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Crônica da cidade: A tia socialista e o vizinho de direita

Ana Dubeux
postado em 19/10/2022 12:19 / atualizado em 19/10/2022 12:20
 (crédito: Antonio Augusto/Ascom/TSE)
(crédito: Antonio Augusto/Ascom/TSE)

Única região do Distrito Federal em que Luiz Inácio Lula da Silva (PT) obteve mais voto que Jair Bolsonaro (PL), a Asa Norte corre o risco de perder um antigo morador. Seu Marcelo, que se declara de direita, não suportou a ideia de morar em um lugar em que, digamos assim, aflora uma tendência ideológica mais à esquerda.

Já inflava seus nervos quando identificava bandeirinhas do candidato petista nas janelas dos prédios. Acordava mais cedo para anotar a quantidade de propagandas do seu candidato à Presidência. Nas contas de seu Marcelo, Bolsonaro venceria na Asa Norte com boa margem. Quando seu Marcelo conferiu os dados do TSE com Lula: 38.685 votos, correspondentes a 44,14% do total dos votos válidos, enquanto Bolsonaro ficou com 42,55%, ele me revelou no elevador: "Esse lugar não é mais pra mim".

A minha tia Coy, socialista, acostumada a administrar a divisão de opiniões dentro da própria família, sempre aconselha, do alto dos seus 94 anos de puro saber, aos netos a aprender a ouvir e respeitar o pensamento alheio. Tia Coy ensina que a escuta dedicada é um atalho para aprender com o contraditório. Acredito que ela está certa.

Pensando nas sábias palavras dela sobre o valor da interação e a preservação da convivência amorosa e pacífica, tento há duas semanas, convencer seu Marcelo a não mudar da Asa Norte. É claro que cada um tem suas estratégias de convencimento, suas posturas e opções ideológicas, sua régua pronta a medir a opinião do outro.

No entanto, me inspiro no ser humano, que antes de tudo é pacífico e consegue dialogar com os diferentes. Em tempos tão sombrios e de cega polarização, tenho ouvido falar e presenciar situações que me permitem indagar: É possível conservar o afeto e o respeito em quem pensa tão diferente de nós? É possível enxergar qualidades em quem não comunga da mesma fé política?

São perguntas não muito fáceis de responder porque cada um tem seus limites estabelecidos e discernimento para saber com quem se deseja ou não conviver. Mas de uma coisa tenho certeza: a conversa é capaz de mover montanhas de desinformação. Dar abertura para o diálogo e tentar entender as razões do outro, sejam elas quais forem, é um passo importante para mudar até ideias que parecem cristalizadas.

 

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