conforme a nota, "houve um crescimento rápido e acima do previsto do uso dos esquemas simplificados de tratamento". Ainda de acordo com a resposta enviada ao Correio, "o aumento ocorreu em razão da mudança na prescrição de tratamento antirretroviral", que passou a não exigir a avaliação prévia das câmaras técnicas assessoras no manejo de antirretrovirais, existentes nos estados e municípios. A pasta complementa que ampliou a aquisição do medicamento. Cerca de 5 milhões de unidades da Lamivudina começaram a ser distribuídas no país. Para o DF, serão entregues 317,1 mil unidades.
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A Secretaria de Saúde informa que a programação dos medicamentos antirretrovirais, como a Lamivudina, é feita de acordo com o estoque de segurança. A pasta acrescenta que o DF tem estoque do remédio suficiente para atender a todos usuários de Lamivudina monodroga (identificados com tarja vermelha ou preta) entre 30 a 45 dias. Após esse período, é preciso aguardar a regularização dos estoques do Ministério da Saúde.
"O Ministério da Saúde enviou informativo aos estados e relatou que está no aguardo da entrega de nova parcela. Há previsão de envio de nova remessa a partir da primeira quinzena de novembro deste ano", comunica a SES-DF.
Segundo o Ministério da Saúde, há perspectiva de atendimento integral da programação ascendente a partir da segunda quinzena de novembro. Diante disso, a pasta federal aguarda a regularização dos estoques em novembro.
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