Entrevista

"A polarização é muito ruim", critica a delegada eleita distrital Jane Klébia (Agir)

Delegada da Polícia Civil eleita deputada distrital, Jane Klébia (Agir) pede aos eleitores que o resultado das urnas, no segundo turno presidencial, seja respeitado independentemente de quem saia vencedor do pleito

Arthur de Souza
postado em 15/10/2022 06:00
 (crédito:  Mariana Lins/Esp. CB.)
(crédito: Mariana Lins/Esp. CB.)

Perto do segundo turno das eleições presidenciais, a primeira delegada eleita como deputada distrital, Jane Klébia (Agir), declarou que vai se manter neutra "para respeitar os votos que teve" no primeiro turno. Seu partido faz parte da coligação do governador reeleito, Ibaneis Rocha (MDB), apoiador do presidente Jair Bolsonaro (PL). Ela participou do CB.Poder, programa do Correio e da TV Brasília, dessa sexta-feira (14/10). Na entrevista à jornalista Ana Maria Campos, ela ressaltou que irá trabalhar como aliada ao governo do emebedista, sem deixar de lado os deveres de um parlamentar.

Jane Klébia, que já foi secretária da Infância e da Juventude na gestão do ex-governador Rodrigo Rollemberg (PSB), ressaltou que vai trabalhar de forma específica nas pautas com as quais têm mais afinidade: educação, saúde e segurança pública. Em relação ao último tema, a delegada afirmou que vai atuar pela valorização das forças de segurança e no combate ao feminicídio. Além disso, criticou o que considera um embate pessoal entre as polícias Civil e Militar, comentando que elas devem trabalhar de forma integrada. 

Doutora Jane, a senhora já esteve no Sinpol, conversando com os policiais, depois da sua vitória. A senhora vai ser uma representante da sua instituição?

Eu digo que a cadeira de deputada distrital é muito grande, então, cabem muitas demandas. Dentre elas, a segurança pública e a Polícia Civil são pautas muito naturais. Eu me forjei policial civil. Comecei como agente de polícia, durante oito anos, e só depois me tornei delegada, por meio de concurso. Então, tenho a obrigação de ser essa representante. Nós, infelizmente, perdemos dois representantes nessas eleições. Então, legitimamente, como delegada de polícia, vou estar à disposição para representar toda a categoria, tanto nos interesses financeiros, de trabalho, assim como pensar segurança pública de verdade. (...) Quero estar nesse lugar de representação, tanto para representar a instituição Polícia Civil como no conjunto da segurança pública.

A Câmara Legislativa já teve um deputado delegado, que foi o doutor Renato Rainha, mas uma delegada, é a primeira vez. A gente vê que as mulheres ainda são uma minoria na Casa. Por isso, seu mandato vai ser muito importante por esses dois aspectos.

Houve uma comemoração das delegadas de polícia. A gente faz, não uma disputa, mas buscamos esse espaço dentro da própria polícia, pleiteamos isso na sociedade e mulheres, de modo geral, são mais de 50% da população. Durante a campanha, tive a oportunidade de dizer muito isso: 'Nós somos maioria, mas não representadas na mesma proporção'. As mulheres continuam dizendo isso, mas parece que as outras não nos escutam. Por isso, acho que é sempre importante repetir, mas acho que o tempo, o trabalho e o reflexo desse trabalho vão mostrar a importância de ter mulheres fazendo políticas públicas para as mulheres. Naquele local, a CLDF, sendo representante de Brasília, com certeza, vou abraçar algumas pautas. Então essa, de representação das mulheres, quero que seja uma coisa muito marcante.

Essa foi a sua segunda campanha, e você teve quase cinco vezes mais votos do que na primeira. O que levou a essa diferença?

Brinco que eu era a mesma doutora Jane, já estava ali há quase 40 anos — porque já faz 40 anos que estou no serviço público.

A senhora é muito conhecida na cidade pelo seu trabalho…

Mas isso só se intensificou nos últimos quatro anos, depois da delegacia do Paranoá. Quando estive à frente dela, as pessoas passaram a me conhecer como doutora Jane. Então, algumas investigações que foram marcantes e ultrapassaram a barreira do DF, como foi o caso do Marinésio — em que estive à frente na investigação de uma das mortes — começaram a chamar a atenção para quem é essa delegada. Nos casos de feminicídio que eu tive em minha cidade. Em 2018, quando cheguei na delegacia do Paranoá, houve cinco feminicídios. Eu consegui buscar os cinco autores. Alguns conseguiram fugir para a Bahia, para o Piauí… Houve um homicídio triplo, em que uma das vítimas estava grávida. Então, foram quatro mortes, e o autor foi para o Paraná. Então, a gente conseguiu concluir as investigações e fui buscar os autores. Isso trazia para a população a certeza da punição, a firmeza do meu trabalho e, com isso, fui ficando mais conhecida.

Essa questão do feminicídio assusta muito. A gente vê os casos crescendo muito, por mais que a gente veja que os números da criminalidade tenham sido razoáveis no DF. Até porque o agressor, muitas vezes, é alguém de dentro de casa: um parceiro, marido ou ex-marido. A senhora vai ter a oportunidade, trabalhando na CLDF, de propor leis, fiscalizar ou cobrar da Secretaria de Segurança ou de outras áreas do governo, medidas.

A gente trabalhar no fato, por exemplo, aconteceu o feminicídio, pega o autor e dá uma resposta para a família, é um momento pós-crime. Precisamos trabalhar muito o antes disso, para evitar que aconteça. E aí, é um trabalho de longo prazo que envolve, para mim, a educação. A gente tem que levar esse conteúdo para dentro das escolas. Trabalhar isso, de forma lúdica, com a criança, do tamanho do meu neto — oito anos de idade. Elas têm que entender esse respeito, qual é o lugar do homem e da mulher e a igualdade. Respeito é uma palavra que parece clichê, mas respeito é tudo. É preciso respeitar a vontade da outra porque, em regra, quando se vai pesquisar uma situação de feminicídio na família, ou é um homem insatisfeito e inseguro em relação ao sentimento que a mulher tem para ele, se ele é o único naquele relacionamento, ou porque ele não aceita perder e não topa a frustração de receber um não da mulher, ou é dominação — quando a mulher não se permite ser dominada por ele. Então, essa mudança de comportamento só vem pela formação e educação. Temos diversos motivos que levam elas a ficarem nesse tipo de relacionamento, mas um deles é o econômico. Então, é preciso formar a mulher. Acho que, emergencialmente, tem que ser feita alguma coisa, porque a fome tem pressa. Quando ela quer sair da casa naquele momento, não dá tempo dela pensar que vai estudar primeiro. Por isso, quando ela decide sair, é necessário haver uma possibilidade emergencial, por meio de um aluguel social, pois, em regra, a casa onde ela mora é do companheiro ou da família dele, então, ela não tem para onde ir. A partir daí, não abandoná-la. Resolvido aquele primeiro momento, buscar qualificá-la para o mercado de trabalho. Além da formação, o microcrédito dos bancos públicos é possível para que ela realmente aprenda e produza. Por fim, dentro do curso de qualificação, oferecer uma plataforma para que ela venda o que produz. Agora sim, você ofereceu um ciclo completo para que ela possa obter renda e, com ela, pagar uma creche para o filho e o aluguel.

A senhora já foi secretária da Infância e da Juventude. Esse será um foco do seu mandato?

A minha ideia é estar disponível para todas as pautas, mas trabalhar, especificamente, aquelas que mais conheço e vivenciei: educação, segurança pública e saúde. Trabalhei por pelo menos 10 anos em cada uma delas, só na polícia foram 23 anos. Tive a oportunidade de ser secretária de governo. Então, tenho muitas ideias sobre a política da infância e juventude, como: cuidar dos adolescentes por meio de medidas socioeducativas, e promover a ressocialização real desses adolescentes, tirando eles das ruas. Algumas dessas propostas foram iniciadas quando fui secretária, e acho que seja possível retomá-las por meio da secretaria.

Queria saber sua posição como deputada: vai ser uma deputada da base do governador Ibaneis? Vai ser oposição? Vai ser neutra? Vai ser independente?

Acredito que a CLDF está ali para contribuir. Então, no primeiro momento, não dá para se falar sobre oposição. Não dá para ser oposição por princípio. Chego com um sentimento de contribuição, na base do governador. O Agir estava na coligação que apoiou a reeleição dele. A ideia é essa, de contribuição mesmo: essa parceria entre Legislativo e Executivo, sem perder de vista a questão da fiscalização, que é a obrigação do parlamentar. Acho que a gente tem que contribuir para que Brasília fique melhor. Se fica um puxa para o lado e para o outro, as coisas não acontecem. Então, é contribuir para fazer acontecer. É lógico que o andar, o dia a dia, as pautas e minha convicção como deputada vão guiar esse momento. Pode ser que tenha alguma hora que a gente discorde, mas é natural. Nada de cabresto, obrigação, aquela coisa pré-determinada: 'você tem que seguir esse caminho, independente da sua convicção'. Não. A minha convicção é de colaboração sempre. Vou estar à disposição do governador Ibaneis para fazer a coisa correta e unir os meus pares. Sou muito da articulação.

O governador Ibaneis esteve aqui (no CB. Poder), logo depois da eleição. Ele disse aqui, e também em outras emissoras, que pretende dar um reajuste para a categoria e que a área de segurança é uma prioridade. A senhora acredita que sai agora a paridade completa?

Esse é um pleito antigo dos policiais. A polícia do DF é tida como a melhor do Brasil, em termos de investigação e resolução de crimes. Então, temos mostrado um serviço eficiente. Agora, o reconhecimento financeiro não tem sido da mesma forma. Perdemos a paridade com a Polícia Federal no governo Rollemberg. Hoje, os policiais lutam por isso novamente. Quando o governador sinaliza com o aumento de salário, é para cumprir uma promessa da campanha de 2018 e, por alguma circunstância, não aconteceu. Então, a polícia realmente espera esse reconhecimento financeiro. É muito importante. Se a gente tiver um policial valorizado e com bons salários, ele vai fazer o que já faz por determinação do cargo, com vontade própria para fazer a boa polícia. Nós queremos uma polícia forte e reconhecida pela população. Agora, além desse reconhecimento financeiro, a gente tem que trazer a tecnologia para a investigação. Precisa melhorar as condições de trabalho. Temos outras a se fazer na polícia, para que ela se consolide como uma das melhores do Brasil.

Que outras coisas, doutora Jane?

Para mim, urgentemente, trazer a tecnologia para a investigação. Hoje, o crime — especialmente o estelionato — está muito tecnológico e usa ferramentas que precisam estar nas investigações, para que a gente alcance os autores com a mesma velocidade. E, para isso, é necessário investimento nas viaturas e na questão da formação do policial. Já fui chefe durante muitos anos e sei como funciona: a gente busca os policiais mais jovens por serem afeitos à tecnologia, mas por recursos próprios, fora da polícia. Então, é preciso trazer isso como regra para dentro da academia. Além disso, a unificação entre as polícias também é urgente.

Escuto isso sobre a integração dos dados entre as polícias há tanto tempo. Não acredito que, até hoje, não exista um sistema unificado onde se consiga informações com agilidade. A gente assiste os filmes, mas nem sabe se aquilo é real, só que é o ideal, é como deveria ser…

É o necessário. No próprio DF, se você busca, existem diversos cadastros. Penso que todos eles deveriam estar em uma base de dados que a polícia deveria ter acesso.

A Polícia Militar e Polícia Civil trabalham de forma integrada ou ainda têm muito embate?

Existe de forma pessoal. Não é institucional. A ideia é que a gente trabalhe junto e em consonância, cada uma com sua atribuição constitucional. Elas se integram, são necessárias. Agora, pessoalmente, alguns fazem essa diferença. Não consigo nem aceitar, nem entender porque fazem isso. A amizade e a parceria são muito importantes para que a investigação aconteça. Muitas informações estão somente nas bases de cada uma das polícias e, quando elas se cruzam, facilita o trabalho para as duas corporações.

Doutora Jane, a coligação do governador Ibaneis é a base da campanha do presidente Bolsonaro aqui em Brasília. Qual é a sua posição em relação a essa polarização nacional?

Durante a campanha, fiz questão de dizer isso. Até porque, como candidata a distrital, precisava dos votos tanto de quem era bolsonarista quanto de quem era Lula. Então, nos meus materiais de campanha — os famosos santinhos — o espaço para presidente estava em branco, para dizer que a população poderia votar em quem quisesse. A polarização é muito ruim e penosa para a democracia. Então, para buscar o eleitor dos dois lados, mantive a neutralidade durante a campanha. No segundo, para respeitar os votos que tive, mantenho a mesma posição. Imploro às pessoas e peço à Deus que o resultado seja respeitado, independente do que aconteça.

Notícias pelo celular

Receba direto no celular as notícias mais recentes publicadas pelo Correio Braziliense. É de graça. Clique aqui e participe da comunidade do Correio, uma das inovações lançadas pelo WhatsApp.


Dê a sua opinião

O Correio tem um espaço na edição impressa para publicar a opinião dos leitores. As mensagens devem ter, no máximo, 10 linhas e incluir nome, endereço e telefone para o e-mail sredat.df@dabr.com.br.

Os comentários não representam a opinião do jornal e são de responsabilidade do autor. As mensagens estão sujeitas a moderação prévia antes da publicação